Lançado há 10 anos, o EP de estreia do MC mineiro FBC é um retrato importante na trajetória do artista e esse ano veio e virá novidade!
O painel montado por FBC nos últimos 10 anos é algo muito interessante de ser observado em termos musicais, em um cenário muitas vezes engessado ou mesmo redundante, o artista mineiro compôs um portfólio onde a cada produção embarca em um universo musical diferente. De certo modo, FBC pode ser visto como um caixeiro viajante do rap nacional, tendo distribuído/criado uma obra que vai do boombap ao funk mineiro, passando pelo Trap e pelo drill e já com um lançamento engatilhado em outra sonoridade inédita em sua carreira.
Há dez anos, o FBC soltava seu EP de estréia C.A.O.S. (2013) onde trazia uma sonoridade boombap underground, muito fruto de sua inserção no cenário do rap de BH como MC de batalha. Composto por seis faixas, o disquinho em questão é um bom trabalho onde o artista desfila uma série de rimas de combate ao sistema sob beats produzidos por Coyote Beats, Enece e DJ Cost. De modo curioso, ouvir esse trabalho nos dá uma boa ideia da trajetória do FBC ao longo destes últimos dez anos, onde a variação musical de seu trabalho se juntou a uma visão marketeira com poucos recursos.
Já em “Arte da Guerra”, música que abre o trabalho em questão, FBC nos apresenta uma música onde poderíamos denotar uma semiótica de seus percurso ao longo dos anos no mercado musical e nas redes sociais. Inspirado ao que nos parece em Sun-Tzu e o clássico livro de mesmo nome, o MC rima estratégias que ele mesmo colocou em prática contra si mesmo e dentro da indústria cultural ao longo dos anos.
Assim como Emicida na época, e já antes os rappers que tomaram contato com a obra do pensador chinês utilizaram suas liçãoes para a sua própria obra e para a construção de uma ética própria. No caso de FBC isso ao longo dos anos seguiu-se produzindo nas redes sociais campanhas alucinadas de divulgação de seus trabalhos, muito criticadas por alguns, mas que ao fim e ao cabo, lhe colocaram hoje como um nome em evidência.
O seu EP de estreia carrega um forte conteúdo político que nos seus trabalhos seguintes seria diluído em construções cada vez mais estéticas, mas que carregam a política na forma. “A Lei da Tirania” é a segunda faixa do EP e nos apresenta uma construção lírica muito intrincada e complexa, produzindo um comentário potente sobre as opressões do nosso cotidiano. Seguida da rueira “Enquanto Todos Dormem” nos apresenta uma urgência que grita entre os versos, algo que vai ser matizado nos seus trabalhos seguintes, e mesmo em sua vida.
Em diversas entrevistas recentes, FBC tem trazido à tona de modo sincero os problemas que lhe obsediavam neste período da sua vida. É curioso notar por exemplo o quanto neste primeiro EP e nos seus singles até 2018 – ano de lançamento de SCAR – todas as suas produções basicamente giravam em torno do boombap, um ritmo que no rap é erroneamente tido como consciente, por conta de muitas das letras serem de combate às desigualdades do nosso sistema social. Mas que na verdade é um estilo de vida e uma forma de produzir batidas, onde os MC’s colocam letras que podem versar sobre qualquer tema! É neste período, talvez o mais louco da vida do artista, as suas letras políticas refletiam um estado permanente de luta contra o “sistema” em que vivia e contra as precariedades onde junto com sua esposa Michele se desdobrava!
Essa leitura se justifica e muito por um acompanhamento de sua obra, de suas variações enquanto artista, por sua inadequação ao rap mainstream, mas ao mesmo tempo, por uma característica intrínseca ao seu trabalho: a transmutação. Em “Faça Valer” o MC se pergunta e nos pergunta: “Hip-Hop estilo de vida ou movimento, cultura moldura do nosso tempo”, algo que ele tem respondido “sendo mais” do que um MC de rap, expandindo o seu talento enquanto MC para outras sonoridades.
Obviamente, não se trata de valorizar um MC apenas pelas variações rítmicas nas quais ele rima, mas em sua carreira FBC trouxe esse fato como o principal de seu trabalho, sempre junto a uma estética muito bem elaborada. Certamente, outros MC’s não conseguiriam ou não conseguiram apresentar trabalhos tão variados ritmicamente quanto o mineiro. São as mudanças e expansões temáticas que construíram a sua carreira, com uma ausência de medo em mudar de sonoridades e em experimentar. É interessante ouvir hoje a música “Sonhos Não Morrem” tendo essa caminhada como perspectiva, e ele mesmo nos auxilia:
“Qual perspectiva nos fará feliz? ao que diz, tenha o seu senso de liberdade, deixa eu ser feliz!”
Certamente, foram muitas rochas deslizando dentro do próprio FBC nos últimos dez anos, a sedimentação de ideias e comportamentos sendo revirados e trazendo a tona outras personas nos últimos 10 anos. E ouvir ele rimando na faixa supra citada é muito interessante diante de uma visão anarquista que é apresentada:
“Uns queimão busão, outros dizem que de quatro em quatro anos dizem ter feito a melhor opção, respeito o ponto de vista, não é intenção de mudança se o que muda não é o indivíduo em questão”
Um dos momentos mais marcantes da trajetória do FBC é o disco SCA que nós chamamos aqui no Oganpazan de “disco ocupação”, pois ali estava bastante claro que o artista se insinuava como um dos grandes nomes do rap nacional. Curiosamente e sem saber, ali vinha uma sabedoria acumulada exatamente em uma ocupação e na luta pelo direito à moradia, havia em FBC um conhecimento adquirido em vivências com nomes como Léo Péricles por exemplo. Vivência esta adquirida enquanto estava criando o seu EP e os singles que vão de 2013 até 2018.
Esses versos expostos acima, são mais impactantes quando vemos as entrevistas do artista atualmente, onde ele expõe seus problemas como homem periférico que foi “educado” para ser um marido ruim, para ser um pai desatencioso, para ser um personagem enquanto artista. A faixa que encerra o EP, “Vende-se” versa sobre a importância da união dentro da cultura hip-hop e vale a pena de ser pensada retrospectivamente quando observamos o lugar do FBC dentro do rap nacional em 2023.
Essa é a batida da lata!
No salto temporal de 10 anos que separa o EP de estreia do MC e o atual lançamento do artista: Dias Antes do Baile com a excelente produção do VHOOR, o que percebemos é que FBC conseguiu com muita proficiência elevar o Hip-Hop com outros ritmos. Se entendermos o Hip-hop como uma cultura de origem negra e periférica, e observarmos a obra do FBC veremos que antes de simplesmente flertar com outros ritmos, ele tem levado os elementos da cultura hip-hop para outros ritmos que antes não eram tidos como participantes da cultura.
É o próprio Don L quem dizia que o funk nacional é o correspondente do Rap gringo, e algo fundamental para o entendimento da cultura nacional de origem negra. FBC ao seu próprio modo, entendeu essas lições e junto a sua formação produziu Baile (2021), que elevou sua carreira a outro patamar.
Este ano, FBC lançou Antes do Baile (2023) fechando inicialmente esse ciclo de 10 anos entre C.A.O.S. e sua carreira atualmente onde flerta com o funk, drill e trap com produção do VHOOR. Um produtor que em si mesmo carrega além de uma expertise reconhecida antes do trabalho com FBC, um desenvolvimento artístico que tem ajudado a colocar as produções de produtores negros e periféricos no mapa. O apelo pop dessa sua nova fase se alia a uma estética que valoriza a vivência das favelas, explorando a experiência como MC do FBC e ao mesmo tempo seu conhecimento a respeito do rap, como no imenso “storyteller” – roteiro musical – que é o disco Baile.
Antes do Baile é composto por 5 faixas que remontam a trabalhos como “Outro Rolê”, onde o artista junto ao produtor VHOOR explorou o drill junto ao tamborzão, tateando os caminhos que desaguaram em Baile. Aqui, FBC contou com participações do Abbot e do Tuyo e curiosamente ou não, o conteúdo de sua arte continua político. Abrindo mão da forma, FBC transportou para a forma suas grandes demonstrações políticas, apesar das dancinhas de tik tok e tudo o mais que o sucesso na internet implica.
A valorização das criações de um produtor da estirpe do VHOOR que lhe foi apresentado pela Michele, sua esposa, a criação de uma atmosfera onde as nossas favelas não precisam mais se justificar por sua qualidade intrínseca, que ritma esse país a cinco séculos. Como MC o mineiro segue dando lições de como soar pop sem ser diluído, “É Vilão” é talvez o maior exemplo disso… Paro por aqui!
-10 anos de FBC do C.A.O.S. (2013) até Antes do Baile (2023), uma trajetória!
Por Danilo Cruz