Todos os caminhos do groove levam ao Marcos Valle

Todos os caminhos do groove levam ao Marcos Valle, batemos um papo com o grande mestre sobre seus últimos lançamentos, sua história e mais !

Num momento onde não só a democracia brasileira está em vertigem, a nossa cultura de maneira geral segue perdendo a força de sua própria história. Como um tiro de bereta que saiu pela culatra, hoje assistimos a descaracterização das nossas artes frente ao simplório e passageiro hype.

No entanto, é justamente quando o cenário não é dos mais favoráveis, que os grandes mestres surgem para nos relembrar que esse DNA é indelével. Uma prova disso? O som do Rhodes de Marcos Valle em sua última gravação de estúdio. “Sempre”, disco lançado via Far Out Recordings – em junho de 2019 – eterniza a linguagem do carioca com aquela malandragem capaz de fazer a cabeça do seu pai, do guitarrista inglês Tom Misch e o Rapper Emicida, tudo na mesmo tarde.

Do alto de seus 76 anos verões, Marcos cunhou um dos melhores discos do ano, privilegiando o ritmo e o groove, dois pilares fundamentais na musicalidade do compositor. Produzido por Daniel Maunick (filho de Bluey Maunick – frontman do Incognito), “Sempre” promove diversos diálogos que nos remetem a outros momentos de sua discografia, mas com uma abordagem completamente nova.

Um disco que cumpre a difícil tarefa de subverter sua riquíssima sonoridade, não só para um novo público, mas também à novas possibilidades de estúdio, “Sempre” mostra seu repertório caminhando sob a nuance de diversas estéticas de nossa música. Depois de apertar o play, o som se desenrola, pleno em temas como “Odisséia”, com grande sensibilidade em “Alma” e repleto de Boogie em “Minha Romã”.

Assistir o cantor que promoveu duas turnês de sucesso na europa em 2019 é uma tarefa obrigatória, aliás os últimos anos da carreira do arranjador seguem bastante movimentados. Sua discografia continua sendo reeditada por selos de renome – como a Light In The Attic – seus dotes como produtor seguem requisitados por nomes como Fernada Takai, por exemplo, e suas gravações estão à todo vapor.

Vale lembrar que em 2018, Marcos ainda reuniu sua gangue e lançou “Edu, Dori e Marcos”, disco em parceira com os músicos Edu Lobo e Dori Caymmi. Além disso, em janeiro de 2020 o músico lançará – dessa vez pela Deck – o álbum “Cinzento”. São muitas coisas acontecendo, mas tal qual os corpos que dançam enquanto escutem às suas músicas, o maestro segue em movimento.

E mesmo com uma agenda atribulada, Marcos conseguiu um tempinho pra trocar ideia sobre tudo o que está acontecendo no momento – antes de um dos seus últimos shows de 2019 – no Blue Note – São Paulo. Imerso em sons e colaborações que para muitos seriam improváveis, o prolífico hitmaker continua extremamente lúcido e ávido por mais música. É inspirador e uma verdadeira aula poder assistir um músico que sente e conhece todas as paletas de cores da música brasileira.  

Entrevista 

Oganpazan – Desde o início da sua carreira até agora, você dialoga com diversas estéticas, explorando escolas diferentes, mas sempre se mantendo relevante musicalmente. Como você coloca isso em perspectiva, pensando no seu disco mais recente, o “Sempre”, que posiciona seu repertório de uma forma tão moderna e atual em termos de produção principalmente?

Na verdade, é o seguinte: na minha música, eu caminho para diferentes lugares. Eu tenho a coisa da harmonia, mas tenho também o ritmo e uma coisa é tão importante quanto a outra. Nos discos anteriores, antes do “Sempre”, eu tinha feito um disco com o Edu Lobo e Dori Caymmi – “Edu, Dori e Marcos” – que era mais MPB, além de ter gravado com a Stacey Kent, mas aí numa pegada mais Jazz, então eu estava sentindo um pouco de falta desse lado mais rítmico de grooves que eu gosto também.

Aí, quando a Far Out Recordings me pediu o novo disco, eu falei: “espera um pouco que já vai chegar a hora”. Eles ficaram insistindo bastante e quando eu pensei no disco, imaginei em trazer justamente esse meu lado, pois eu não fazia um disco com essa característica já há algum tempo.

E foi exatamente o que eles esperavam. O “Sempre” pega justamente esse lado, os ritmos, os grooves, os Boogies, o Pop ali no meio, justamente por que eu estava sentindo saudade, na verdade é isso. E esse disco eu fiz as músicas e depois quem co-produziu comigo foi o Daniel Maunick, filho do Bluey Maunick, do grupo Incognito. Ele veio para o Brasil e como ele também conhece bem essa parte de sintetizadores e tudo que eu precisava, então juntos nós conseguimos fazer um disco com essa característica.

Na europa o disco deu muito certo, funcionou bastante. Eu fiz duas turnês esse ano com esse trabalho, então é um dos caminhos que eu gosto de trilhar também.

Oganpazan – É interessante ver como a sua música é recebida fora do Brasil, recentemente você recebeu o Tom Misch na sua casa no Rio, colaborou com o Emicida no “Amarelo”… Como tem sido esses encontros e como você se vê nestes trabalhos com artistas contemporâneos?


O Tom Misch teve lá em casa, jantando comigo. Ele manifestou essa vontade da gente fazer coisas juntos e eu acabei encontrando com ele na Europa, no meio da turnê. Ele queria ver um show meu, mas pensou que era no dia seguinte e nós acabamos nos encontramos depois num restaurante, quase na hora de fechar.

Ali que nos conhecemos pessoalmente e ele me falou muito que queria vir para o Brasil. Ele veio com a namorada, mas queria saber se podia entrar no estúdio comigo. Eu gosto muito das coisas dele, somos fãs um do outro, então fomos para o estúdio no Rio e começamos 3 músicas.

Nós temos uma ideia de levar isso adiante no ano que vem, então com certeza vai ser um trabalho legal. Eu gosto muito dessas misturas, dessas colaborações…

Oganpazan – E teve o lance do Emicida também. É interessante como seu público se renova até em termos de colaboração.

Exato, é muito interessante. É muito bom pra eles e muito bom pra mim, por que são energias novas que você vai tendo na sua música, então você vai juntando e surgem outras coisas. Eu vivo muito disso, essa questão de criar coisas novas, pensar no que fazer agora, o que vou fazer daqui a pouco…

Essas misturas são excelentes, essa coisa do público jovem se identificar com a minha música me deixa muito feliz. Eu acho que como a minha música é muito misturada… Minhas influências foram do Rock ao Jazz, do Baião à Bossa Nova. Tudo isso formou um estilo que é meu, eu vi de tudo, até música clássica, sabe? Com 6 anos eu já estava ligado em música, então isso é um elemento que eu acho que atrai esse público.

Oganpazan – E agora a gente vai ver isso bastante no Cinzento, que vai aparecer no começo de 2020?

Vai ver bastante disso no “Cinzento”. Esse disco tem um clima um pouco parecido com o “Previsão do Tempo” (1973), que é um disco que eu gosto bastante.  Sei que para o meu público é um dos discos mais cultuados da minha carreira…

Oganpazan – Sim, você até tocou ele no palco em duas datas especiais no Sesc Pompéia esse ano.

Sim! Vocês estavam lá? Eu adorei trazer esse show para o palco, foi muito bom! E aí quando eu estava na Deck produzindo o disco da Fernanda Takai, junto com o Roberto Menescal, o Rafael me fez a cabeça de gravar um disco pra eles também.

Eu falei que estava fazendo o “Sempre”, mas ele disse: não, mas uma coisa não vai atrapalhar a outra. Entra e faz o que você quiser, no dia que você quiser. E aí ele lançou a semente do previsão, por que ele estava relançando o disco em vinil.

E aí ficou no ar aquela coisa e eu fiquei pensando: o previsão é um disco que eu gosto muito, por que ele tem uma linguagem que apesar de não ter muitos instrumentos, de não ter muita coisa acontecendo, está tudo no lugar certo. Não é um disco com banda, ele é muito baseado no meu Rhodes com baixo, bateria e o resto que eu criei depois com os sintetizadores.

Depois eu fiquei pensando e vi que isso realmente me atrairia, tanto que as músicas começaram a sair, pensando nisso. Depois eu comecei a procurar parceiros novos e principalmente parceiros que tivessem sido influenciados pelo “Previsão do Tempo”, mas não por que eu queira fazer um novo previsão, não é isso.

Oganpazan – Mas é bom que as pessoas envolvidas tenham uma ideia né?


Exatamente, aí foi que apareceu o Moreno, Veloso, Bem Gil, Domênico Lancellotti, Kassin, Zélia Duncan, meu irmão (Paulo Sérgio Valle) que eu queria que participasse com uma letra… Teve o Jorge Vercillo que eu tinha feito um 7/8 para o disco dele e fiz outro agora, então chamei.

Chamei o Ronaldo Bastos também pra botar uma letra em “Posto 9”, que é uma faixa que eu tinha gravado instrumentalmente no “Jet Samba” (2005) e teve o Emicida. O Marcus Preto (produtor) chegou, já sabendo que eu estava gravando o disco novo e falou: “rapaz eu estou com um negócio na cabeça, de criar uma parceria com você e o Emicida”.

Eu queria saber saber se você gosta da ideia por que eu já falei com o Leandro e ele gosta muito, então eu falei: “já adorei, vamos partir pra essa!” Entrei em contato com o Emicida, ele ficou muito feliz e tão logo fizemos a primeira, já fizemos a segunda e depois eu fiz mais duas instrumentais pra finalizar o disco.

O “Cinzento” tem um pouco de Pop na história, mas não é o “Sempre”. O “Sempre” é mais o Boogie… Ele também é movimentado, é solar, embora se chame “Cinzento”. Eu coloquei esse nome, por que é o nome de uma das músicas que fiz com o Emicida.

A letra é dele… Bom, primeiro que é uma letra muito forte, a gente gravou inclusive juntos e o “Cinzento” tem haver com essa atmosfera que estamos vivendo. Essa questão da censura às artes, esse ódio que é alimentado pela política… O “Cinzento” mostra isso, sabe, consegue contextualizar o que é que está rolando, sabe?  

Oganpazan – Marcos, se você não se importar de voltar para uma época mais antiga, pensando principalmente nas suas associações… Lá, desde o começo, com Milton Nascimento – no disco “Viola Enluarada de 1968 – uma coisa que sempre chamou bastante atenção na sua discografia foi o “Vento Sul”(1972). Como você analisa a sua colaboração com O Terço nessa época? A motivação de hoje é a mesma que motivou esse encontro?

Você sabe como o “Vento Sul” nasceu? Havia um grupo chamado o Terço, na verdade ele existe ainda, mas originalmente era o Vinicius Cantuária (bateria), Sérgio Hinds (baixo), Jorge Amiden (guitarra) e César Mercês (voz). Num certo momento, eles sabiam que eu ia para o Midem em 1971, que é um festival que acontece em Cannes.

Não é um festival competitivo, é um festival que eles trazem atrações do mundo inteiro e aí me chamaram, fui eu e a Maria Bethânia representar o Brasil. O Terço, sabendo que eu ia, eles vieram se oferecer pra ser a minha banda.

Eu mesmo gostava muito do Terço, principalmente daquela mistura do Rock com os vocais que eles faziam. Eles falaram que pagariam a passagem e que iriam por conta se precisasse. Aí nós fizemos uma experiência em alguns ensaios e eu cheguei a fazer um show junto com eles e vi que tinha funcionado muito bem. A partir daí, eles foram comigo para a França e quando voltamos, eles continuaram tocando comigo.

Quando veio a ideia do disco, o “Vento Sul” nasceu muito assim… A gente ia para Búzios, na época eram vários casais e a gente ficava um mês de férias numas casas de pescadores. Nessa época não tinha pousada, hotel e tal, então era um clima muito hippie.

Naquele clima, foram nascendo as melodias. Nós colocamos o nome da casa de “Vento Sul”. Era o clima da casa, a gente até pendurou uma plaquinha quando formos embora… Eu comecei a compor as músicas ali, com meu irmão Paulo Sérgio nas letras, mas quando chegou a hora de ir para o estúdio, eu queria manter essa energia.

Aí eu chamei o Terço de novo e junto com eles vieram o Paulo e o Claudio Magalhães, os 2 gêmeos, um toca flauta e outro toca violão, teve também o Fredera (Som Imaginário) nas guitarras… Ali nós formamos aquele grupo e o mesmo clima da casa veio para o estúdio. Eu tinha as ideias de arranjo, mas queria que todos colaborassem, então é um disco com esse clima de comunidade, por isso que teve aquela sonoridade diferente, até por que foi o ambiente que formou aquele disco.

Oganpazan – Isso que chama atenção, tem muita coisa do Terço, mas tem muito Marcos Valle ali também.

Sim, o Fredera, por exemplo, estava muito empolgado com o disco. Ele estava muito feliz, então era muito uma coisa de grupo e isso que você sente no disco.

Oganpazan – Dentro de tudo que você já gravou, a estética do som dançante é uma constante. Como é o seu relacionamento com o Funk, o groove?

É muito forte. Uma das primeiras influências de música popular que eu tive… Eu comecei com música aos 6 anos de idade, estudando clássico por que a minha vó era professora de música clássica. O meu pai, que era advogado, gostava muito de música popular e ele ficava tocando os discos e eu ficava lá, ouvindo aquilo tudo.

Um dos primeiros ritmos que eu gostei foi o Baião, por causa do Jackson do Pandeiro e do Luiz Gonzaga, então aquele groove já mexia demais comigo. Na minha família tem sangue do Belém do Pará e do Ceará, também. Meu avô era alemão, por isso o cabelo loiro, mas ele veio da Alemanha e foi para o Pará e casou com a minha vó.

O restante da família vem do norte e eu sou carioca, então eu não sei se é isso, porém sempre foi algo que mexeu comigo. O ritmo teve tanto importância pra mim quanto as melodias, lógico que estudando música clássica, Rock, Pop, Black Music, Jazz… Essas coisas foram se juntando e se misturando comigo, principalmente os grooves.

Por fora eu sou um péssimo dançarino, mas por dentro eu estou o tempo todo dançando! Tem horas que o som vai totalmente para o lado do groove, sabe? Ele guia as músicas, mas em alguns momentos as melodias vão mexer mais com o disco, entende?

A técnica do piano me deu muitas possibilidades de fazer o som no Rhodes. Eu uso a minha mão esquerda como um surdo ou como um baixo… Você pode ter certeza que o groove tem uma importância enorme na minha formação como músico.

Oganpazan – Marcos, eu já ouvi você dizendo que quando você foi na Odeon pela primeira vez, você foi apresentar as suas composições, não como intérprete, mas lá que você foi convencido a trabalhar esse lado. Como você vê o fato de ser um compositor, cantor, arranjador, produtor e intérprete, influenciando o seu processo de escrita e composição?


Eu penso como um todo pra falar a verdade. Por exemplo, nesse disco novo, eu produzi, arranjei e fiz tudo, não tem coprodução, não tem nada. Quando estou compondo, principalmente se é um disco meu, eu já sei que aqui é o baixo, a bateria… Os arranjos, sabe? Como eu vou cantar? Qual vai ser o tom? É a questão do todo, da sonoridade que eu quero achar ali… É como se todos os elementos fossem igualmente importantes.

Até por que o vocal que eu vou cantar é tão importante quanto o que eu estou tocando no piano, no violão ou com o que eu vou fazer no sintetizador. Não tem uma peça mais importante que a outra, é sempre tudo juntinho, seja os arranjos de metais ou qualquer outra coisa. 

Oganpazan – E isso foi na hora que aconteceu? Depois que disseram que você ia interpretar esse disco foi algo que já apareceu em você, ou isso precisou ser trabalhado?


Eu comecei muito cedo né? Quando me levaram na Odeon pra mostrar as músicas eu tinha 19-20 anos. Eu era muito tímido, não podia chegar com essa bola toda não que eu ainda não tinha essa segurança.

Quando eu mostrei as músicas e eles disseram: “você que vai gravar”, eu pensei: “esses caras estão malucos!”

Oganpazan – Não foi isso que eu pensei quando sai de casa.

Exato, eu só vim entregar uma pizza aqui! Mas havia o diretor musical de lá, o Milton Miranda, que era uma pessoa muito carinhosa e foi um cara muito importante.

Tudo bem que o Simonal estava lá também e disse: “Esse menino tem que gravar”, sabe, aquelas coisas? Eu já fiquei meio assim, mas o Milton estava lá.

Oganpazan – Cuidou do menino?


Cuidou, ele falava pra eu cantar no microfone: “Canta. Tá vendo isso? Você vai gravar”. Agora, por mais que eu tivesse participado – os arranjos foram meus – as orquestrações eram do Eumir Deodato, meu grande amigo.

Então, naquele momento eu precisava daquele apoio todo. Eu não podia chegar falando que ia produzir… Nem queria e nem podia, então eu fui aprendendo, mas a partir do momento que você faz o primeiro, o segundo, o terceiro disco…

Oganpazan – Você vai ficando mais confiante também.


Sim, você começa a se soltar, começa a entender melhor suas ideias, mas muitas vezes eu também tive coprodutores sim. Embora nesse último disco tenha sido um prazer trabalhar com o Daniel, esse novo foi o que eu quero né, então é uma coisa que sai muito do seu coração, é verdade, eu não estou mentindo.

Hoje inclusive eu gosto bastante de produzir outros artistas. O primeiro disco que eu produzi foi do João Donato, o “Quem é Quem” (1973). Eu produzi pra ele, na época ele estava indo embora para os Estados Unidos, voltando e eu disse: “espera aí”. Fui na Odeon e lá estava o Milton Miranda, o mesmo cara.

Convenci que tinha que gravar o disco. Ele falava: “não, o Donato é muito doido”

Oganpazan – Mas ele tá comigo!


Fiquei uma hora enchendo o saco. Depois de tanto tempo ele não aguentava mais, olhou pra mim e disse: “você produz? eu só respondi: “É claro que Produzo!” Aí eu falei para o Donato desfazer as malas e ele nunca mais foi embora!

Ali me deu um prazer imenso de trabalhar com o Donato. A gente tem uma linguagem parecida e eu adoro o Donato, entende? Essa parte de produção, principalmente com o tipo de músico que você gosta, eu faço as vezes, discos na Alemanha, no Japão… É muito bom, pegar um elemento que você curte e fazer as coisas do seu jeito, eu gosto muito.

Oganpazan –  Seus discos tem sido relançados nos últimos anos e é muito interessante acompanhar esse movimento. A Light In The Attic pegou o “Brazil by Music: Fly Cruzeiro” (gravado com o Azymuth em 1972), pra relançar e eu queria perguntar como tem sido o processo de revisitar esse material e se nós podemos esperar mais relançamentos no futuro.

Na verdade, é o seguinte. A Light In The Attic vai relançar esse disco que você comentou e o “Braziliance!” (1967). Eu tenho 2 filhos, um de 27 e outro de 26 anos. O de 27 (Daniel) se formou em direito e hoje ele cuida de direitos autorais, não só meus, mas do Donato, enfim.

Esse disco, o Cruzeiro, estava meio largado. Na época, quando a gente fez esse disco, não era pra vender, era um disco de brinde.

Oganpazan – Você distribuía ele na Cruzeiro na época, não?

Isso, a Cruzeiro era uma companhia de aviação que era do meu pai. Ele era presidente, adorava aviação e aí nós fizemos aquele disco junto com o Azymuth. Mas aí começou uma movimentação na europa com isso e meu filho acertou os direitos da gravação e negociou. 

Aí ele já aproveitou e negociou o “Braziliance!” junto, por que esse disco tinha caducado o contrato, então essa questão de relançamento é ótima, por que já começa a juntar tudo. Você tem os discos novos que eu estou fazendo, mesclando com os relançamentos.

Oganpazan – É legal por que nada se perde também.

Exato, a galera que não conhecia, passa a conhecer. Esse movimento é melhor pra conhecer mais amplamente o que eu faço.

Oganpazan – O vento Sul foi pela Light In The Attic que saiu também, não?

Foi, teve esse, o “Marcos Valle” de 1970 – que eu estou numa cama na capa, o “Previsão do Tempo”, “Mustang Cor de Sangue”

Oganpazan – É legal encontrar o contemporâneo e as raridades setentonas.

É isso aí, isso é legal por que ajuda a ter uma noção de tudo. Na verdade, essa mistura é desde o início. No início era muito Bossa Nova, por que eu estava sob o impacto da Bossa Nova, mas aquelas influencias todas que eu tinha antes da Bossa Nova estavam pedindo licença e eu fui deixando. 

Então, até hoje é essa mistura, agora, logicamente que com o tempo você vai adicionando outras coisas.

Oganpazan – É influenciado por outros músicos.

Exatamente. É assim que eu penso, é possível ocupar os 2 lugares.

Assistir tudo isso funcionando sob o palco do Blue Note foi um privilégio. Vale lembrar inclusive, que Marcos realizou o show de inauguração da casa – ao lado do Azymuth em 2018 – e acompanhado de seu quinteto, tocou o “Sempre” na íntegra, intercalando sucessos do passado – como “Estrelar” – e raridades setentonas, vide a versão de “Freio aerodinâmico” e “Wanda Vidal”

Foi um show cirúrgico. Com um set muito bem ensaiado, o combo do carioca emulou o groove por quase 90 minutos, enquanto Marcos mostra uma musicalidade que esbanja sinais criativos para o futuro. Mais do que reviver grandes momentos, é inspirador observar a tenacidade com que a sua mente trabalha, sempre em busca do próximo groove ou da próxima colaboração.

É justamente esse ímpeto que traduz todo o seu rico repertório e, pelo visto, nós ainda vamos ouvir muitas novidades no Rhodes do mestre. Quanto a sorte a nossa!

-Todos os caminhos do groove levam ao Marcos Valle 

Por Otavio Cintra e Guilherme Espir 

Fotos por @natrilha.van (Instagram)

 

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