RBF Rapaziada da Baixa Fria há mais de 20 anos Afro-Hip-Hop, sem deixar a peteca cair o lendário grupo baiano, segue resistindo!
Existe a necessidade urgente, tanto para quem produz, quanto para quem consome o Rap, de pesquisar sobre a história do próprio gênero no Brasil, para, além de conhecer e se aprofundar naquilo que se diz gostar e/ou fazer parte, não se emocionar com falsos vanguardismos ou “novidades antigas”.
Na era desse iceberg virtual dos algoritmos, em que, apesar de parecer ser, nada é aleatório e que somos empurrados a consumir determinados produtos em detrimento da invisibilidade quase que absoluta de tantos outros. Precisamos nos atentar em exercitar a busca do que está para além da superfície, ou melhor, para além do hype.
Muito antes de permear e conduzir os trabalhos de artistas como Emicida ou Baco por exemplo, a temática africana já povoava os trabalhos de artistas vanguardistas como a pioneira Erê Jitolú, Quilombo Vivo, Fúria Consciente, Opanijé e outros grandes nomes da cena do rap local, e que talvez, por não terem tido sua arte amplificada para além dos limites do nosso estado, muitos (ainda) não os conheçam.
O que também, nesse sentido cabe reiterar a urgência de articulações, sobretudo, com outros nichos regionais, necessidade essa, que já foi amplamente mencionada aqui no Oganpazan em diversos artigos publicados: aqui e aqui.
Dentro dessa temática africana, o RBF Rapaziada da Baixa Fria também figura entre esses grandes nomes, e diferente do que muitos pejorativamente chamam de “afro-conveniência”, aqui o RBF não cai nessa armadilha, a sua africanidade vai além de citações musicais ou de elementos puramente estéticos, ela está inserida diretamente na própria construção de sua identidade e arte. E numa época em que tudo isso fugia ao senso comum dentro do rap.
Para a juventude preta soteropolitana, o final do anos 1990, marca a redescoberta de sua negritude, muito embora outros grandes artistas tenham feito isso com muita competência e brilhantismo e muito tempo antes. Foi com a força e o vigor do discurso sócio-racial no rap que essa geração ganhou força, ou melhor, entendeu o chamado para o levante.
E aqui podemos citar como um fato e marco significativo que ilustra bem o período, o álbum “Sobrevivendo no Inferno (1997), do Racionais MC’s. E foi dentro desse caldeirão de acontecimentos que nasce o RBF, um grupo que traz em sua própria história, nesses mais de 20 anos de estrada, um recorte histórico de grande importância do Hip Hop baiano.
Em sua primeira formação, o grupo contava com: Ronald, Mc Sal, Aspri e Dj Joe. A formação Heider Gonzaga, Íris Mariah, Aspri e Dj Joe, é considerada por muitos como uma das mais líricas do grupo. Mas que ao longo dos anos outros artistas deram suas significativas contribuições na formação e consolidação artística desse que seguramente figura entre os maiores nomes do Rap de Salvador.
Nomes como os citados acima somam-se a outros de igual importância na construção identitária e formação desse grande coletivo de Hip Hop. E aqui também cabe ressaltar as passagens importantes pelo grupo de nomes essenciais como: Ronald (GAF), Preto Zú, Heider Gonzaga, Black Rai Rimador, Lúcius Sena, Fabricio Santos, Dj e grafiteiro Charles Brak, DJ Ivan, Nana, Negra Sú, Lázaro Evangelista e Dj Bandido. No RBF Break tivemos nomes como: B.boy Ivan (agora DJ Ivan), B.boy Vando, B.boy Suca, B.boy Jailson.
Para falar da dimensão do que é o RBF, é necessário entender a força e o que representa esse nome para além de um grupo de rap. RBF que também durante anos era Posse (coletivo de militantes e simpatizantes do Hip Hop), RBF Break e até um time de basquete na quebrada.
Uma construção coletiva e que envolveu vários personagens em momentos distintos ao longo de sua trajetória, nessa que de fato foi uma autêntica “união d@s man@s”. Conservando e ampliando a essência do hip-hop em suas diversas expressões.
Ainda em seu período inicial, o RBF solta seu single de estreia, a emblemática e marcante “Respeito é Bom” em um dos mais belos cartões de visita do grupo. Desfilando versos sobre um beat introspectivo do Fugees e agregando linhas orgânicas de violão, algo pouco comum aos grupos da época, Aspri e Íris não desperdiçam linhas nessa que figura entre uma das mais belas canções do grupo, “Respeito é bom” é um clássico absoluto do rap soteropolitano, apesar de muitos não conhecerem..
Em entrevista ao Programa Hip Hop Vai Além, capitaneado por Negro Davi, Aspri fala um pouco do início do grupo e da sua primeira apresentação ao vivo:
“…em 99 formamos a banda e em meados de 2000, a gente fez o primeiro show. E o show foi com a galera do Rock in Roll… Sete Anões e nós abrimos o show e fizemos duas músicas…”
O que fica claro aqui, e que era muito comum na época, eventos mistos entre grupos de Rap e bandas de Rock em Salvador. Alguns grupos inclusive transitavam livremente entre ambos os espaços, a exemplo do Testemunhaz, Quilombo Vivo e outros, além do próprio RBF.
O grupo RBF tem em seu currículo apresentações importantes por toda a cidade, como o segundo show de carreira, ainda em 2000, esse já no Festival de Arte e Cultura, promovido pela Steve Biko. E outras apresentações que vão de eventos de quebrada aos palcos centrais da cidade e também outras praças municipais.
Mas foi em sua área, no bairro do Cabula, que o grupo fincou suas bases e estabeleceu território, realizando diversas ações para além do Rap. Promovendo assim diversas iniciativas sócio-culturais e eventos para além da música.
DISCOS E A UNIÃO D@S MAN@S
Em sua discografia o grupo conta com três importantes registros, além de integrar o registro em DVD – Hip Hop União D@s Man@s.
RBF Rapaziada da Baixa Fria – Álbum Digital (2010).
Após 10 anos de caminhada na cena do rap local e diversas apresentações, o RBF coloca na pista o seu disco de estreia. Numa iniciativa inédita até então no rap baiano, os manos botam na rua, de maneira digital com acesso exclusivo em seu site oficial, proporcionando assim um alcance maior de público.
Muitas das canções que compõe esse trampo, já eram conhecidas do grande público do rap soteropolitano, devido às inúmeras apresentações pela cidade. O que na prática, deu ao grupo e ao público uma sintonia singular durante a apresentação, num dos shows mais viscerais do grupo que pude presenciar. Não faltaram durante a apresentação clássicos consolidados pelo público como: “Respeito é bom”, “Som de Pret@ Cabeça e Conceito”, “Ebó”, “Cabelo da Desgraça” e outras.
E pra celebrar esse registro inicial, uma convocação pesada foi feita. A coisa ficou preta em Salvador na noite de 23 de janeiro de 2010. Pega a visão na grade nervosa dessa noite épica do verão soteropolitano, que, além dos anfitriões contou com a presença de: Opanijé, Os Agentes, Markão II (DMN) e Di QAP (SP Funk) ambos de São Paulo.
Dois anos após o lançamento do disco RBF – Álbum Digital e já com uma nova formação, o RBF coloca na rua o disco homônimo, que consiste basicamente em uma releitura do disco anterior, porém, com uma nova roupagem sonora e o acréscimo das inéditas “Super Preto Nuelo” e “Baixa do Reggae”.
Esse álbum também marca um importante período de transição dentro do RBF e a mudança de algumas características no grupo. Pois é nesse período que ocorre a saída de Adeliris e Heider e as entradas de Black Rai e Lú Sena.
Após intensos anos de atividades voltadas pra cultura Hip Hop, diversas apresentações, dois discos e um DVD na bagagem, o RBF abre um hiato de 6 anos entre seu último registro oficial (gravação do DVD) e o lançamento do seu mais novo trabalho.
Contando agora com Aspri, Negra Sú e DJ Bandido (que aqui dispensa apresentações prévias) – o RBF Rapaziada da Baixa Fria aposta novamente na mescla de clássicos e inéditas, dando luz ao disco Novas Formas (2019).
Entre as inéditas desse novo trabalho, podemos destacar “Boa Energia Nunca Falha” (contando com o ótimo clipe produzido pela AquaHertz Beats), “Bagaceira” (que também conta com clipe: Lane Silva/Adriele Miranda) e “Ancestralidade Musicalizada”, (Lane Silva /TV Quebrada), essa última umas das melhores cyphers já produzidas da cidade e que conta com um verdadeiro time de monstros do Rap.Ba: Aspri/Roni Dumdum/Lázaro Erê/Mr. Dko/Black Rai/Duende 1º/Yogi Nkruma.
A União d@s Man@s e o DVD HISTÓRICO
O Hip Hop União d@s Man@s, foi um dos mais longevos e importantes eventos do calendário Hip Hop de Salvador. Idealizado pela banca do RBF, tem sua primeira edição realizada no ano 2000, o qual era realizado anualmente e aqui vale lembrar, com pouquíssimos hiatos históricos ao longo dos anos. O que mostra a força e organização d@s man@s do RBF para realização de suas ações coletivas, quase sempre – mas não somente – na região do Cabula e entorno.
Para comemorar a sua décima edição, foi lançado em 2013 o primeiro DVD do rap soteropolitano, o que por si só já consistia num marco histórico e de fundamental importância pro rap local. Os artistas convidados para compor o registro histórico do DVD foram: Donna Liu, Os Agentes, Negro Davi, Fúria Consciente, além do próprio RBF.
Mas o registro veio acompanhado de uma série de ações que agregaram um seminário com debates e palestras sobre políticas públicas para a juventude negra, feira de Hip Hop, produção cultural e ações afirmativas com convidados de peso, Geovan Bantu (Bacharel em Direitos Humanos) e do professor, poeta e ativista do Hip Hop, Nelson Maca (Blackitude) que foram os convidados para compor a mesa responsa nesse importante registro.
Nessa que foi uma genuína celebração do Hip Hop em toda sua amplitude, nenhum pilar da cultura foi negligenciado.
Também se fez presente artistas do grafite representados pelas figuras dos renomados Denissena, Tial e Afro. No break Atitude Crew. E comandando a festa, Dj’s: Naikiese (ex-Nai Sena), Dj Rilex, Dj Mr. G e Dj Joe.
Ancestralidade, arte e militância.
Mesmo tendo uma carreira longa, com discos lançados, e farto material audiovisual que podem ser facilmente encontrado na internet, Aspri ainda faz uma observação importante a respeito do que poderíamos chamar de conflito dentro do Hip Hop baiano: Arte X Ativismo. O que era muito comum a grupos de Rap no final dos anos 90.
Ainda ao programa Hip Hop Vai Além, Aspri menciona sobre o excesso de ativismo sobrepor a arte e o quanto isso em muitos momentos poderia ter sido diferente na carreira do RBF Rapaziada da Baixa Fria:
“…a militância dentro do Hip Hop retardou que agente fizesse a parte artística…”
Pontuar aqui todos os trabalhos do RBF Rapaziada da Baixa Fria de maneira analítica, definitivamente não daria, não seria possível em um só artigo, tamanha a dimensão artística e histórica desse grupo dentro do Hip Hop baiano.
Vale lembrar mais uma vez que, caminhando na contramão da maioria de outros importantes nomes do rap soteropolitano, o RBF mantém no ar o seu canal oficial no YouTube, onde podemos ter acesso a uma parte considerável de sua obra.
Canções clássicas do grupo como a já citada: “Respeito é Bom”, “Cabelo da Desgraça”, “Som de Pret@ Cabeça e Conceito”, dois de seus álbuns e uma infinidade de clipes estão disponíveis para quem quiser conhecer melhor o trabalho desse grande nome do rap local. E também matéria de circulação nacional exibida no Programa Fantástico, e tudo isso a um clique.
Então, confere o canal do RBF no YouTube, pois, entender um pouco mais da história do Hip Hop baiano, também passa por esse importante recorte histórico. Pega a visão…
A história do Hip Hop da Bahia é gigantesca e formada por vários atores e atrizes importantes. Mas muitas dessas personalidades nem sequer aparecem ou são minimamente citadas em notas. Mas elas estiveram lá e deram suas contribuições na construção do nosso Hip Hop. E a elas seremos sempre gratos, e nós do Oganpazan seguiremos registrando e relembrando suas ações e contribuições.
-RBF Rapaziada da Baixa Fria há mais de 20 anos Afro-Hip-Hop
Por Paulo Brasil