Vagabundo Prodígio em Apelos(2018) Quando a doença vira arte!

Vagabundo Prodígio em Apelos(2018) lançou três videoclipes onde conseguiu transformar suas vivências e problemas na arte mais pura e genuína

 

Nossa sociedade doente nos adoece, é claro, modos de vida, vivências exigências sociais nos atravessam a todos e muitas vezes a quantidade de ataques é tão grande que adoecemos. Dentro dessa complexa teia de causas e efeitos, de atravessamentos e de relações entre o individual e o coletivo, a arte deveria cumprir o papel salutar de informar e produzir reflexões.

E é nesse escopo, onde a arte transforma doença em saúde, onde o doente se faz forte e consegue superar as dores de sua alma através de uma elevação artística e porque não espiritual, que Vagabundo Prodígio se fez presente. Através de uma trilogia de singles e videoclipes, onde expôs com uma sinceridade absurda os problemas pelos quais passou, ele conseguiu transforma-los em algo impessoal.

Ao artista, aos verdadeiros artistas é dada a potência de transformar vivências em puros blocos de sensação e de afetos, que são de todos e de ninguém. O rap, o hip hop de modo geral valoriza bastante esse modo de proceder, onde ética e política são transformadas em estados estéticos. 

Alimentar de força e de alegria os espiritos é a tarefa fundamental da arte, potencializar vidas, ao contrário de certo mercado que trafica afetos tristes e alimenta a doença presente em todos que vivem os auges do capitalismo. Sistema econômico e social, o capitalismo nos adoece de diversas formas, mas também é capaz de subverter os próprios códigos que adoecem as pessoas e gerar produtos.

Dentro da indústria cultural não param de jorrar produtos, life styles que promovam o que pra uma parcela da nossa juventude se adequa ao que chamam sadboys e sadgirls. É nojento, é empobrecedor, é uma retroalimentação de doenças da alma, transformadas em produtos culturais. O rap tem embarcado um pouco nessa onda, vendendo afetos tristes como reflexão séria, quando na verdade é só mais um produto cultural de muito baixa qualidade e valor. 

Caminho inverso fez o Vagabundo Prodígio, que enfretou a depressão e tentativas de suicídio e transformou isso em uma obra de arte digna de ser assistida, refletida e problematizada de modo sério. A longa trajetória desse Vagabundo Prodígio dentro da cultura hip hop de Salvador, é uma caminhada de enfrentamento dentro de uma cena com pouca visibilidade. No entanto, isso nunca o fez apresentar trabalhos que não estivessem num nível de excelência, apesar das dores que muitos artistas guardam nessa cidade ingrata. Recentemente perdemos Roy, excelente cantor e compositor que sucumbiu a depressão e se suicidou. 

Essa trilogia, assim como outros singles e audiovisuais de primeira categoria, compoem agora o trabalho solo do Vagabundo Prodígio. Algo como um pós vida, renascimento, pós Suspeito UmDois e Turma do Bairro. É importante lembrar que nesse grupo anterior, ele participou de um disco maravilhoso, Stanley e a Cidade do Underground (2015). Dito isso, os Apelos, que foram lançados no ano passado trazem um interressante progressão que corroboram com tudo que foi dito acima. 

Configurado como morte simbólica e renascimento real, de alguém que enfrentou a vontade de morrer, que se levantou do vazio que a depressão instaura no âmago do ser, Felipe renasceu Ramon Velasquez, Flip morreu pra dar lugar ao Vagabundo Prodígio. Uma espécie de Divina Comédia do poeta e filósofo italiano Dante Aligheri, em ritmo de rap, encarnando uma crucificação que muitos também sofrem, mas que poucos conseguem levantar, renascer. 

Contando com a produção da AquaHertz e com participação de Sara Sankofa, a trilogia Apelos (2018), é mais um produto, porém sério, vivido, e sobretudo uma obra de arte que é capaz de nos mostrar alguém que venceu nas suas escolhas. Que foi capaz de entender-se como substância divina, logo com um sopro de vida de um Deus que quer mais vida, e não morte. 

 

 

 

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