Big Bllakk e a síndrome do pioneirismo ou porque o eixo quer sempre fuder o nordeste?

Porque o pioneirismo é importante para a cultura Hip-Hop? Big Bllakk e a síndrome do pioneirismo é um artigo que busca pensar o apagamento do nordeste na cena no rap nacional!

“Se quer me fuder, me beije primeiro”

Muitas vezes nas redes sociais e na mídia não conseguimos distinguir se estamos diante de ignorância ou da pura e simples falta de caráter, porém independente disto, precisamos colocar os pontos nos is. Faz alguns anos que o Oganpazan não deixa de se posicionar e com isso tentar refletir sobre as ideias que circulam no espaço público dentro da cultura Hip-Hop. Mais especificamente, o Oganpazan busca produzir reflexões e visibilidade ao cenário da música Rap, com foco nas produções baianas e nordestinas.  

Hoje com o desenvolvimento do Rap nacional dentro do mercado musical, o discurso meritocrático virou uma droga entorpecente dentro do cenário e leva muitas vezes algumas figuras da cena a darem declarações que mesmo sem intenção ou por mera ignorância só servem ao apagamento de outras figuras de vulto dentro de nossa história. 

Muitos brincam, não levam a sério e alguns ainda acham chato esse papo de pioneirismo. Nomes importantes, que deveriam entender melhor o que significa ser pioneiro, apesar de não querer ficar de conversa na internet. Sabemos que quem está na correria tem pouco a dizer sobre bobagens e faz bem, mas é papel da mídia especializada utilizar esse tipo de declaração para buscar algo maior. 

Ora, estamos diuturnamente buscando repensar a história da música preta no mundo, e faz algum tempo que ora ou outra, aparece uma declaração non sense burra que apaga de uma vez só histórias de muitos anos e até de décadas. Veja bem, se isso ocorre com frequência é porque deve existir alguma importância nessas declarações, para além da trip egoísta, individualista ou marketeira. Não é atoa que conhecemos Elvis Presley como rei do rock e Roberto Carlos como Rei da música em nosso país.

Quando formas e enunciados passam a circular com regularidade no meio social é fato que elas representam algo significativo. Desta vez foi a vez do MC Big Bllakk reivindicar o posto de Grão mestre do drill no Brasil junto à VND, LEALL e Derxan. De acordo com o artista, se não fossem eles, jamais saberíamos, teríamos acesso a esta vertente musical. Do alto de sua generosidade ele resume a feitura de uma vertente musical a 4 nomes. 

Sabemos o resultado desta declaração, na verdade já vimos, ele diz que não está falando de quem foi o primeiro a fazer esta vertente musical, apela sub-repticiamente aos números de sucesso dele e dos nomes que ele mencionou e desconversa. É assim, que em geral os apagamentos ocorrem, porque na mente do Big Bllakk ninguém tinha internet, ninguém pesquisava sobre drill e o pior de tudo, aqui em Salvador e em diversos outros lugares Vandal não era escutado. 

 A meritocracia é uma droga, ela faz com que um homem negro apague o trabalho de outro em nome de sabe-se lá o que, uma declaração infeliz que é apenas a ponta do iceberg quando pensamos nos constantes apagamentos que o rap no nordeste sofre. Vandal neste caso é apenas mais um, pois mesmo sendo um MC que todos que conhecem a cultura sabem que é inovador na história do rap nacional, trazendo e apresentando literalmente produções no Trap, no grime e no drill, segue sendo apagado, invisibilizado no eixo.

No final das contas, o problema aqui não é personificar no Big Bllakk o tamanho do que está por trás de sua declaração, mas entender o que através dele mesmo é vinculado. Quais são os pressupostos que o levam a pensar assim e a quem estes servem. 

Porque é importante ser pioneiro? 

O pioneirismo no campo das artes é algo importantíssimo pois diz dos inovadores, daqueles que abriram caminho para técnicas, conteúdos, temas, formas novas dentro das artes. Na música, possuímos o caso emblemático de Johnny Alf que foi apagado como um dos pioneiros da Bossa Nova por anos. Ora, em um país racista, e neste caso xenófobo, o não reconhecimento por parte de Big Bllakk do pioneirismo de Vandal, cumpre a função de seguir invisibilizando o artista baiano. Ao mesmo tempo que assume o papel tão adorado pela indústria cultural de quebrar qualquer possibilidade de coletivismo dentro da cultura, como bem lembrou Gil Souza (Bocada Forte) em recente conversa.  

A coisa é tão disseminada que em 2019 tivemos que correr e registrar em uma matéria os mais de 20 anos do rap baiano em trios elétricos no carnaval, porque conta de um ruído de comunicação/ignorância por parte da assessoria do bloco Beat Loko de SP que anunciou ser o pioneiro nesta plataforma. Naquele momento o Bloco Nova Saga capitaneado por Makonnen Tafari e DJ Akani, já caminhavam para o 7º ano do seu bloco. Percebam, não é algo isolado, é constante. É recorrente as matérias, declarações nas mais diversas esferas, que se pretendem pioneiros em algo, apagando com isso tudo que veio antes. 

Na peça publicitária “O Trap Nacional Mostra a Que Veio” lançada pelo Spotify e que se pretende abordar o aumento do consumo deste gênero no país desde 2016, o próprio Makonnen Tafari, Raonir Braz, Vandal e outros nomes do nordeste que estavam produzindo dentro deste gênero foram simplesmente excluídos. A MC La Luna, baiana de Vitória da Conquista e primeira mulher a soltar um trampo cheio dentro deste gênero musical – pelo menos do que temos notícia – nem sequer foi citada.

O inacreditável de tudo é que na internet essas afirmações podem ser facilmente confirmadas ou desmentidas, ainda assim, seja porque razão for, o procedimento continua. E isso se reflete na percepção do público, porque é bom lembrar que estamos falando hoje de uma indústria musical em expansão. Desde 2010 mais ou menos, o MC e produtor Calibre produz Trap misturado com pagode, na real ele já fazia misturas de Dirty South com a sonoridade de blocos afros de Salvador, que na altura chamou de Batifun. 

Em 2018, Rincon Sapiência lançou o clipe da música Mete Dança e teve bastante aceitação pelo público, mesmo utilizando como base elementos do pagodão e citando frases do cantor de pagode Igor Kannario, além de homenagear o Mestre Moa. A xenofobia do público e de parte da mídia do eixo se mostra quando figuras como Calibre, são desconhecidas e trabalhos como o de Marcola Bituca que vão na mesma direção do de Rincon não são reconhecidos. Inclusive os dois artistas gravaram um feat presente no disco Os Últimos Filhos de Sião, lançado em 2020 por Marcola. 

Teagacê, um dos grandes nomes do rap nacional!

Para finalizar, recentemente rolou uma contenda quando Lucas Zetre (fotógrafo, videomaker e diretor musical) em um arroubo delirante apagou 40 anos de rap feito por mulheres no Brasil para elogiar a dupla Tasha & Tracie. Nas réplicas ao twitter que buscavam contradizer a fala equivocada, e onde eram citados nomes históricos do rap nacional, não vimos nenhuma menção aos grupos de mulheres ou às MCs nordestinas. É um padrão, que infelizmente se reproduz sempre nas redes sociais. 

O pioneirismo é importante e deveria ser reconhecido como parte fundamental de uma cultura que tem origens negras, que por sua vez reconhece e reverência à ancestralidade.Ser pioneiro no campo das artes, ser um inventor singular e desbravador de campos de criação abre portas, faz bem a auto estima, traz valorização ao trabalho e isso é um fato.  Porém, a busca por holofotes, por reconhecimento fácil ou simplesmente a infelicidade de um raciocínio mal conduzido pela meritocracia, faz com que os mais velhos e as mais velhas sejam desvalorizados de modo geral. 

Já imaginaram se La Luna, Vandal e Makonnen Tafari fossem do eixo? E se Don L não estivesse em SP batalhando a anos? Já pensaram se nomes como Teagacê (RN), Bidu (SE) e tantos outros e outras e outres, do nordeste que são reconhecidos por diversos nomes do eixo, tivessem visibilidade com os seus trabalhos atuais? Quando se trata do que é feito no nordeste, não há pesquisa, não há sororidade, nem visibilidade e reconhecimento, é sempre apagamento. 

O nordeste segue sendo invisibilizado e fazer música rap por aqui é sempre pior, e ainda assim oferta faz muito tempo uma cena riquíssima e inovadora. Ter síndromes de pioneirismo como Big Bllakk e outros não os faz pioneiros. Mas vocês não querem se preparar para essa conversa, afinal vocês sabem muito bem do que estamos falando, se não vai me beijar, pelo menos mande flores no dia seguinte viu Bê!     

-Big Bllakk e a síndrome do pioneirismo ou porque o eixo que sempre fuder o nordeste?

Por Danilo Cruz 

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