Joabe Reis e o baile black de Crew In Church

Valorizando o PIB nacional, Joabe Reis promove sua estréia em carreira solo com um disco que esbanja swing e brasilidade.

O que seria de nós sem o groove?

É uma pergunta mesmo, vá você pensando que já tenho essa resposta.

Mas vamos voltar à análise. O groove, aquela pitada agridoce que faz você mexer esse corpinho, bom, esse gostinho do Funk, o famoso Q.I rebolativo – o coeficiente que mede a sua capacidade de mexer a bacia – está sofrendo um tantinho com o famigerado hype.

Parece bobeira, mas vocês já reparam na quantidade de novos rótulos que surgiram pra tentar chegar num denominador comum dentro dessa cena contemporânea de sons mais dançantes? Pode sacar, se você estiver falando de Rap, o pessoal chama de “Rap-Jazz”.

Se o negócio for na Inglaterra é Acid Jazz e alguns chamam de Broken Beat. Se for um lance mais Soul/R&B ai já vira Neo-Soul e se juntar os 2 ainda tem gente que diz que é Jazz, moderno urbano… E existe Jazz rural?! Esperando ansiosamente pelo Jazz underground também. Pode esperar, uma hora alguém vai cunhar esse termo.

É interessante pensar nessa necessidade que as pessoas possuem de criar um mito, nesse caso travestido de nomenclatura. No fim das contas é tudo groove, é Funk e é isso, não precisa ser mais e nem menos. Para exemplificar, selecionei um disco nacional que une tudo que foi citado acima e ainda adiciona novos temperos no quitute instrumental.

O resultado caminha pelo Jazz, dá um salve no R&B, tem pitadas de Hip-Hop e aquela classe do Soul, climão Gospel, mas sem jamais esquecer o DNA brasileiro. E o melhor de tudo: sem esse mimimi de criar conceitos esdrúxulos para definir o som.

É o puro swing do Jazz-Funk e nada mais – “pokas ideias” como dizem na gíria. Falo sobre o primeiro disco solo do trombonista Joabe Reis, o excelente “Crew In Church”, lançado no dia 29 de maio de 2020. Primeiro esforço solo do trombonista capixaba – criado em Cachoeira do Itapemirim, mas radicado em São Paulo – “Crew In Church” reúne todos os traços mais marcantes do groove contemporâneo e consegue um blend interessante e que coloca o músico do Espírito Santo no mesmo nível de todos esses gringos que brasileiro adora pagar pau.

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Foto: Thiago Bruno

Depois de receber um convite do selo TFunky Jazz (do baterista/produtor Tuto Ferraz), o trombonista – que também produziu o disco – reuniu um time de 32 músicos da cena Jazz do eixo Rio-São Paulo, com exceção de figuras extraterrestres, como Toninho Horta, o maestro Nelson Ayres e o trombonista Elliot Mason, da Lincoln Center Orchestra – liderado pelo Wynton Marsalis – que também figuram na lista de participações no álbum.

Como resultado, Joabe gravou um disco irretocável, envolvente e cremoso. Diverso, mas com uma unidade quase maçiça, o play se desenrola por quase 1 hora, enquanto valoriza o pantone do groove em sua extensa e variada paleta de cores e com tons épicos, grandiosidade de Big Band. O malandro veio pra fazer alarde.

O nome do disco – “Crew In Church” saiu de uma composição do próprio Joabe, criada em 2019. Dos 9 temas, 6 são de autoria do meliante. Apenas “Tema Pro Joabe” (composição do também trombonista Rafael Rocha), “Segundo Reis” – faixa do trompetista Bruno Santos, feito especialmente para esse trabalho – e “In Persuit Of You”, composição do tecladista/produtor Kiefer – que foram contribuições externas.

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Foto: Thiago Bruno

Pra quem gosta de metais esse disco é obrigatório. O entrosamento do grupo é nítido e a liberdade é total, dá pra perceber como todos tocam soltos. Essa malandragem, essa malemolência relax que dá o tom nos grooves, nesse que é um  um dos principais projetos de Jazz do país. Se liga no time do sexteto titular: Sidmar Vieira no trompete, Josué Lopez (saxofone), Vitor Cabral (bateria), Felipe Pizzutiello (baixo) e Leandro Cabral (teclado). Não é brinquedo, não, bicho!

A ficha técnica é extensa, colocar esse networking pra funcionar e orquestrar tudo isso em estúdio com certeza não foi simples. A roupagem do disco, a master… Dá pra sentir o esmero e o cuidado para colocar tantos elementos no som, mas sem comprometer a clareza da audição e cometer excessos na produção.

É um disco acima de tudo elegante e versátil. A faixa de abertura (“Pamplona”) já apresenta o som que vai permear sua orelhada e as cartas estão na mesa. O swing entra sem mais delongas e a pegada é pungente. Sidmar, Josué e Joabe é um trio no mínimo tinhoso e bastante equilibrado.

Joabe também é hitmaker, ele aparece todo radiofônica com o single “Mirror Of Balance”. O requinte dos arranjos é digno de nota. O jeito que os metais conversam, as harmonias, é tudo muito sutil, mas ainda assim, nada passa desapercebido. A faixa título relembra o começo do músico na Igreja e salvo os beats do DJ Tubarão e o flow do Kivitz em “AFGG” – e a participação de Toninho em “Tema Pro Joabe” – o disco mantém o tom no gogó instrumental.

Aliás, esse projeto reúne e apresenta uma bela e rica síntese do que está rolando na cena instrumental nacional. Músicos jovens, experimentos e tecnicamente muito completos, produzindo discos desse calibre, já logo na estreia em estúdio.

Se liga só na lista de quem passou por aqui. Pega esse bonde: Robinho Tavares (baixo), Dudinha Lima (baixo), Junior Braguinha (baixo), Alberto Continentino (baixo), Dedê Silva (bateria), Tuto Ferraz (bateria), Cleverson Silva (bateria), Agenor de Lorenzi (teclados), Herbert Medeiros (teclados), Alex Corrêa (teclados), Sérgio Assunção (teclados), Stanley Wagner (guitarra), Diego Garbin (trompete), Paulo Jordão (trompete), Jessé Sadoc (trompete), Altair Martins (trompetee), Bruno Santos (trompete), Marcelo Martins (saxofone), Danilo Sinna (saxofone), Henrique Band (saxofone), Ricardo Braga (percissão) e os já citados Dj Tubarão  e Kivitz.

Muita gente somou e deixou sua marca. Nos temas mais longos, Joabe mostra um cuidado com o desabrochar das composições que é quase poético. “J&J” é um daqueles sons se deixarem no repeat ninguém percebe, tamanho a forma com a qual o som se adequa ao ambiente.

E ainda tem Elliot Mason em “Sobre o Mesmo Chão”, Nelson Ayres no piano em “Tema Pro Joabe”, arranjo de Big Band em “Segundo Reis” e uma versão de “In Persuit Of You” que vem com aquele swing pra você mexer só o pescoço e terminar o disco na alta, dançando.

Pode acreditar, esse aí vai rolar muito nos seus fones. Que disco, Joabe, como diz o Bnegão: essa é pra tocar no baile. Seloco, com um repertório desse, é bom ele já lançar O Baile do Joabe Reis. Coisa fina, finíssima.

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