Tom Misch e Yussef Dayes redefinindo os rumos da música Pop

What Kinda Music: Tom Misch e Yussef Dayes redefinindo os rumos da música Pop, com um disco cheio de estéticas surpreendentes!

O que faz um grande disco? É impossível definir apenas um pilar, mas o principal é o conceito do som. Parece um tanto quanto óbvio, mas num mundo onde a tecnologia proporciona milhares de possibilidades para emular qualquer estética que seja, esse ponto é algo que contribui bastante para essa impressão de saturação que vêm acompanhada da pasteurização vigente no cenário mainstream.

Pegue o Trap, por exemplo. Uma das coisas mais difíceis é encontrar um Rapper com um flow que não esteja embebido nos mesmos timbres de batidas que pelo menos 50% do mercado desse subgênero. É claro que é desafiador criar uma estética que seja ao mesmo tempo moderna, inovadora e que consiga contextualizar o momento contemporâneo do som de forma ainda inédita, porém, discos como o “What Kinda Music” – fruto da colaboração do guitarrista Tom Misch e do baterista Yussef Dayes – estão ai pra mostrar que o groove segue em expansão e que inovar é difícil, mas está longe de ser inviável.

Outro ponto importante de ser ressaltado – mas que não entra tanto na conta – principalmente na era da digitalização da comunicação – é o aspecto não musical do processo. Hoje um músico precisa ser muito mais do que apenas um bom instrumentista. É necessário possuir essa visão empreendedora, entender como lançar um disco de fato, pensar os singles, amarrar as arestas e entregar um produto final que seja condizente com toda aquela realidade que vibra dos falantes.

Colocar tudo isso sob a mesma ótica é fruto da criatividade aliada à um bom direcionamento, não é só selecionar 3 singles randomicamente, pensar no flow do tracklist e lançar com um clipe chapado sem que tudo esteja unido por um belo racional. A música é feita no lado direito do cérebro, mas depois do fim do take, é necessário ligar o esquerdo para pensar em como causar impacto, pois de nada adianta um registro foda, mas sem gatilho para explorar todo seu potencial.

É por isso que o primeiro trampo colaborativo do Tom Misch com o Yussef Dayes é primoroso. Na verdade o certo seria dizer que é também por isso. Além de extremamente fresco em termos de sonoridade, o projeto foi claramente lapidado, mas passa longe de excessos, muito pelo contrário. A gravação surpreende o ouvinte em cada segundo que permeia os 45 minutos de audição e entrega um trampo que leva a música Pop para um novo território.

Track List:

“What Kinda Music”

“Festival”

“Nightrider”

“Tidal Wave”

“Sensational”

“The Real”

“Lift Off”

“I Did It For You”

Last 100″

“Kyiv”

“Julie Mangos”

“Storm Before The Calm”

Os ingleses conseguiram não só afirmar a importância que a Inglaterra possui no atual cenário do Jazz moderno, como também foram os responsáveis por cunhar um tear Funkeado completo em termos de diversidade – pensando na riqueza de elementos e na experiência do ouvinte – criando possibilidades amplas em termos de universo, além de uma identidade sonora com a luz própria dos grandes clássicos.

Os temas são todos muito bem conectados e dialogam entre si com referências das mais diversas, tudo com um approach leve e impossível de classificar. Sintetizar essa ideia é difícil, dissecá-la já é mais razoável. É inegável que tem Jazz – diz ai Blue Note? – mas também tem Hip Hop, pitadas de Acid Jazz, R&B, Funk e Broken Beats pra lá de charmosos, sempre emolduradas por um energia futurista que brinca com o repertório de 2 músicos extremamente técnicos e com feeling diferenciado.

Em termos de som não existe nada parecido na cena. A interação entre os 2 é bastante harmoniosa e é notável como ambos souberam colaborar de forma genuína. Ouve se tudo muito bem e em nenhum momento a bateria sobressai a guitarra e vice versa sem que isso agregue na jam de fato. Não é mero hype nem virtuosismo mecânico.

Os grooves intrincados do Yussef, a Strato do Tom Misch à todo momento soltando licks com um quê de J Dilla e uma atenção à produção que faz o disco ter uma ambiência sempre mutável, mas jamais desconexa. Foram 2 anos de espera por esse trabalho e depois do primeiro play dá pra entender o por quê eles demoraram tanto.

O disco saiu pelo Blue Note. Um dos maiores selos da história abriu portas para que 2 dos músicos mais celebrados no contexto moderno do groove pudessem fazer o que quisessem. Eles foram pra Kiev, na Ucrânia, pra gravar o clipe do conceito desse debutante colaborativo, a faixa título “What Kinda Music” – com um clipaço todo gravado em 16mm – soltaram 2 singles instrumentais em clima de live session (“Lift Off” com Roco Palladino no bass) e “Kyiv” – além de uma chapante animação com o Freddie Gibbs no comando do feat smooth Jazz.

Quem lança 2 singles instrumentais hoje em dia? O som com com o Freddie Gibbs (“Nigthrider”) ainda veio com o MC rimando bem fora de sua zona gangster de conforto. Foi com requinte e minimalismo que o negrão apareceu com um quê vaporwave pra esfumaçar o ambiente, enquanto Misch leva você no banho maria do Chill Out.

Pra falar que não foi “só isso”, a dupla ainda lançou um hot site e ao curso de 3 meses foi brincando com a estética da Blue Note em cada uma das capas dos 4 singles, isso sem dizer a arte final do disco e um mini doc que mostra um pouco mais da produção desse trabalho que chegou ao mundo no dia 24 de abril de 2020.

É no tilintar de teclas que “What Kinda Of Music” se revela. A voz distante de Misch cantando os versos como se fosse um narrador – envolvido por um sinth timbradíssimo – se entrelaça com toques de corda e elementos eletrônicos com uma liberdade quase sinestésica. Temas como “Festival”, por exemplo, remetem ao Lo-Fi, enquanto “Nightrider” vem num clima de lounge e com um wah-wah irresistível.

O uso dos vocais do Tom Misch é outro detalhe que merece honrosa menção. O também vocalista foi bastante prudente e inteligente até pra fazer sua voz coexistir frente a um disco bastante fluído e com diversos elementos de luz e sombra. A sensibilidade com a qual ele consegue trazer esse elemento hora pra primeiro, hora pra segundo plano, é bastante destacável.

O trabalho é bastante coeso de ponta à ponta. Vibrante em “Tidal Wave” e nas irretocáveis viradas de Yussef Dayes, ele também se revela vertiginoso nas incursões de “Sensational” e suas tunadas texturas com pinta de vinheta – pré love song – com “The Real”. Tem hit do verão (“Last 100”), som pra entrar no Top 100 da Billboard (“Kyiv”), música pra pensar na morena (“I Did It For You”), toques de Aretha Franklin e um lirismo muito próprio, como é possível perceber em temas com “Kyiv”, por exemplo. A guitara do Misch canta nesse take. E a profundidade dos acordes do Rocco Palladino na “Lift Off”?

Pra você não falar que o disco não tem de tudo, ele se encaminha para o final com um groove de rachar o assoalho. “Julie Mangos” é uma passagem digna de ser ouvida num Low Rider descendo a inebriante costa da Califórnia, mas espera que ainda não acabou. É com saxofone do também britânico Kaidi Akinnibi que a dupla passa a régua no chopp com “Storm Before The Calm” com os ecos cósmicos do sax sobrevoando as camadas do som.

Disco coeso, com conceito criativo claro, identidade visual e objetivos tangíveis quanto à sonoridade, músicos de primeira linha e bastante groove. Se desse pra resumir numa palavra? Exuberante. Tom Misch & Yussef Dayes, senhoras e senhores. Só faltou um Reggae debochado.

-What Kinda Music: Tom Misch e Yussef Dayes redefinindo os rumos da música Pop

Por Guilherme Espir

 

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