Milo Has A Heart Attack – O Legado Dos Descendents

Mergulhamos na discografia do Descendents, quarteto californiano que definiu a cartilha do pop-punk e deu nova identidade ao hardcore.

Os Pais do Pop-Punk Estão Bem

DescendentsNa noite de 27 de julho de 2023, Milo Aukerman, icônico frontman do Descendents, imortalizado, inclusive, no lendário logo da banda, sofreu um ataque cardíaco. Por consequência, como tinha de ser, sua tour de verão pela Europa foi, prontamente, cancelada. O clima ainda era de festa, já que seu disco de estreia completou, em 2022, 40 anos de lançamento, e o quarteto, que já se reinventou tantas vezes, e já teve que, em alguns momentos, seguir em frente sem seu vocalista, que é, literalmente, a cara da banda, só tem mesmo que comemorar mais uma vitória, e declarar que o Milo se recuperou, voltou, e tanto ele, quanto o grupo, estão bem! 

No auge das comemorações dos 40 anos do Bad Religion, banda que me definiu como ser humano, escrevi aqui uma carta aberta ao grupo (clica no link pra conferir), agradecendo por toda a influência na formação do meu caráter, no meu direcionamento como consumidor de música, e como instrumentista e compositor. Nela, citei também o Descendents e seu Milo Goes To College, e como essa banda também é parte do meu DNA, e tá lá entre as mais importantes da minha vida, não existe momento melhor pra fazer o mesmo por esses verdadeiros heróis do hardcore punk.  

Falar em pop-punk hoje é bastante complicado. O conceito mudou muito, e quem cresceu nos anos 90 e 2000, sabe o quanto as definições transcenderam a Gilman Street e o TRL, e hoje já chega a discussões bem mais calorosas, desde que o Travis Barker resolveu comandar todo um retorno do estilo às paradas pop, dessa vez, ao que tudo indica, trazendo artistas de outros estilos para gravar sons que remontam seus tempos áureos de Blink 182. Fato este, que deixa muita gente de cabelo em pé, e não no sentido do gel tão popular na época mais MTV do lado mais pop do punk. 

Apesar de já ter ganhado de muitos o apelido de Pop-Punk President, não cabe a mim trazer aqui o questionamento sobre as reais intenções de artistas como Machine Gun Kelly, Modsun, Yungblud e Willow Smith, deixando seus territórios de sucesso para tentar a sorte em um estilo que sempre se caracterizou pela galhofa e por uma falta de intimidade com a crítica especializada. Até mesmo porque o chefão Travis sempre levou a sua música para o lado das experimentações com artistas de outros universos, vide o projeto Transplants, com o Tim Armstrong (Operation Ivy/Rancid), conseguindo sempre muito sucesso com misturas tão improváveis. Quem não se lembra da polêmica propaganda do shampoo Garnier Fructis? 

A DTA Records, gravadora do homem que transita com sagacidade entre a casa do Minor Threat e as mansões Kardashian, talvez tenha gerado ainda mais papo sobre a definição do estilo, quando trouxe para o seu casting a Avril Lavigne, que tinha sido o que hoje é o hiper premiado MGK, à altura do lançamento do seu álbum Let Go, lá no início dos anos 2000, momento em que realmente se localizou uma leva de artistas que praticava um som mais pop, mas que, enfim, não parecia vir de uma comunidade hardcore DIY. Isso porque o Green Day, Offspring e Rancid já tinham sido questionados lá atrás, mesmo tendo crescido na cena, antes de assinarem com majors, ou estourarem na lacuna aberta pelo Nirvana e o boom da música alternativa, tendo o Green Day até imortalizado seu banimento da Gilman Street na arrebatadora “86”, do Insomniac.  

O fato é que não foi nem com Simple Plan e Avril Lavigne, nem com a classe de 1994, que o pop-punk nasceu. Os Ramones e os Buzzcocks já bebiam muito em Beatles e Beach Boys para fazer um casamento entre o som cru das guitarras sujas do punk de 77, com as harmonias vocais altamente influenciadas pela Motown e pela Surf Music do rock sessentista. Mas se o pop-punk flertava com o power pop no Generation X, com a New Wave no Blondie, e com o rock n´roll dos anos 50 no Misfits, uma única banda merece o título de pai do estilo em sua forma mais lapidada: Descendents. 

Punks Nerds

Formado, despretensiosamente, na Califórnia, justamente no ano de 77, por Tony Lombardo, uma das minhas grandes influências no baixo (e base para a grande maioria dos baixistas do estilo, basta pegar qualquer linha de Mark Hoppus, Blink, e Mike Herrera, MXPX, pra confirmar), Frank Navetta nas guitarras, e seu líder Bill Stevenson, que ficaria, ainda, conhecido como icônico baterista do Black Flag, e um dos produtores mais competentes, exigentes e requisitados da cena, no comando das baquetas. O time ficaria completo quando um fã, que viria a se tornar professor, doutor e referência em biologia molecular, Milo Aukerman, resolveu soltar a voz em um dos ensaios do pequeno grupo. 

 

Descendents
Descendents na estrada.

Como já falei algumas vezes, a clássica série de filmes The Decline of Western Civilization foi uma das minhas grandes companhias enquanto descobria o universo da música, porém, muito mais como uma lupa naqueles recortes de ebulições sociais, do que um olhar de admiração. A decadência e autodestruição do punk e do hair metal não fizeram minha cabeça por mais do que 5 minutos. Os ideais de reconstrução, união e positividade do hardcore e do straight edge sempre foram o meu norte, e bandas como H2O, AFI, 7 Seconds, Sick Of It All, Gorilla Biscuits/CIV, Youth of Today/Shelter, e no Br, Dead Fish, Dance Of Days, Street Bulldogs, já me agradavam bem mais do que os cenários pintados pelos grupos que chamavam atenção pelas escatológicas performances documentadas pelo Decline, apesar do meu encantamento pela sua música. Além do mais, já foi muito desafiador ser fã do NOFX por todos esses anos. 

O hardcore não é apenas sobre o som, é sobre as pessoas, é sobre as relações, é sobre o que se ensina, o que se aprende, e encontrar bandas pra fazer essa troca, em algum momento dos anos 80, e dos anos 90, acabou se tornando um pouco complicado. A cena foi ficando pesada, tensa, e esse não era o meu caminho. Dar de cara com a classe de 94, e dela, ser catapultado para princípios que me faziam me enxergar como parte, e ser abraçado, foi uma experiência indescritível. E o Descendents veio nessa leva. 

Henry Rollins (Black Flag), por exemplo, era um super-herói à frente da Rollins Band na minha época. Henry era esperto, sentimental, dominava o público, mas também era verborrágico, contundente, gigantesco, inatingível, era como Jekyll e Hyde. Mas quando vi o Milo pela primeira vez, era aquilo. Eu era ele. Ele era eu. O cara de óculos, com a mão no bolso, estudioso, invisível para a garota mais bonita e popular da classe, que gostava de estar com os amigos nos all ages shows, de pizza, de Pepsi, de HQs, e da energia do hardcore. Milo não era um super-herói, mas era um herói de verdade, apesar de ter até a sua própria versão para quadrinhos! 

Descendents
Descendents em ação.

O pop-punk moderno estava ali, exatamente como o conhecemos nos tempos atuais. O Descendents era parte daquela cena, seus pares eram todos eles: Dead Kennedys, Black Flag, TSOL, Germs, Fear, Adolescents, Circle Jerks… Mas os elementos que transformaram o estilo no que ele é hoje estavam impregnados naquela pequena banda californiana. Músicas extremamente rápidas, porém, melódicas, vocais doces, refrãos cantaroláveis, as hilárias zoeiras sobre café e fastfood, verdadeiros clássicos do straight edge na forma de “Good Clean Fun”, “Bikeage”, “I´m Not A Loser”, “Tonyage”, críticas sociais ácidas, como em “Suburban Home”, as mais singelas canções de amor como “Get The Time”, e também, as dores mais sinceras que a vida pode nos trazer, como em “One More Day”. E todas essas, vindas de experiências reais e pessoais, que sempre nos aproximavam desses caras, que mais pareciam os garotos da casa ao lado. 

 A discografia dos Descendents é bem irregular. Como todos sabem, o Milo, nosso personagem principal aqui, teve que, por diversas vezes, deixar o grupo, que hoje tem os virtuosíssimos Stephen Egerton na guitarra e Karl Alvarez no baixo, para dar atenção aos seus estudos e carreira na área da Ciência. Fato este, que acabou fazendo com que os demais integrantes dessem continuidade ao seu trabalho na forma do grande All. No entanto, separei 3 discos, não como guia definitivo, mas como boas dicas pra quem finalmente quer saber o real significado do pop-punk. 

 

1. I Don´t Want to Grow Up (1985) 

Milo Goes To College é seu grande clássico, e está, certamente, no Olimpo do hardcore, ao lado de Damaged, do Black Flag, How Could Hell Be Any Worse?, do Bad Religion, os autointitulados do Bad Brains e do Suicidal Tendencies, Out Of Step/Complete Discography, do Minor Threat, (GI), do The Germs, como um dos criadores do estilo. Nele, apesar de uma sonoridade mais crua e rasgada, já temos muito da assinatura do grupo, fazendo com que ele seja o álbum mais diferente de todos os citados. A sensibilidade pop de pérolas como “Bikeage”, e sua estonteante intro, e letras inimagináveis para uma banda daquela cena, como “Marriage” e “Hope”, por exemplo, já mostravam que eles tinham potencial para ir ainda mais adiante com essas doses de sentimentalismo. 

Em seu segundo disco, já depois do hiato, por conta dos estudos do Milo, o grupo se reúne, com Ray Cooper na guitarra, com o intuito de realmente construir um trabalho menos acelerado, com letras mais bem estruturadas, e aqui sim, com todos engajados em fazer um projeto mais pop e radiofônico. E, realmente, 1985 já era um ano em que se podia imaginar composições nesse sentido, já que já se ouvia ecos do post-hardcore e do som das college radios. 

Se você pegar discos icônicos do pop-punk, como Dookie, do Green Day, e Enema of The State, do Blink 182, ou até do emo pop-punk, como Bleed American, do Jimmy Eat World, vai perceber que a primeira coisa que os diferencia do tradicional skate punk influenciado pelo Suffer do Bad Religion, e pelo estilo clássico do NOFX, como várias bandas da Epitaph e da Fat Wreck Chords, é essa mistura com uma sensibilidade que extrapola o punk e o hardcore, e que chega através de artistas como Bob Mould e Paul Westerberg, que realmente transformaram o rock alternativo que esbarrava no noise e na no wave, na década de 80, no som mais popular dos anos 90. E ao que tudo indica, o primeiro disco que conseguiu fazer isso com maestria foi o I Don´t Want To Grow Up. 

Tente não encontrar o Nada Surf, o Foo Fighters (o dream team do hardcore), ou o Weezer em canções emocionantes como “Good Good Things”, “Can´t Go Back” e “Christmas Vacation”! Essas são de encher os olhos de lágrimas! Sem falar, claro, de “Silly Girl”, o blend fatal entre uma canção pop perfeita com a energia do hardcore punk (talvez só “Hybrid Moments” do Misfits possa se igualar nesse aspecto). Uma das músicas que todo mundo sabe, mudou a vida do Mark Hoppus, e é a espinha dorsal de tudo que o Blink, e, por consequência, toda a geração American Pie/Pizza Pop-Punk fez, com letra emotiva e divertida, na base de bateria forte, baixo bem melódico, e riff de guitarra simples e chiclete, tudo sendo transmitido através do vocal solar e pueril do Milo. Puro suco do punk californiano, que ganharia o mundo 10 anos depois. Visionário. Sem falar na estética fanfarrona, que vem, dessa vez, ainda mais aguçada, começando da capa, do título, e das músicas mais hardcore punk, recheadas dessa mistura adolescente entre o ingênuo, o rebelde, e o sarcástico, tanto no som, como nas letras. Estrutura que, novamente, faz parte dos mandamentos do estilo. I Don´t Want To Grow Up é a Bíblia do pop-punk. 

2. Everything Sucks (1996) 

 No fim dos anos 80, o hardcore punk já tinha perdido a sua identidade, e o Suffer, do Bad Religion, inaugurou um novo capítulo nessa história. Suffer definiu o que o SoCal punk seria nos próximos 10 anos, com velocidade, energia, linhas vocais super melódicas, e um conceito de produção totalmente diferente do som áspero e cru, que as bandas buscavam no início da década. O álbum trouxe maturidade pro estilo, transformou o pop-punk e o skate punk em arte, e esse novo som cheio, cristalino e vigoroso trazia tanto peso quanto conseguia mostrar as composições como trabalhos mais palatáveis. Um território perfeito para mais um ciclo dos Descendents. 

Punk in Drublic (NOFX), Dookie (Green Day), Smash (The Offspring), …And Out Come The Wolves (Rancid) já tinham dominado o mundo, e o crossover entre o alternativo e o mundo pop já tinham abraçado o catálogo da Lookout, Epitaph, Fat Wreck, Dischord, Nitro, entre outras gravadoras independentes da cena. Essa explosão abriu caminho para que bandas clássicas também entrassem no jogo, como foi o caso do próprio Bad Religion, com seu Stranger Than Fiction, e parece que, ainda que atrasados para a festa, os punks nerds deixaram o All um pouco de lado para mais um encontro com o Dr. Milo. 

Everything Sucks é o meu disco do Descendents, o disco que me apresentou ao seu universo, e ele realmente traz uma sonoridade atualizada, com foco nos fãs que acompanhavam a nova explosão do punk californiano. O álbum traz o grupo mais veloz e furioso do que nunca, ancorado em canções, inicialmente, compostas para seu trabalho no All. Aukerman entrou em contato com o material, e ficou impressionado com o que os outros estavam fazendo, e junto com a empolgação de ver tudo que ajudaram a construir, dominando as rádios, os festivais, e a MTV, pela primeira vez, resolveu se engajar nas letras e transformar tudo aquilo em um novo retorno da banda. 

Descendents
Descendents em foto promocional.

Bem como o Misfits fez no seu comeback, na fase Michale Graves, também buscando o mesmo espaço que os Descendents, aliando bases quase metálicas à sua sensibilidade pop, Everything Sucks chega fulminante, mostrando a banda abraçando de vez o hardcore, com vocais impressionantes e guitarras altíssimas, cortesia de Stephen Egerton, um dos melhores do ramo (ao lado do Brian Baker  – Minor Threat, Dag Nasty, Bad Religion), sem dúvidas. Basta ouvir as animalescas “Coffee Mug” e “This Place” pra entender o que eu tô falando. Tudo nele é acelerado e urgente, e a banda nunca soou tão pesada. Tudo com o selo de qualidade Epitaph Records. 

Vocês têm 1 minuto para ouvir a palavra do pop-punk segundo Karl Alvarez? Cara, esse homem é impressionante. Além de ser um dos baixistas mais técnicos e criativos dentro e fora do estilo, novamente, grande influência pra mim, Karl se tornou o principal compositor da região açucarada da banda. Se ele já se mostrava um arquiteto de mão cheia em pérolas como “Coolidge”, em Sucks, evoluiu para um hitmaker convicto, responsável pelas melodias mais lindas e empolgantes do disco. São dele, por exemplo, o belíssimo encerramento, com “Thank You”, a impressionante “I´m The One”, carro-chefe do disco, que bombava na MTV, e foi responsável por apresentar o grupo para toda uma geração de fãs, como eu, que só ouviam falar deles em entrevistas com Billie Joe Armstrong e Dexter Holland. 

Ainda sobre as composições de Alvarez, gostaria de um parêntese, justamente para a música que define o álbum e essa fase da banda pra mim. “When I Get Old”, sua parceria com o chefe Bill Stevenson, comprova tudo que falamos anteriormente sobre a compreensão e leitura que o Descendents tem do pop-punk. Seu clipe era como um aglomerado das suas características mais marcantes, com quadrinhos, punks, e a imagem tão forte do Milo, com seu suéter, e seus grandes óculos, em contraste com o visual imprevisível do Fat Mike, o moicano do Tim Armstrong, ou da maquiagem e do devilock do Doyle, que são parte do imaginário do estereótipo punk.  Milo era pura identificação naquele vídeo, era o homem comum, e, por trás das lentes grossas, e da armação gigantesca, era quase como um Clark Kent se tornando um Superman, ao empunhar o microfone. “Old” traz em sua letra o eterno complexo de Peter Pan, tão visitado pela banda, e que se perpetuou pelo estilo, e sua sonoridade só confirma o que falei lá atrás. Aquilo não era apenas hardcore punk, tinha uma marca atemporal em sua melodia, como em grandes canções dos Beatles, Big Star, Cheap Trick, e um charme na estrutura, que casava perfeitamente com o rock alternativo que tomava conta das rádios naquela década, e podia ser tocada, facilmente, em uma playlist com hits do Smashing Pumpkins, Fastball e Breeders, sem causar qualquer estranhamento. 

3. Hypercaffium Spazzinate (2016) 

Evertyhing Sucks deu, enfim, os louros que o Descendents merecia, e os colocou como figura constante na MTV e nos grandes festivais. Tornou a banda maior do que nunca. Infelizmente, era hora de mais uma debandada do biólogo, para dar atenção às suas pesquisas. O próximo passo do grupo, que prometia ser maior ainda, ficou incerto. O All aproveitou o vácuo, e, por também estar em grande fase, seguiu produzindo.  

Nesse ínterim, o pop-punk passou por muitas transformações. O Blink 182, com seu arrasa-quarteirão Enema, que colocou seus rostos em todos os lugares, fosse dividindo as telonas com Jim e Stifler naquela icônica cena, ou na telinha da MTV, tirando sarro dos artistas pop da época, em seu clipe de “All The Small Things”, conseguiu invadir o universo teen e, por consequência, afastar, por completo, o estilo da cena hardcore punk, gerando fúria e descontentamento nos puristas, e vontade em muitos adolescentes de montar sua primeira banda. Grupos como Jimmy Eat World misturaram a energia do pop-punk, com o complexo e atmosférico som do post-hardcore/emo, de bandas como Fugazi, Quicksand e Sunny Day Real Estate, e o New Found Glory, apostou em misturar o estilo com o hardcore de NYC e muitos breakdowns, pra gerar toda uma leva de artistas de easycore. No TRL, e nas redes sociais da época, era possível ver o pop-punk se transmutar todos os dias, da geração American Pie do Fenix TX ao Sad Boi do Story So Far, passando pela fase colorida do neon pop-punk do All Time Low, revelando seu auge, quando bandas vindas de pequenas cenas locais do straight edge, como Fall Out Boy e Paramore, estouraram no mundo inteiro, ganhando status de boy/girlbands, marcando a fase mais popular do estilo. 

Ao contrário do que aconteceu na geração “EpiFat”, apesar da Hayley Williams e do Pete Wentz, estarem sempre com suas camisetas do Minor Threat, Youth of Today e All, parece que as grandes mídias não se interessaram em abrir muito caminho para trazer as bandas veteranas para essa pop punk pizza party, como ocorreu na primeira explosão, lá nos, agora, longínquos, anos 90. Lembrando que o Andy Hurley (Fall Out Boy) até tocou no Earth Crisis, no Vegan Reich, e fundou o SECT, com outros ícones daquela década. O Green Day e o AFI se reinventaram, visual e musicalmente, e ficaram como única referência no meio da nova safra. O Descendents até que ensaiou um retorno tímido com o fabuloso e politizado Cool To Be You, de 2004, lançado, dessa vez, pela Fat Wreck Chords, trazendo até o Chad Price, do All, nos backings, e que foi bem nas paradas. O trabalho foi seguido de mais um hiato, para que o Professor Aukerman pudesse dar seguimento às suas aulas de Biologia. 

Depois do período mais triste da história da banda, fase em que o líder Bill Stevenson passou por uma cirurgia no coração e uma longa e tensa caminhada para detectar e retirar um tumor no cérebro, de volta à Epitaph, o Descendents lança, o que considero ser, o seu disco mais maduro. Hypercaffium Spazzinate é uma seleção das composições mais sofisticadas e elegantes da carreira do grupo. Nas letras, toda luz e positividade que eles sempre irradiaram, agora como uma verdadeira mensagem de amor e agradecimento pela vida e pelos fãs 

No som, suas melhores performances enquanto instrumentistas, sem dúvidas. Os vocais são menos gritados, eDescendents os mais belos e empolgantes de toda a sua carreira. Encaixam-se perfeitamente nas músicas, que são as mais técnicas e melódicas que já fizeram. Os coros são, simplesmente, emocionantes em petardos como “On Paper’, “Shameless Halo” e “Smile”. A bolacha revela, inclusive, uma inclinação ainda maior do grupo para uma sonoridade mais próxima do classic rock, com timbres mais sóbrios, provando que eles não precisavam seguir as tendências do estilo para se encaixar no mercado. 

Apesar de sua divulgação ter sido um pouco prejudicada pelo seu polêmico título, a produção forte e cristalina, canções doces e esperançosas, como o hit “Without Love”, que traz toda a carga da jornada recente do Bill Stevenson, junto com a já citada “Smile”, “I Like Food”, e “Comeback Kid”, todas sobre o mesmo tema, fizeram com que os Descendents, depois de 4 décadas, atingissem suas posições mais altas nos charts, como, por exemplo, o número 20 da Billboard, e vivenciassem seu momento mais musical e feliz, desde Everything Sucks.  

Já ouvi de alguns fãs que não conseguiram se apegar ao disco, principalmente, pela ausência de andamento mais acelerado, como acontecia nos anos 80 e 90, ou pelo seu caráter bem solar. Acontece que o Hypercaffium não é sobre o hardcore, sobre a cena, ou sobre música em si, é sobre tudo que os Descendents sempre acreditaram, sobre quem eles sempre foram, seres humanos comuns, que enfrentam batalhas comuns, no amor, na família, no trabalho, nos estudos, na saúde e na doença, e sobre como podem fazer uma música que possa se relacionar com as pessoas, e trazer um pouco de coração para aqueles que estiverem ouvindo. Eu ouvi muito esse disco por diversos momentos tensos e delicados ao longo dos anos, e sempre que preciso passar por provações, e me reencontrar, ele é um dos que me dão força pra me lembrar de quem eu sou.  

Not A Punk

O pop-punk também tem seus problemas, e muito do seu material e comportamento não envelheceu bem. Certamente, algumas letras e piadas não seriam aceitas hoje, e não devem ser mesmo, e o Green Day e o Blink, e até o NOFX, que vão na frente, furando a bolha, já encontram vários questionamentos pelo caminho, e, às vezes, sofrem para encaixar aquela atmosfera de outrora nos tempos atuais. O estigma também está presente no conteúdo do Descendents, mas Milo Aukerman, Bill Stevenson, Karl Alvarez e Stephen Egerton são caras simples, que seguem cantando “I´m Not A Punk”, como uma forma de perguntar sobre o seu lugar no mundo. Como uma forma de afirmar que sua atitude não reside apenas nos gritos, nos palavrões, nas piadas que parecem ser tiradas de uma fala do Steve Stiffler, ou em um grande moicano ou uma jaqueta cheia de spikes.  

A jornada do Descendents é para dar voz a quem não se identifica, a quem não se encaixa, e mostrar que você também pode encontrar uma comunidade de outras pessoas que não se enxergam em alguma estrutura, e nela, dar apoio uns aos outros. Essa carta foi para dizer um “sejam bem-vindos de volta, amigos”, e celebrar essa história em cada frase daquela canção que fala que nós os ouvimos por vocês conseguirem colocar na sua música tudo aquilo que não conseguimos dizer, com isso, nos fazer sentir fortes, em nossos momentos mais fracos, e que explode naquele refrão “thank you for playing the way you play”. 

 

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