Akira Presidente e o valor das famílias negras em Nandi

Em seu novo disco, Nandi (2019), o rapper Akira Presidente aborda a importância de sua família preta para sua caminhada.

Akira Presidente

“Daria um filme: uma negra e uma criança nos braços, solitária na floresta de concreto e aço.”  Racionais Mc’s

A intertextualidade aqui é evidente, diante da imagem poética acima mencionada o rapper carioca Akira Presidente cria uma espécie de resposta, ou se se quiser, uma continuação da luta. Dos filhos de mães solteiras – que é ainda uma realidade gritante em suas diversas nuances – até uma família preta consciente de seu papel, bonita e orgulhosa de si.

É desse modo que Akira Presidente começa seu novo disco, numa perspectiva onde a sua família é o centro e a Nandi, a inspiração máxima. Dando seguimento ao anterior Fa7her (2017) onde a Nandi aparecia no seu colo, o novo trabalho versa e ritma com uma excelente qualidade sobre diversos temas, todos, ao nosso ver interligados. O bonito clipe da Intro, com a doce voz e a boca toda lambuzada de sorvete da lindona Nandi, foi dirigido por Esposito e co-dirigido por Rodrigo Siqueira.

Já de saída, esse momento incomum é colocado visualmente – foi o primeiro audiovisual lançado – como a perspectiva fundamental, essencial do trabalho. Famílias negras são essenciais, obviamente aqui pensamos em todas as configurações e orientações possíveis, e é sobre e a partir desta célula inicial que entendemos todo o restante desenvolvimento do trabalho.

Akira Presidente parte desse cenário ensolarado de alegria e paz, harmonia e vitória, momento eternizado pelas câmeras e pela escolha sensível da fotografia, para construir uma narrativa adequada. Em Assumindo o Risco a tônica é a busca pela vitória, e sobretudo por uma vida que possua um sentido maior. Família como obra de arte. Arte como projeto político. Há aqui um gostinho de ter conseguido algo, após a caminhada de 5 discos lançados. Sim, a discografia solo de Akira Presidente já é longa e sem contar os discos da Pirâmide Perdida.

Tomando essa menção, a longa e prolífica caminhada do Akira Presidente é muito importante ressaltar que uma mudança brusca de perspectiva talvez seja o maior atrativos que o disco possui. Sobretudo se considerarmos que o papo gangsta aqui é subvertido – subversão da subversão – para o Fa7herstar. A afirmação da liberdade em Vivo Como Eu Quero, é a luta é pelos seus, parceiros, família e pela raça, e notamos o quanto, quanto mais se faz algo real mais as intersecções se fazem presente, pois afinal de contas a luta é por todos ou é blá blá blá.

Se as duas primeiras faixas teve nos beats do El Lif Beatz o maestro para as linhas, em Livre que traz a participação do Baco Exu do Blues, o beat é obra do DKVPZ. O ritmo segue sendo o da serenidade, da confiança e da afirmação e da busca incessante por uma vida digna.

A música da diáspora sempre se encontra, seja na influência, seja na repetição de temas que encontra nesse processo sua diferença. Dance é de algum modo uma Them Belly Full (But We Hungry) do mestre Bob Marley, que no clássico Natty Dread (1975), cantava que apesar de todas as injustiças (fome) era fundamental dançar, ao som da música de Jah. Akira Presidente segue mais ou menos a mesma linha, chamando atenção em seu caso para a necessidade de encontrarmos momentos de lazer e curtição dentro das guerras cotidianas.

Diante de um cenário escroto muitas vezes, porque assim como a sociedade de onde é fruto, é machista e homofóbico, Ela Sobe, Ela desce é uma bela elegia ao feminino que não é visto objeto, que aqui nessa música é compreendida em sua inteireza e liberdade. Movimento embalado pela sensual e cadenciada batida do El Lif Beats, que ao encontrar Ainá tem sua total razão de ser evidenciada. A Mo7her chega pra mostrar como essa tabelinha é fundamental e sobretudo de igual para igual. Aqui a triangulação se abre, uma família negra que mostra pro mundo como é possível – nessa obra – ser uma trindade potente. Família de rua, família de sangue, alianças e luta, não é isso o hip hop?

Para esse que vos escreve, Promessas é o ponto alto do disco, pela madurez dos versos, mas sobre tudo pela universalidade do tema. Produção do J. Cardim que recebeu o bonito teclado do Pedro Malcher, a faixa traz uma reflexão fundamental sobre como nós homens negros possuímos uma subjetividade que precisa estar em constante atenção. Masculinidades negras que são questionadas sob diversos prismas e que ao mesmo tempo são perseguidas e vítimas por parte do estado de modo cruel, encontra nesse século XXI um momento de crise. Há muito a ser feito nesse sentido, e aqui Akira Presidente mais diagnostica parte dessa problemática sob sua ótica do que propõem uma solução definitiva, que de resto seria impossível. Mas sua resposta parcial/particular é a sua preta como pilar de apoio e mais auto cuidado.

Terceira e última participação é do grande BK, parceiro do Akira Presidente na firma e na vida. Lamborghini é mais um beat do J. Cardim, que nos presenteia com um legitimo bate cabeça. A constatação dos desejos e da opressão que vem colada nos mesmos é a tônica em versos como: 

“Do nada ao topo/Eu sem nada era um louco/Hoje férias, Europa e os rolés em carro novo/Minha filha tem yoga na escola/Família quer tudo novo/Por elas ganhando tudo/Dando quase tudo, só não dei desgosto”

Família em primeiro lugar é o que há e ao mesmo tempo raça primeiro, um binômio fundamental que atravessa todo o disco e que recebe a seguinte contribuição nos versos do BK: 

“Hoje a vitória não saí de cima/Mais que polícia atrás de preto/Mais que Kardashians atrás de preto/Brilhando muito, eu sou ouro preto, elas quer/Hoje botamos ouro no dente/Mas ainda vamos fundo, igual cárie “

Penúltima faixa, Eles Riram é mais uma pedrada desse excelente disco, onde Akira Presidente rima sob o beat do El Lif Beatz sobre a sujeira do sistema. Sem individualizar as falsidades e as armadilhas do “game” enquanto construção de uma arquitetura genocida e racista, elevando o B7 a grupo de guerrilha contra o status quo brasileiro. E ao mesmo tempo em que canta sobre sua força consegue transmitir para outros a força necessária para lutar contra esse sistema.

A territorialidade e a força de um flow fantástico porque real, fruto de uma vivência vívida, Sem Saída é a pancada que fecha o disco. Contra a invisibilidade, a luta por se aprimorar em sua arte/vida, mostrando a importância do artista da cultura hip hop pensar nas várias dimensões que devem lhe compor.

O audiovisual é um primor ao retratar o cotidiano de vários dos nossos, mas aqui trabalhado por um roteiro que coloca as coisas em seus devidos lugares e ao mesmo tempo retrata a realidade das ruas. Entre a venda nas esquinas, correndo o risco de se afundar ainda mais e a arte, é o rap e a cultura hip hop a saída possível de milhões de jovens, produtores ou público.

A amizade como um valor intrínseco às relações na quebrada e nos grupos, a ética de pensar-se sempre ao invés de julgar e falar mal dos outros, é outro ponto interessante. Pessoas reais em um ambiente real, numa vivência real. É isso que o clipe muito bem dirigido por Cauã Csik nos transmite.

Fechando assim um dos grandes discos do rap nacional lançados esse ano, escutem o Fa7her inspirem-se com sua família, cuidemos das nossas e dos nossos, é ao fim e ao cabo, a mensagem primordial que o disco de Akira Presidente nos ensina com brilhantismo.


Akira Presidente e o valor das famílias negras em Nandi

Por Danilo Cruz

 

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