Decifrando o Groove da Electric Hendrix Ensemble

Decifrando o Groove Hendrixiano da Electric Hendrix Ensemble! Projeto finíssimo que vem se aprofundando desse universo maravilhoso!

Electric Hendrix Ensemble

Por Guilherme Espir (Macrocefalia Musical)

Fotos por Welder Rodrigues

O Jazz desafia a linguagem do som. Parece um dialeto universal que consegue convergir com as mais diversas cozinhas, sempre desbravando horizontes criativos que corroboram para o bem da improvisação.

Elemento vital na dinâmica Jazzística, a improvisação é um dos catalizadores que estimulam a expansão sonora. Seja por meio do Funk ou do Rock Progressivo, o Jazz funciona como um território neutro para recepcionar encontros inusitados.

Um dos maiores exemplos dessa metamorfose musical é o EHT, ou como ficou conhecido nos clubes de Jazz de São Paulo, Electric Hendrix Ensemble. Projeto criado pelo guitarrista Eder Hendrix – grande entusiasta e estudioso da obra de Hendrixiana – o grupo vai muito além de ser apenas uma banda cover e entrega um dos melhores shows da cidade, principalmente às quartas-feiras, no Jazz nos Fundos, em Pinheiros.

Line Up:

Eder “Hendrix” Martins (guitarra)
Rob Ashtoffen (baixo)
Wagner Vasconcelos (bateria)
Sintia Piccin (saxofone barítono)
Estefane Souza (trompete)
Richard Fermino (trompete/saxofone tenor)
Lua Bernardo (flauta/backing vocal)
Danilo Moura (percussão)

Além da guitarra de Eder a banda ainda conta com percussão, um sólido naipe de sopros, baixo, flauta e um belo trabalho de voz. O time de sopro, formado por Sintia Piccin, no sax barítono, a jovem Estafane Souza (trompete), Richard Fermino (Culto ao Rim), revezando entre trompete e sax tenor, e Lua Bernardo, na flauta e voz, é um dos grandes segredos para o sucesso do projeto

Esse detalhe já mostra como Eder estudou à fundo a obra do guitarrista de Seattle. Jimi foi um grande admirador de Rahsaan Roland Kirk e sempre prestou muita atenção nos novos elementos que essas experimentações poderiam agregar na estética do groove. No EHT os metais funcionam como a estrutura da cozinha em alguns momentos. O baixo e a batera fazem as fundações, mas graças à dinâmica dos sopros, os instrumentistas ficam com mais liberdade e o resto fica à cardo do feeling dos caras.

O octeto ainda conta com um músico convidado toda semana, algo que colabora ainda mais para o aspecto orgânico do som. Dentre os músicos que já chegaram nesse groove podemos citar o guitarrista Fabio Leal (Hermeto Pascoal) e o baixista Rubem Farias (Mike Stern), por exemplo. Tem show com duas baterias, duas guitarras, 2 baixos… A configuração pouco importa, o ponto chave é  perceber como a banda oferece performances distintas, noite após noite.

E isso mostra a força do Jazz. O universo multicolorido e psicodélico de Hendrix abrange o Wah-Wah do Rock ‘N’ Roll, mas explode no Jazz, Funk, no Rock Progressivo e até mesmo na música clássica. Observar como um projeto que surgiu à partir desse exercício de estudo tomar essa proporção, mostra, não só o tamanho da musicalidade de Hendrix, como também enaltece o trabalho brilhante da banda que forma o projeto.

Não é só o domínio de repertório. É um exercício de sensibilidade muito grande, pois a cada gig surge algo novo e que muitas das vezes vai além do universo de Woodstock. São tantas variáveis que o Oganpazan entrevistou Eder Hendrix, o criador desse universo, justamente pra entender mais sobre seu trabalho de pesquisa com a obra Hendrixiana, além de abordar a questão do Jazz e a dinâmica dos sopros. Aumenta o volume. 

Entrevista

1) Reza a lenda que pouco antes de morrer, Hendrix estava esquematizando gravações com o Gil Evans, pianista canadense que em 74 até lançou um disco de versões para as músicas do guitarrista (“The Gil Evans Orchestra Plays The Music Of Jimi Hendrix”). Outros foram além e diziam que ele tinha conversado com o Miles pra caminhar pra esse lado Fusion… Qual é o maior desafio ao tentar subverter a linguagem do Hendrix frente os elementos do Jazz? Esses mitos inspiraram você de alguma forma? 

Sim, com certeza. Além desses mitos teve a história da Betty Davis (esposa do Miles) que apresentou ele para o maridão. Teve a questão da transição do acústico para o elétrico, com o Bitches Brew” que tem muita coisa de Hendrix.

O Richard que é um dos saxofonistas da banda que me apresentou esse disco que você mencionou. O formato da Big Band com certeza influenciou o processo. Até a galera dos sopros e eu mesmo tivemos que buscar coisas, novos elementos que o Hendrix agregava à composição.

Como a linguagem jazzística vai além sempre, cada show, cada sessão é um desafio, mas com certeza, eu fui ouvir o Gil, o Miles e o objetivo foi trazer essa essência que esses conseguiram captar tão bem na época.

2) O Hendrix tem uns bootlegs insanos… Muita coisa saiu de maneira póstuma também, além dos discos que ele criou em vida. Como que foi seu trabalho de pesquisa pra bolar esse formato? Que discos que plantaram essa ideia na sua cabeça? 

Pensando na nossa formação da EHT, acho que os discos que mais impactaram o projeto foram o “Band Of Gypsys” (1969), principalmente pela questão do groove mesmo, do Funk, aquele lance cativante que faz você dançar. A ensemble tem muito disso, faz personalidade da banda.

Outro disco é o “Axis Bold As Love”, principalmente pela questão dos efeitos que nós utilizamos. O Hendrix construiu bastante coisa com relação aos efeitos nesse disco. Pode ver que ele é bastante diferente do “Electric Ladyland”, por exemplo e como nós utilizamos muito efeito, seja nas guitarras ou no sax, acabou funcionando como uma referência pra gente.  

3) É sabido que o Hendrix gostava muito de instrumentos de sopro. No livro feito pela americana Sharon Lawrence, jornalista amiga pessoal do músico, ela chega a retratar a admiração que o negrão nutria por nomes como Rahsaan Roland Kirk, por exemplo. O tom, a sensibilidade de sua Fender… Os sopros foram grande influência nessa abordagem. A ideia dos sopros surgiu com o objetivo de explorar essa dinâmica que o guitarrista tanto gostava?

Sim, o Jimi acompanhava muitos músicos antes da Experience, principalmente as bandas de baile da época, e sempre rolava muito sopro nesses formatos. As ideias dele nos discos já apontavam pra isso também né, o Electric Ladyland tem flauta, no “Axis Bold As Love” ele simula os efeitos da guitarra de uma forma que vira um som de flauta… “If 6 Was 9´” também rola um pouco disso.

A gente já tinha essa ideia há alguns anos. Uma formação nossa tinha um trio com saxofonista e nós começamos a testar isso. Com o naipe ficou muito bonito cara, a ideia é expandir essa ideia que o Hendrix tinha lá atrás e seguir com isso, sempre com arranjos próprios.

4) Eu sou um verdadeiro maníaco pelos discos do Hendrix. No momento estou caçando um bootleg dele com o trio do Traffic. Escuto o cara desde pivete e a música dele continua expandindo cada vez mais na minha mente. Como você observa toda essa força num repertório que hoje vai muito além do Rock e do universo psicodélico do movimento Flower Power? Parece que quanto mais o tempo passa, mais a música do Cherokee fica inclassificável.

Eu confesso que eu também. Tenho caçado as coisas do Traffic, mas é difícil de achar essas coisas né? Como você falou, de fato tem bastante coisa. Saiu bastante material no Youtube… Tem umas jam com baterista no apartamento… Umas coisas bem livres.

A música está indo pra esse universo. Esse lance que nós fazemos até com o próprio repertório é justamente pra isso, se libertar, não ficar limitado e conseguir ir além sempre. Os nossos processos de criação sempre buscam essa ideia autoral. Cada um dos instrumentistas da banda tenta fazer isso da forma mais natural possível e esse trabalho de pesquisa é muito importante. 

Nesses materiais do Hednrix mesmo que estão saindo você nota como nenhum show era igual o outro então tem um pouco disso também.

5) Eder, O Electric Hendrix Ensemble é essencialmente um projeto autoral quando você pega o som da perspectiva Jazzística. Os convidados que a banda chama para os shows das residências semanais, tanto no Jazz nos Fundos, quanto no Bourbon Street, são bastante focados na improvisação e nota-se que a única parte roteirizada do show rola quando a banda fica mais fiel a estrutura original do som. Como é esse encontro entre o cover o autoral? Até que ponto vocês desenvolvem uma linguagem?

Sim, é totalmente autoral. Nós temos arranjos próprios né, nós apenas mantemos os temas e vamos compondo os arranjos de sopro, a parte de cordas também, além da percussão. Pelo fato de contar com muitos elementos de música brasileira, isso com certeza ressalta ressalta o espetáculo e mostra como a música do Hendrix tinha espaço pra crescer, mas sempre pensando de forma autoral.

Sobre a questão dos convidados, a ideia é que cada um coloque a sua característica mesmo. E isso é muito legal por que cada um dos músicos conta com referências particulares então cada um acaba levando o som pra um lugar diferente.

Então, com o tempo de estrada da banda – vale lembrar que já são 10 anos desenvolvendo esse trabalho – isso foi se quebrando e nós começamos a criar temas sob o próprio tema. O ato da improvisação é um lance de composição imediato e nós vamos bem pra esse lado. A questão de se manter fiel é variável, em casas de Jazz as pessoas estão acostumadas com essa questão de mudanças, mas em alguns casos as pessoas preferem o show mais roteirizado, fiel ao disco mesmo.

O que muda mesmo é a questão da composição, da perfomance ao vivo… É um processo que também colabora para a criação da Electric Hendrix Ensemble.

 

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