Segundo disco de sua carreira, Monna Brutal apresenta o Lado A do seu 20.21, com uma pluralidade de sonoridades no Hip-Hop.
“Permaneço ateia mas creio na a energia que guarda o povo preto e dissidente dessa terra”
Como grandes artistas trabalham, Monna Brutal é um corpo negro e dissidente que recolhe e retrabalha os signos inscritos no socius, nos levando a refletir e nos injetando indignação. Sua arte é sempre embebida de uma força inaudita de revide a todos os problemas e dificuldades que ela enfrenta pelo simples fato de existir, como mulher trans não binária e negra. Uma existência que em si mesma já é um problema aos padrões da nossa civilização judaico-cristã e todas as suas hipocrisias cruéis que nos são empurrados como dogmas.
Uma existência que teve sua subjetividade construída com suas próprias vivências e direcionada pela e para a cultura hip-hop, para o bem de todos nós. Essa essência pode ser facilmente percebida na verdade que o lado A do seu segundo disco 20.21, nos transmite independente da pluralidade de sonoridades em que Monna Brutal rima/canta.Em um momento da história onde o rap nacional segue sendo mastigado pela indústria cultural, nos oferecendo discos que pretendem um diálogo com os playgrounds, Monna Brutal nos oferta toda a riqueza extraída da pobreza: rap de quintal!
Composto por 11 faixas, o lado A de 20.21 arrepia todes que não estiverem mortes por dentro, já na sua introdução Monna Brutal encadeia suas intenções e aquilo que é, para onde vai. A “Faixa Zero” nos coloca na rota de um trabalho que se desenrola com uma potência “punk do it yourself”, preenchido pela essência hip-hop e conversando de verdade com as expressões sonoras da Diáspora Africana. Não à toa “Para o Povo Preto”chega suave com a força do grave afetando o nosso peito como a boa música jamaicana faz.
Essa abertura musical já nos serve de aviso: Raça primeiro; como ponto de partida epistemológico e porque não musical pois sabe-se que o reggae é fruto da árvore jamaicana. Vitória ao povo preto, diverso, de quebrada, porém para alcançar esse objetivo, Monna Brutal sabe que não será o amor ao elo com a branquitude, o caminhho, senão pular para o “Fight”. Um pulo que no caso dela é cotidiano, uma vida no gerúndio desse verbo, a terceira faixa reafirma a luta de uma das melhores MC’s do cenário nacional.
“Namastê/ Se Fuder, Haribô/ Minha coxa”
Forjada nas batalhas, nas ruas, Monna Brutal possui uma técnica e um repertório poético fantásticos, “Neurose” por exemplo é daqueles raps que deveriam ser emoldurados. Essa é a conversa que precisamos ter, quebrar os elos, as correntes e não chamar a branquitude para forjar elos que só servem para nos aprisionar em velhas categorias reificadas. Monna Brutal balanceou os afetos de modo muito bem dosados ao longo de todo o lado A, nos mostrando que o seu “balanço Cósmico” sabe a quem direcionar o amor, e a quem destilar todo o ódio legítimo. Operação que nos é chamado a atenção com a inserção de uma passagem do clássico documentário “Estamira”, durante a faixa “Intrelúdio”,.
Saúde mental necessária para uma das faixas mais bonitas e fortes do disco: “Queen”. que nos leva às pistas, a alegria e auto afirmação fundamental ao povo preto, que teve sua produção eletrônica roubada mais uma vez. Monna Brutal aprendeu a fazer beats e meteu logo um house pesado, trazendo para o nosso lado aquilo que é nosso. Assim como na faixa seguinte “Estrago”, e que flow ela nos entrega nessa música, Monna que é talvez o melhor speed flow do rap nacional.
“Tive que voltar, tive que partir, para entender um pouco do meu eu”
Há pouco mais de um ano, Monna rutal publicou em suas redes sociais que iria largar a música. Quem vive e quem realmente acompanha a cena independente sabe o terror que é tentar viver de música em nosso país. Desde o ano passado, muitos artistas vem amargando as novas dificuldades fruto do país que pior combateu a pandemia em todo o planeta Terra. O lado A do segundo disco da Monna Brutal foi todo gerido e criado durante o ano de 2020, e guarda no seu íntimo e em cada uma de suas faixas questões realçadas por toda essa situação.
A magia transformada em R.A.P, pela Monna Brutal nos apresenta diversas dimensões de uma subjetividade toda trabalhada na luta, e que nesse trabalho nos oferta também suas fragilidades, como na faixa “Partidas” que traz o violão de Victor Calli. Esse processo, nos mostra uma artista múltipla, cheia de facetas e que não cede ao senso comum, buscando na auto-reflexão um caminho potente para se recriar sempre. Resistência para habitar um mundo que tende sempre a lhe dificultar a existência física, subjetiva, a sobrevivência e a expressão. Nesse sentido, Monna Brutal nos oferta im disco que se não totaliza as interseccionalidades que lhes atravessa, nos oferece um caminho para entender essas diversas problemáticas.
Estando na parte mais sofrida da pirâmide social, nos entrega o mais potente revide às “Fragilidades”, conservando o amor a todes nós e externando e arremessando longe o ódio gerado pelo sistema. Uma verdadeira pira funerária ardendo com todas as tristezas e nos aquecendo no frio e no sereno de nossas quebradas. atualizando a famosa imagem: “tomando vinho seco em volta da fogueira”.
Monna Brutal em seu trabalho, apresenta diversas direções para compreendermos de que modo o rap pode se comportar enquanto expressão da cultura hip hop no século 21. Sendo tão assediado pela indústria cultural em nosso país e elegendo alguns pretos para estarem no topo, às custas de milhares outres a servirem como base, espelho de uma sociedade desigual. A cada dia mais e mais aderindo a fórmulas fáceis, repetindo padrões e produzindo uma exaustiva e cada vez mais miserável fórmula do sucesso. Experienciar o lado A de 20.21 (2021) é dar de cara com um trampo todo produzido pela Monna junto a FR3ELEX, todo encadeado, pensado para a última faixa.
O fechamento deste primeiro lado é aqui sim, o elo capaz de entender todo o contexto do disco, mesmo ainda não tendo acesso ao lado b. Monna Brutal sintetiza o local de partida de sua arte e de sua vida em “Produção em Massa”, e é a faixa mais emocionante pois traz junto dela, na verdade arrasta todas as outras faixas, toda a riqueza do disco e às envia para a eternidade. É de alguma forma, como se fossemos colocados diante de um nascimento, uma revolução, choramos aqui, mas de alegria, nossas lágrimas chegam diante da beleza e da potência de uma artista que literalmente tirou leite de pedra. É presentificação da força metafísica que sentimos como a verdade atravessando todo o disco. É algo hoje difícil de se conseguir encontrar, em um nível artístico tão bem colocado como Monna Brutal e FR3ELEX fizeram: Rap é compromisso não é viagém e aqui é real Hip-Hop de quintal ou ainda como disse o poeta baiano:
“O que você odeia nós abraça e junta”
-Monna Brutal lança o primeiro grande disco do ano com 20.21
Por Danilo Cruz