Sonic’s Rendezvous Band foi um supergrupo formado dos escombros de outras grandes bandas, e que não queriam parar de tocar e fizeram bonito
Se você curte o punk rock inglês e sua explosão ali por 77 do século passado, certamente você buscou pesquisar e chegou nos pais daqueles meninos todos de roupas rasgadas e raivosos. Se você também buscou saber as origens e influências que bandas como Sex Pistols, Clash, Buzzcocks e toda a cena inglesa tiveram, você deve ter recuado um pouco no tempo e atravessado o oceano atlântico.
Durante essa jornada você deve ter lido Mate-me Por Favor do Legs McNeill e Gillian McCain, e nesta leitura você foi apresentado a maravilhosa cena proto punk. Aos lendários shows que ocorriam no CBGB’s em Nova York, com as bandas seminais que influenciaram a turminha inglesa do final dos 70, bandas como: Velvet Underground, The Dictators, New York Dolls, Ramones e claro MC5 e The Stooges. E é sobre essas duas últimas bandas que precisamos nos deter um pouco, para entendermos como surgiu o supergrupo: Sonic’s Rendezvous Band.
A cena proto punk possuia uma violência sonora, que buscava nas raízes do rock a força originária do gênero musical, àquela altura passando por uma forte transformação e já tendo sido sub dividido em vários sub gêneros. Os artistas que viveram essa cena possuíam um modo de vida regado a drogas pesadas e comportamentos autodestrutivos à enésima potência. Essas características eram traços distintivos e comuns a muitas das bandas e artistas que viveram e propagaram essa reação americana ao flower power e ao hippiesmo. A emergência de um niilismo ativo tomou conta de uma geração inteira, que levaram a bandeira de uma música rock sem firulas, direta, urbana e caótica. Tais atributos causaram muitos danos e vitimas no caminho, apesar de Iggy Pop e outros ainda estarem entre nós.
Ali por volta de 1972, a banda de Detroit, MC5, uma das maiores potências já produzidas na história do rock, acabava em meio a um imbróglio que misturava drogas, contra-cultura e luta política. Na mesma toada mas por motivos diferentes, leia-se o vicio alucinado em diversas drogas do Iggy Pop, a banda de Ann Arbor, o The Stooges acabava após destruir um caminhão de equipamentos embaixo de uma ponte, e enfurecer a gravadora. Os Stooges tinham acabado de lançar o clássico Raw Power (1973), com a produção do David Bowie, mas sucumbiram um ano depois.
Juntando-se a esses acontecimentos, temos outras duas bandas da mesma cidade dos Stooges, Ann Arbor, Michigan. The Rationals e The Up. A primeira um banda mais velha, que flertava com o R&B e produzia um rock vigoroso, a segunda na mesma linha das duas supracitadas, compondo também a cena proto punk local. E assim temos, os escombros de quatro bandas que gerariam um super grupo excelente, mas que infelizmente não conseguiu emplacar uma carreira de sucesso.
O Sonic’s Rendezvous Band começa a surgir logo após o fim do MC5, ali por volta de 1972 quando o guitarrista Fred “Sonic” Smith, busca formar uma nova banda. E é exatamente seu ex-parceiro de banda Wayne Kramer quem apresenta-lhe o vocalista e guitarrista Scott Morgan (ex-Rationals), logo os dois formam uma amizade configurando assim, o núcleo duro e briguento da banda que viria à luz definitivamente, alguns anos depois.
Após algumas tentativas com integrantes, que foram frustradas pelos mais diversos motivos, desde a prisão por porte de drogas até o curioso caso do baixista Ron Cooke, que empenhou seu baixo dias antes de um show pra comprar uma moto. Sim, loucura pouca é bobagem, e o amor por motocicletas de Cooke, acabou dando lugar a Gary Rasmussen (Ex-The Up) no baixo.
Juntando-se a esse trio encontramos um Scott Asheton que durante todo esse período (1972-1974) “curtia” as mais variadas loucuras que se tem noticia, durante o fim de sua banda – The Stooges – lá na distante Califórnia. O baterista volta a Michigan após o desmoronamento final de Iggy Pop e o fim da banda, e ele é logo convidado a assumir as baquetas do grupo, que já tinha experimentado diversos baterista nos últimos dois anos.
A história do Sonic’s Rendezvous Band é um caso curioso, pois durante seus quase oito anos de formação, eles nunca lançaram um disco solo e nunca assinaram com gravadoras. E esse fato não impediu que eles se configurassem mesmo assim, como uma banda com uma grande legião de fãs. Movimento esse que nos fez chegar ao som deles, que não são mencionados com facilidade em livros ou em grandes copilações do proto punk.
Quando em 1975 a banda começou a tocar em Michigan a vera, depois dos variados testes e formações que levaram mais de dois anos, os caras se negaram veementemente a tocar qualquer que fosse o material de suas antigas bandas. Compondo material original, a dupla Morgan e Smith tocavam apenas músicas próprias e clássicos do começo do rock, como covers alucinados de Chuck Berry, que não eram pouco comuns.
Ao mesmo tempo, com o passado de suas antigas bandas ainda muito fresco na memória das gravadoras, contratos não lhes foram oferecidos, apesar do melhor material escrito durante a sua carreira, por Fred “Sonic” Smith. O temperamento do guitarrista também era um forte empecilho para a progressão da banda, reza a lenda que o mesmo não era afeito a trabalhos muito pesados. Algo que foi progressivamente ficando cada vez mais evidente.
Em 1976 Fred Smith conhece a poetisa punk Patti Smith com quem vai morar junto em 1978, e é exatamente nesse período que as tensões entre Smith e Morgan crescem vertiginosamente. Os caras preparavam um compacto para ser lançado em 1978 visando as gravadoras que já estavam de olho na banda, o SRB vinha forte na cena local, abrindo os shows nacionais e eram unanimidade ali por Detroit e Ann Arbor.
Mas aquela velha briguinha entre duas forças criativas numa mesma banda, levou Smith a retirar a canção Electrophonic Tonic de autoria de Morgan, do lado B do compacto que acabou tendo apenas o seu clássico petardo City Slang. Esse acontecimento aumentou consideravelmente o afastamento da dupla, ao que se seguiu a excursão da banda pela Europa com Iggy Pop, com Morgan sendo deixando pra trás.
Na volta da banda para Michigan, Smith descobre que Morgan tinha gravado demos solo com alguns amigos e o fim começou a se desenhar mais nitidamente. Ainda em 1978, Smith vai perdendo progressivamente o interesse em fazer shows e após uma série de apresentações beneficentes para Detroit Symphony Orchestra, de onde Morgan foi limado, a banda começa a ruir.
Em 1980, Smith casa-se com Patti Smith e a banda conhece o seu fim exatamente naquele ano. Depois de pelo menos 5 anos de atividade intensa com os quatro artífices alcançando um entrosamento pleno e muitas composições apresentadas ao vivo, mas nenhum disco solo lançado, com exceção desse compacto em 45″. As apresentações ao vivo dos caras, eram algo realmente incendiário e marcante, com uma banda completamente azeitada, direta e segura.
E é exatamente essa história “ao vivo”, como falávamos acima, o legado que a Sonic’s Rendezvous Band nos deixou, primeiramente com o lançamento de dois discos importantes para a difusão da banda fora dos USA. A base de fãs locais e o crescimento imenso do punk rock pelo mundo a fora, levaram os garimpeiros da música a terem acesso a materiais gravados nos períodos de atividade intensa, ao vivo e em estúdio, que a banda teve e que ficaram marcados a ferro em quem presenciou.
Primeiro surgiram diversos blootegs de demos e shows ao vivo, depois a gravadora independente de Detroit, Mack Aborn Rhythmic Arts, lançou o primeiro álbum autorizado da banda, Sweet Nothing (1998) material retirado de uma gravação diretamente da mesa de som, numa apresentação dos caras em Ann Arbor de 1978.
Somente em 2000 a mesma gravadora lançaria City Slang, disco que contem o famoso e raro single e uma coleção de faixas ao vivo. E aqui, com esses dois lançamentos podemos claramente notar, o porque uma banda que nunca lançou um álbum bem produzido num estúdio pode rapidamente conquistar fãs ao redor do mundo.
Rock direto, agressividade sem firulas, pitadas de swingue via R&B e aquela crueza honesta, são alguns dos atributos que farão qualquer apreciador do bom e velho rock’n roll, ser fisgado imediatamente. Ouvindo essas apresentações ao vivo, a revelia do som de qualidade ruim, somos imediatamente transportados para a atmosfera de um show de rock intenso, daqueles que uma vez que assistimos, nunca mais sairá da memória. Quem nunca passou por isso? Quantas vezes não ouvimos relatos nessa linha? Tendo tudo isso em mente e principalmente ouvindo esses discos acima, rapidamente entendemos a sobrevivência que esse supergrupo teve.
Um outro aspecto digno de menção é que o Sonic’s Rendezvous Band foi daquelas bandas que resistiram a progressiva chatice em que o gênero mergulhou com o rock de arena e o progressivo de fins dos anos 70. Foram eles também, os responsáveis, meia década depois de terem combatido o flower power, de manter a chama do rock cru e direto, de guitarras cheias de riffs pesados e retos, sem espaço para improvisos de 20 minutos.
Mas não para por aí, em 2006 um selo inglês Easy Action lançou um petardo definitivo pra quem já vinha desde o final dos anos 90 curtindo as pérolas que aos poucos nos chegavam do Sonic’s Rendezvous Band. São nada menos do que seis discos, contendo demos, gravação de ensaios, material de estúdio, e nada menos do que 4 shows completos.
Um lançamento de peso, para uma banda que sobreviveu no coração de fãs, sem nada, nadinha de hype jornalistico, publicidade alguma e sobretudo sem um disco de sucesso. Algo que nos faz acreditar que a verdade musical, a qualidade de um trabalho artístico honesto sobrevive e sobreviverá sempre à confusão do mercado e da industria cultural.
Infelizmente o grande Fred Sonic Smith faleceu em 1994 devido a uma parada cardíaca, assim como Scott Asheton também veio a falecer em 2014, vitima do mesmo mal. O baterista ainda teve a felicidade de fazer algumas turnês e gravar com sua antiga banda: o The Stooges. Gary Rasmussen e Scott Morgan seguem suas vidas e sua música. Morgan vem lançando discos de sua carreira solo periodicamente e hoje é visto como uma lenda da cena de Detroit.
Ouçam esses lendários senhores!
-Sonic’s Rendezvous Band, um supergrupo do rock surgido dos escombros!
Por Danilo Cruz