Panorama Rap Sergipe 2 – Tem De Um Tudo!

Panorama Rap Sergipe 2 continuamos a conferência dos excelentes trabalhos que a cena sergipana e a sua diversidade nos deu esse ano até aqui

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Panorama Sergipe 2

Nesta segunda parte do Panorama do Rap Sergipano, trazemos mais trabalhos que referenciam a qualidade intrínseca e a diversidade de propostas da cena local. Uma cidade que atrai muitos turistas, que por lá encontram certa tranquilidade em ritmo de interior, um ritmo mais ameno do que aqueles que encontramos em grandes metrópoles. Mas que obviamente, possui os mesmos problemas que qualquer capital da federação.  

Essa questão se torna evidente se analisarmos os trabalhos aqui trazidos – como na parte 1 também – neste panorama, onde a juventude adulta aracajuana, nos dá a conhecer seus sofrimentos, dificuldades e problemas. Transformando essas mesmas questões em afectos musicais, em lirica resistente, uma pá de maninhos e maninhas das zonas sul, norte e leste se fazem presentes. Problematizando e lutando no cotidiano desta linda e calorenta capital.

Aracaju é uma cidade que também vai se criando numa luta contra o Mangue, o velho boato de que o shopping Rio-mar iria cair escondia em tom de brincadeira a causa que já era em si mesma uma tragédia. O aterro dos mangues para construí-lo; a recente reforma da rua da frente que aterrou um bom pedaço do manguezal, e a construção da ponte que certamente causou destruição no Bairro Industrial. As oligarquias de Francos e Alves, colocando sempre o lucro na frente da vida. Todos esses “avanços” a custa do mangue, seguem aquele modelo de urbanização predatória que parece ser a lei no Brasil. A violência policial, a desigualdade social, a própria falta de oportunidades e reconhecimento dentro da cena cultural nacional, são outros tantos problemas. Repare, Aracaju é pouco falada dentro do circuito cultural brasileiro, apesar de ser riquíssima. 

Então, sendo assim, prestenção no que essa rapaziada tem pra falar pois eles em muito a dizer, e descubra uma parte da riqueza musical dessa capital, desse estado, delicioso.

Obs: Agradecemos imensamente ao rapper Maeed, que quando ainda buscávamos trabalhos pra fechar a primeira edição nos mandou uma enxurrada de excelentes trampos. Viabilizou assim que pudêssemos fazer já uma parte dois deste Panorama.

Uma introdução – O Que Acontece Aqui – onde as diversas perspectivas presentes em nossas quebradas é colocada tal qual existem, sem fazer o mero discurso da miséria e nem a simples ostentação. Fugindo dessa dicotomia falsa que vê apenas sofrimento ou que o esconde em nome de uma meritocracia fudida. Assim os manos abrem seu disco, e pros ouvidos mais atentos isso é um excelente sinal.

O SMP (Sistema Musical Periférico) é um grupo que já vem numa caminhada no rap aracajuano desde 2010, hoje segurado por Leandro e Dj Edinho que encontraram no produtor Dj Feroz a parceria necessária pra continuar. São já dois discos no currículo: Minha Cidade Pega Fogo (2012) e O Preço Do Caos (2014) e agora chegam forte com esse Ep Lado Norte (2017). Onde em 30 minutos, diversos assuntos são abordados, de maneira a mostrar a falsa divisão acima mencionada. 

A produção do Dj Feroz abre mão de uma musicalidade diversa, utilizando samples de samba, batidas que lembram o ragga, boombaps e Trap abusando dos graves pesados. Gerando um clima que ao mesmo tempo remete à diversidade de ritmos presentes em nossa quebrada e um equivalente para as letras de Leandro. Composições que vão de um espectro a outro, da lovesong “Paguei a língua”, passando por um rap de exaltação, o alegre “Todos Quer Ser Feliz” part. Marcelo Evolução. Mas encontramos também uma trilha pra balada “Curtir a Vida” part. Lylia e chegamos até o gangsta mais nervoso como em 100% Loko part. Quadrilha PCR .

O disco ainda conta com as participações de Diley SDG, RV, Daniel Black, DHS Insano & Fucky, que chegam também somando e fazendo com que além de tudo, o disco seja um bom retrato do Rap SE. Enfim, um disco amplo nas visões e criticas sociais apresentadas, com uma produção caprichada e que merece ser ouvido, principalmente pela rapaziada que é fã da Golden Era dos anos 90 brasileiro. 

A arte de Saulo Darthayan já foi apontada como uma das grandes promessas nacionais para 2017, e o “mágico” que o apontou acertou em cheio. Saulo é filho de um ávido leitor do francês Alexandre Dumas que o batizou com o segundo nome de um dos três mosqueteiros. Logo cedo o jovem começou a escrever naquele exercício meditativo, que quando cultivado adequadamente leva a perfeição. Nas rodas de freestyle e no Sarau Debaixo o mano entendeu o aspecto público  e a função contestatória da poesia e do rap. Já com os comparsas do Alquimia Solar aprendeu a ética do trabalho coletivo e encontrou uma direção pra sua arte.

Agora em carreira solo Darthayan vem trabalhando duro pra levar a sua arte ao Brasil com uma série de singles que já preparam o seu Ep de estreia. Primeiro veio o excelente clipe de Monolirico que muito nos impressionou à altura e sobre o qual escrevemos aqui

Agora é a vez de Diamante, uma produção do nosso conterrâneo e outra metade do Beirando Teto, HeadB mago dos beats chapados e que aqui nos oferece um trap pesado. Com imagens captadas por Lucio Vieira e edição de Pedro Guaraná o clipe foca no artista. Enquanto a música apresentada nos propõem uma narrativa onde versa sobre com podemos – no caso, o próprio artista – fazer brilhar a força do nosso ser. Das lutas que enfrentamos cotidianamente, das relações que sugam e enfraquecem nossas potências à superação e ao longo aperfeiçoamento que apenas com muita lapidação são capazes de desvelar as joias que carregamos dentro de nós. 

Darthayan é mais uma dessas joias, um dos diamantes que aos poucos tem mostrado seu brilho, enquanto desenha uma joia a ser em breve apresentada! Que esse Ep, chegue logo. 

Douglas de Paula é um produtor que precisa ser ouvido com atenção, um artista que chega com uma autoralidade muito forte. Num dialogo muito interessante entre linguagens, que vão da cultura e da música popular até a música eletrônica. Mas porque coloca-lo então nesse panorama do rap sergipano?

Por duas razões pelo menos, uma de ordem histórica e outra de ordem estética. Douglas é junto a Bidu um dos idealizadores do selo Mangue, e já possui uma história como produtor de beats no rap, essa é a razão histórica. A razão estética é a presença de dois rappers nesse projeto, Darthayan e Mobb, rimando dentro da proposta conceitual do disco. 

Mas é certo que localiza-lo apenas dentro desse espectro é limita-lo, pois o produtor nos apresenta em seu primeiro Ep, uma força que transcende rótulos e caminha para experimentações que se mostram muito frutíferas. Dentro da perspectiva de um novo Manguebeat, buscando reforçar a proposta de revitalizar uma cultura popular em redes de conexão às propostas mais futuríveis. 

Aqui Douglas de Paula abre mão de um procedimento curioso que é menos representar os Elementos (2017), do que torna-los audíveis. Obviamente podemos ouvir sons da água, do vento, do fogo e da terra, porém recria-los artificialmente tornando-os música é outra história. E que não se pense nas chatas divagações do New Age.

O produtor encontra ao seu modo os equivalentes sonoros dos Elementos, da mesma forma que mescla colagens e ou vozes nas faixas. Vozes extraídas de gravações de programas de televisão, ou gravadas pelos Mc’s acima citados. Processando pensamentos críticos ou poéticos, ou testemunhos de vidas que se fizeram em contato com esses elementos. Equilibrando perfeitamente discurso e música, não há sobreposição ou predominancia de um elemento sobre o outro. Um equivalente estético muito interessante para pensarmos a própria ideia de uma ecologia que verdade encontre-se em harmonia. 

Escutem essa pequena maravilha, prenhe de ideias que com certeza serão mais e mais desenvolvidas pelo mano Douglas de Paula, mais um pensador do mangue! 

Logri e Silver compõe a dupla Rakavi, mas certamente podem chama-los também de legião. Afinal, falou-se no binômio trampo e rap, esses dois estão na ponta das produções aracajuanas. Além de cantarem, comporem e produzirem beats, os caras também estão por trás de um empresa. Ops, empresas, Alive Beats, Alive Records, Rakavi, um dos mais importantes – senão o mais- tripés de produções na cidade. Trampos que vão da gravação/captação à produção de clipes em alta qualidade de direção e produção, que inclusive já tivemos oportunidade de noticiar aqui

Mas voltando a matéria prima que mais nos interessa aqui, a música do Rakavi, os caras soltaram em 2016 o seu primeiro disco cheio: Origens (Parte 1). Um disco que precisava ter sido mais falado, diverso nas sonoridades, liricas e flows apresentados. Realmente um disco rico, que ganhou muito também nas diversas participações, contando com Adelmo Jr., Maeed, Daniel Shadow, URSSO e os grupos Família Madá, C2A, OCB, ZRM e CortesiaDaCasa. Uma rapaziada de peso do rap nacional que junto à dupla, elevou o peso e as ideias a enésima potência!

Ao longo de sua caminhada os manos do Rakavi conseguiram firmar aliados em SP e é de lá que os rappers mandam noticias para casa. Com o videoclipe de Perguntas Não Erram uma produção da Alive Beats, o recado dado não somente aos conterrâneos, é de que a banca está trabalhando com todo o Know-how de excelência adquirido ao longo de muito trabalho e humildade.

A semiótica do clipe, a escolha das locações, recaem bem na mensagem, onde os manos são captados em trânsito pela maior capital do país. Agindo, na calada da noite, enquanto muitos dormem ou se divertem, eles trabalham, parece ser essa a mensagem geral que o clipe manda. A direção por sinal não podia ser de outros que não Alive Records. Uma lição do bom e velho Do it yourself. Fiquem ligados por que esses moleques estão jogando seríssimo e sem blefes.

Dentro desse panorama Ciente & Jeff representam dentre outras coisas um cruzamento muito interessante, pois enquanto um esta de volta à cena, traz consigo um novato, estreando. Ciente é baiano de nascimento e criação e sergipano por adoção, enquanto Jeff é aracajuano da gema. E os dois chegam numa pegada mais inspirada numa chave underground. 

Um lançamento também interessante pelo formato, o lyric vídeo acima pode ser comparado aos antigos singles, que possuíam lado A e lado B. “Estágios e Abismo” são duas faixas distintas e complementares, carregadas de mensagens que pregam uma visão ampla diante dos problemas da vida.

Estágios” conta com a produção do nosso velho conhecido FacTual, num beat mais tranquilo, num clima que combina bastante com a lírica dos manos. Os dois nessa parceria rimam sobre a superação de obstáculos diversos, sejam eles sociais, econômicos ou mesmo pessoais. A dificuldade de traçar uma linha própria com foco e visão rumo ao progresso pessoal.

Já em “Abismo“, com a produção de Kammycase, num trap mais pra frente o papo é de enfrentamento. Diante dos abismos que sempre chegam tentadores, os manos propõem uma postura dixavada em lírica, incitando para que consigamos dançar diante do precipícios. Com o ouro lado da moeda, que fecha o ciclo enxortando-nos a aprender com os estágios a valentia de nos arriscarmos. E é isso que eles estão fazendo. 

Duas boas faixas que marcam um momento importante pros dois Mc’s e que pela sua qualidade e pelo seu próprio conteúdo se mostram portadoras de bons augúrios!

Esse rapper reúne habilidades assustadoras e este que vos escreve teve a oportunidade de presencia-lo manipular a realidade de modo a assustar a plateia e a mim mesmo. Não foi algumas latinhas que eu tinha tomado e muito menos a falta de atenção, Pedro Guaraná é um estudante esforçado das diversas artes da magia. E detém o poder de manipular vossas percepções, seja escrevendo para o portal do RND, seja em suas apresentações de mágica, ou ainda cantando.

Critico musical, mágico  e rapper de primeira linha, não entendam mal, o manipular percepções diz respeito exatamente ao quanto esse mano é talentoso em nos fazer ver e sentir coisas diferentes. Sejam colocando-nos véus diante da realidade ou rasgando-os e fazendo-nos ver a verdade o mano manda muito bem.

E aqui – com a música- a sua missão é justamente operar através da segunda opção, o que consegue fazer com bastante veemência. Em pouco mais de três minutos e meio, Pedro estabelece uma potente critica aos dois mil anos de predomínio ocidental em todas as suas terríveis implicações. Mas o mano não fica apenas – o que já é muito – apenas no diagnostico do problemas. Propõem uma reconexão com Gaia, o reconhecimento daquilo que nós somos e a capacidade de cuidando melhor de nós mesmos, estarmos cuidando melhor de nossa mãe. A música é uma pedrada com produção da Alive Beats, “Carta ao Mundo” é o primeiro lançamento do projeto A.S.M

Pedro Guaraná pra quem não sabe, também é um dos integrantes do Alquimia Solar e eu soube de fonte fidedigna que após o lançamento do seu disco, haverão novas produções dessa lenda viva do rap sergipano. Podemos comemorar duplamente, vamos aguardar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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