O chute de Felipe Ret no rap baiano é apenas a ponta do iceberg!

O fã arremessado e chutado por Felipe Ret, deveria nos levar a uma reflexão mais profunda sobre o estágio atual do rap baiano

 

“Sigo respeitado por todo gueto, aquele branco capaz de inspirar um preto” Felipe Ret 

Grandes festivais tem ocorrido e vão ocorrer na Bahia e em Salvador este ano, muitos destes, com nomes do rap em sua grade. O que deveria ser motivo de extrema felicidade para o público local, se configura como uma ameaça de sufocamento do cenário da região. Muito longe de representar o que aqui se tem, esses eventos descobriram que o público de rap não ouve rap, ouve o hype e obviamente entenderam como fazer dinheiro. 

Apesar da imprensa oficiosa de música em geral e do rap em particular, e das páginas de divulgação localizadas no eixo, o cenário baiano sempre foi e permanece sendo um dos mais originais e produtivos do país. No entanto, encontra pouca capilaridade em seu próprio território, não por falta de trabalhos e de qualidade, mas porque não há formação de público que de fato goste de rap e sobretudo de cultura hip-hop.

Não que seja um problema gostar de rap e não conhecer a cultura hip-hop, não que artistas nacionalmente conhecidos devam por isso – pelo sucesso – serem boicotados. Por outro lado, nunca poderemos controlar formas legítimas e legais de se fazer dinheiro, só nos restando mesmo, a possibilidade de pensar a cultura hip-hop. Quais os caminhos, quais os perigos e afinal, existe alguma possibilidade de barrar esse sufocamento que percebemos facilmente no cenário atual?

“Não existe porta aberta guerra ainda não acabou” Vandal 

Dois casos emblemáticos fazem parte dos registros pouco conhecidos e ou lembrados no que tange a artistas que ao vir tocar em Salvador, desrespeitaram a cidade e ou o público. Há alguns anos atrás, numa das muitas vindas do Costa Gold para Salvador, quando o grupo estava no auge, os MC’s gravaram um vídeo zoando o sotaque local. Foram cobrados em um hotel onde estavam hospedados no bairro de Itapuã e fizeram um vídeo pedindo desculpas. 

Da mesma sorte, durante o estouro de Sulicídio da dupla Diomedes Chinaski e Baco Exu do Blues, Ber do Cartel MC’s falou em redes sociais que não Bahia não tinha arma. Veio tocar em Salvador, e relatos dão conta de que o artista não saiu do camarim. Cito aqui esses dois acontecimentos não porque acredite que a violência seja uma forma de resolver problemas que estão sobre bases estruturais, imunes a socos e tiros. Mas porque precisamos pensar no que representa um MC branco e carioca como Felipe Ret  arremessando do palco e chutando um preto que invadiu o palco para lhe abraçar em Feira de Santana.

Hoje, com o advento das redes sociais e as suas formas de comunicação, qualquer crítica por mais embasada que esteja termina por ser vista como uma manifestação de ódio. Particularmente não posso emitir juízo de valor algum sobre a obra do Felipe Ret, pois não a conheço, por mera falta de interesse. O rap é grande demais, e como um homem preto parte da cultura hip-hop tenho outros interesses musicais e poéticos aos quais o artista não me inspira curiosidade. 

No entanto, são diversos milhões de jovens que ouvem Felipe Ret pelo Brasil e certamente ele deve tá inspirando alguns deles. O mesmo serve para Orochi, TZ da Coronel, Major RD, artistas pretos que fazem sucesso nas quebradas de todo o país. Fruto não apenas da qualidade destes, mas da internet, o rap hoje não é mais necessariamente a rua e a transmissão de informações está toda centralizada. Seja na onipresença dos algoritmos, seja na ausência de cobertura midiática por parte do eixo, de artistas de fora. 

“Bahia cangaço, lutei por meu povo, lutei por meu povo, se eles fecharem a porta, eu abro de novo” Baco Exu do Blues 

Trecho da cypher Vida Real, esse extrato marcava o boom que Sulicídio teve no cenário nacional e que foi responsável por transformar Baco Exu do Blues no artista mais famoso da história do rap baiano. Porém, afastado da cena local de Salvador desde o lançamento de Bluesman, essa afirmação tem envelhecido mal, para dizer o mínimo. Como hoje é evidente, a porta não abriu, ou se fechou assim que Baco atravessou.

Certamente, Sulicídio é o evento mais importante da história recente do rap nacional, mas hoje é facilmente perceptível que a sua importância é a de nos fazer ver que o mercado e a indústria cultural não brinca em serviço. O sucesso midiático e o enriquecimento individual nunca e em hipótese alguma apresenta ou apresentou a possibilidade de vitória coletiva. 

O discurso amplamente repetido de favela venceu e pretos no topo são falácias que apenas meritocratas como Felipe Ret, que acreditam na transformação do dinheiro em capital via fabricação de quentinhas, podem assumir. Enquanto movimento preto periférico e coletivo, o hip hop baiano não viu porta aberta nenhuma, hoje inclusive em um momento pós pandêmico tem visto um outro movimento, talvez mais perverso. 

Se antes, Salvador e as belezas naturais e históricas baianas se configuravam como locais de lazer e passeio, hoje o cenário local do rap passa por um processo de extratificação econômica e artística, que tende a sufocar absurdamente os seus artistas. Sempre fomos uma cena independente, feita por produções inventivas e comunitárias, através de coletivos e produtores ligados ao cenário do hip-hop. 

Felipe Ret A emergência de produtoras externas à cultura promovendo grandes eventos, tem pela primeira vez aberto o caminho para a extinção da cena local. Nas últimas grades de artistas para os festivais Trapzada por exemplo, nenhum baiano está na line, nem o Jovem Dex que vinha sempre participando destes eventos grandes. Obviamente, os empresários não são obrigados a nada. 

Mas deveríamos nos perguntar, como assim Marcola Bituca não teve um show de lançamento dos seus últimos discos? Cadê os shows d’OQuadro após o lançamento – no ano passado – de Preto Sem Açúcar? Porque Galf AC mesmo depois de lançar trocentos trabalhos elogiados dentro e fora do país, não é contratado? E certamente os exemplos são imensos, artistas com trabalhos muito relevantes nacionalmente como Davzera, Rei Lacoste, Udi Santos, não tocam com regularidade porque? Nomes de grande importância e qualidade histórica no cenário como Xarope MC, Aspri RBF e Oddish, como trabalhos novos e excelentes na pista, sem show? Notem, onde o chute de Felipe Ret dói mais!

A mídia hip-hop local precisa se profissionalizar e entender que meme diverte mas não educa, a comunidade do hip-hop precisa também aprender a chegar junto de iniciativas como a Vandalize, que faz um trabalho primoroso. O Oganpazan como site de música, tem feito uma cobertura crítica muito relevante dentro de suas possibilidades. A falta de grana entre outros fatores, da mídia independente que cobre o rap baiano, mesmo a do eixo, a exemplo do Bocada Forte, NP, Submundo do Som, faz com que a mesma apesar da qualidade não possua condições de mudar o que está se desenhando.

É preciso nestes tempos pensar em rede, e não cair na rede das bobagens e dos algoritmos, fortalecendo a ignorância e a desatenção sobre o que se produz localmente e que é fundamental para a divulgação de novos trabalhos e perspectivas estéticas e políticas, a exemplo do excelente site do Universo 75.

“Lama é Vida, Vandal Convida!” 

Sabemos, que neste próximo sábado o show: Vandal Convida será mais um evento de praça lotada, no Pelourinho. Porém, é um evento de graça para o povo. E se fosse cobrando ingresso, será que daria lotação esgostada? O evento conta com uma das grades mais pesadas dos últimos tempos, contando com Ravi Lobo, Suja DFato, Makonnen Tafari, Galf AC, DJ Belle, Pivete Nobre, Underismo, Ruh Duh Gueto, além do verdaderuh. Mas a questão que deveríamos pensar é: Porque shows como esses que possuem uma outra proposta, que são totalmente ancorados na cultura local não estão ocorrendo em espaços maiores? 

Uma tomada de posição, não dos consumidores, pois estes já estão dados, mas dos amantes da cultura hip hop é urgente. Selecionar e impulsionar – engajar seria a palavra da moda – àqueles e àquelas que estão próximos se faz hoje mais do que necessário, vai se tornar uma questão de sobrevivência. É preciso entender que shows locais são parte fundamental da subsistência dos artistas locais. 

O culto há mais tempo em atividade na cidade de Salvador, o LAMA está atualmente contando com a nossa ajuda para retornar a produção de show. O Baile pelo Certo em Cachoeira ocorreu durante o São João e é outro evento fundamental para a cultura hip-hop baiana, como certamente deve existir algum aí em sua cidade. E nós precisamos nos engajar mais na divulgação do que é nosso, uma espécie de localismo, onde o nosso dinheiro, a nossa atenção seja voltada para o nosso crescimento. 

Colem sábado agora no Largo Pedro Arcanjo às 20hs no Pelourinho, certamente lá você não será arremessado do palco e muito menos chutado! 

Contribua com o LAMA e ganhe recompensas clicando aqui 

-O chute de Felipe Ret no rap baiano é apenas a ponta do iceberg!

Por Danilo Cruz 

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