Nação Zumbi lançou Radiola Vol. 1 um disco releituras deliciosas de grandes músicas, passeando de um Tim Maia obscuro até Bowie e Beatles!!!
Nos anos 90 eles fizeram uma verdadeira revolução na música brasileira com o movimento manguebeat, capitaneados pelo inesquecível Chico Science. Com a prematura partida do Chico, o que parecia impossível aconteceu, Jorge Du Peixe assumiu os vocais e a banda seguiu, agora apenas como Nação Zumbi. De lá pra cá, são seis excelentes e marcantes discos de inéditas, dois ao vivos e três coletâneas oficiais. Além de participações em inúmeros discos e trilhas sonoras, a discografia da banda também inclui parcerias como o disco em conjunto com o Mundo Livre S/A, onde as irmãs criadoras do manguebeat “batalham entre si“.
Estamos falando de mais de duas décadas de banda, um verdadeiro monumento do rock nacional que segue sem nunca ter produzido um disco sequer com pouca aclamação de público e crítica. Para quem era adolescente nos anos 90, é um exercício interessante re-ouvir todos os discos da banda e perceber que mesmo depois de muitos anos, todas – eu falei todas – as músicas são lembradas. Algo bastante incomum para um banda que quase não possui mega sucessos radiofônicos, mas não é estranho para um grupo que criou sua própria estética criativa.
Na última sexta feira os caras mantiveram a escrita e lançaram o delicioso Radiola Vol. 1, recheado de releituras que passeiam um pouco pela “geografia da fome” musical dos cabras. O disco recebeu sua identidade visual das mãos do grande Shiko que produziu a linda capa. O procedimento de um álbum inteiro de releituras pode ser inédito com o nome oficial da banda, mas já possui antecedentes na carreira dos caras. Projeto de muitos anos, Los Sebozos Postizos é uma banda zumbiniana especializada em tocar versões das músicas do grandioso Jorge Ben mas que apenas em 2014 recebeu disco.
Porém, é de outro projeto o antecedente mais direto do Radiola: Seu Jorge e Almaz, disco em que Lucio Maia e Pupilo se juntaram ao multi-instrumentista Antonio Pinto e ao cantor e compositor carioca e gravaram grandes músicas de excelentes nomes da música nacional e internacional. Ali, os caras passearam por um repertório que tinha Noriel Vilela, Tribo Massahi, Michael Jackson e Kevin Ayers. Mas ali também já rendiam homenagem ao grande Tim Maia, assim como ao próprio Jorge Ben dos “sebozos”. Curioso é que o projeto coletivo surgiu quando Du Peixe foi gravar o clássico samba para a trilha sonora de Linha de Passe de Walter Salles.
Poucas bandas conseguem criar uma sonoridade tão própria quanto a Nação Zumbi, a mescla entre os tambores do Maracatu, guitarra, baixo e bateria, assim como as influências musicais díspares, criaram uma espécie de Ornitorrinco musical. Um bicho singular, que afirma uma diferença total apesar dos pedaços semelhantes. E nesse sentido, o termo releituras realmente ganha sua real profundidade pois a aproximação da Nação Zumbi com esses artistas os deixa como mais uma parte desse bicho incomum. O centro de atração dos tambores elétricos absorve com uma suavidade incrível os mais diversos estilos musicais, tornando-os próprios e apropriados.
Já a três anos sem lançar disco, desde o último Nação Zumbi (2014), Radiola Vol. 1 traz 9 faixas, além da participação de Ney Matogrosso dividindo os vocais com Jorge Du Peixe na clássica Amor, dos não menos revolucionários: Secos & Molhados. Encontro imensamente alardeado e recebido com muito entusiasmo pelo público dos dois, infelizmente não gerou um resultado à altura desses dois gigantes em sua apresentação no último Rock’n Rio. Aquela força de atração que acima citamos é também compartilhada pela grande música dos Secos e Molhados, e entre o repertório de uma e a força musical do outro, o que notamos foi uma anulação de ambos.
A música Amor, incluída no Radiola Vol. 1, não compromete pois ao contrário da apresentação ao vivo no festival em questão, as coisas estão nos seus devidos lugares. É o equilíbrio entre os dois cantores, Du Peixe e Matogrosso, o agudo e o grave sobressaindo-se cada qual em seu espaço de alcance sonoro. O peso da banda encontrando o arranjo original da música com suas paradas marcadas aqui pelos tambores.
O mesmo acontece com a deliciosa releitura de Refazenda do Gilberto Gil, que foi por sinal um dos primeiros nomes da MPB a se aproximar e trabalhar junto com a Nação. A música recebeu um arranjo de metais muito bem pensado, em equilíbrio pleno com os tambores e a guitarra de Lúcio Maia.
Outras canções também empolgam pelo frescor, groove e pelo peso acrescentado a memória que delas temos, é o caso de Balanço presente no Tim Maia 1973, e que aqui é uma das mais interessantes do disco. Outra pedrada é a versão para Não Há Dinheiro No Mundo Que Pague, música presente em o Inimitável(1968) do Roberto Carlos. Versão groovadíssima, com a adição de um tecladinho maravilhoso, a exemplo da versão original, mais com o combo guitarra, baixo e bateria elegantes por demais no balanço soul.
Letra psicodélica e gravada no grande disco Carlos, Erasmo (1971) onde ficou conhecida, a composição de Taiguara: Dois Animais Na Selva Suja Da Rua, recebe um arranjo mais atmosférico sem esquecer do peso groovado. Um exercício interessante é ouvir a versão original que recebeu arranjos do grande maestro Rogério Duprat e teve o guitarrista Lanny Gordin, duas das pedras de toque da sonoridade brasileira mais moderna na música popular dos anos 60 e 70. É quase um dialogo entre o Tropicalismo e o Manguebeat, dois dos maiores movimentos culturais que esse país já viu.
No campo internacional, a Nação Zumbi escolheu a Inglaterra e os U.S.A para o seu baba musical, David Bowie, Beatles e o The Specials são os ingleses recrutados. Do Nothing, da banda multiracial de Ska, The Specials, um reggaezinho maneiro e dançante, estrutura mantida pelos caras em sua releitura. Com Jorge Du Peixe cantando num registro mais maneiro, uma letra que conversa perfeitamente com o momento histórico nosense em que vivemos nesse país.
O camaleão é revisitado em sua fase anos 80 com Ashes To Ashes, enquanto os garotos de Liverpool são encontrados em sua virada oriental em Tomorrow Never Knows. Tão díspares os três registros internacionais relidos pela Nação Zumbi, mas que ganham sua identidade sonora no disco sem problemas. Marvin Gaye e sua sensualíssima Sexual Healing chega destemperada, e com os tambores em silêncio, contando com um arranjo minimalista de percussão, guitarra e teclado.
O time da Nação, hoje conta com os supra citados Jorge Du Peixe nos vocais e programações e Lúcio Maia nas guitarras, sempre envenenadas no swingue cheio de wah-wah e com os riffs ganchudos de sempre. Completam o time do núcleo duro, o baixo seguro e malemolente do Dengue, a bateria singular do Pupilo e o percussa manifestado Toca Ogan. A formação clássica permanece e não dão nenhum sinal de cansaço apesar de ser um disco de releituras.
Certamente um disco de inéditas na sequência viria bem a calhar, aliás são sempre muito esperados quando se trata da banda recifense. No entanto, é sempre bom lembrar que nos últimos anos a banda vem diminuindo consideravelmente os lançamentos de inéditas. Entre Fome de Tudo (2007) e Nação Zumbi (2014) foram 7 anos de espera. Pra nos ajudar nessa espera, Radiola Vol. 1 é uma boa pedida e vale muito a pena o play.