Sagacidade na Metrópole (2022) Você já ouviu o EP de Galf AC x Goribeatzz?

Em quase 6 minutos, o pequeno EP Sagacidade na Metrópole do MC Galf AC e do beatmaker Goribeatzz sintetiza uma série de questões com louvor!

Em seus últimos trabalhos – e não são poucos – Galf AC tem operado uma linha de montagem, uma “factory” lírica que encontra poucos pares em nosso país. Seja em seu trampo solo, com Gil Daltro no Projeto Vapor ou ainda com o supergrupo Anti-Lock, a régua deste senhor está sempre buscando puxar os seus próprios limites, caminhando para responder aos problemas que enquanto artista ele levanta e assume. 

Seja em produções com o inglês Giallo Point ou com a entidade não localizável geograficamente Traumatopia, o seu estilo tem cada vez mais sido lapidado. Suas origens no grindcore ficam cada vez mais escuras se formos observar o tempo de suas músicas e isso está plenamente presente na pequena cápsula: Sagacidade na Metrópole (2022). 

São músicas curtas, totalizando quase 6 minutos ao longo das três faixas, porém apresentando uma duração que não pode ser cronometrada e é aqui que metade da grande força deste trabalho se concentra. Parceria com um dos grandes beatmakers da nossa história, Goribeatzz, o trabalho apresenta o refino ora agressivo, ora contemplativo, que são algumas das possibilidades do boombap.   

Falsos Problemas – Um interlúdio 

Hoje em nosso país, começasse a ter a verdadeira dimensão do trabalho fundamental dos beatmakers, valorização, visibilidade, tem ocorrido e grandes nomes como Lincoln Rossi, Dr. Drumah, Sono TWS vem alcançando os patamares devidos com suas produções. Deveríamos ter a consciência de que uma música rap é feita pelo MC e o Beatmaker, não tendo um, maior importância do que o outro, por óbvio que isso seja não é consenso. 

Por ignorância ou por uma falsa concepção estética do que seja a música, ou não se valoriza o beatmaker ou quer se fazer acreditar que o MC é mero instrumento do produtor. Ora, por definição Rap é Música e Poesia, será que deveria haver aí uma porcentagem que não fosse metá metá? 

As timelines enchem nossa subjetividade de besteiras, bobagens com as quais devemos lidar da forma adequada, demolindo e expondo o quanto certas ideias vomitadas são isso: o colocar para fora de algo não foi assimilado pelo organismo. Tanto o beat quanto a poesia funcionam sozinhos e inclusive são formas de arte autônomas, música e poesia!

Sagacidade Uma paisagem sonora, três afetos: suspense, relaxamento e resistência!

Ao longo das três “pequenas” músicas que compõe Sagacidade na Metrópole, Goribeatzz e a sua artesania experimentada no boombap, criam um pequeno bloco sonoro que uma vez decomposto nos apresentam aos infinitos do cosmo. Nos fazendo compreender a complementaridade da dupla aqui em questão. Abrindo mão de um vasto repertório musical, a construção rítmica que Goribeatzz cria abre-nos a topologia afetivo-musical sob a qual Galf AC construirá suas visões. 

O maestro do grande Tetriz (Ramiro Mart e Matéria Prima), tendo já trabalhado com grupos como Antiéticos e MC’s como Mahal, ou em seus trampos solo como nos dois volumes de Algoritmos, tem batuta afiada. Goribeatzz joga com temperos que cozinham os beats nos apresentando mesmo em um trabalho tão curto, um menu amplo de possibilidades. 

Criando uma atmosfera que desencadeiam afetos próprios a cada segmento do EP, o beatmaker erige uma paisagem sonora que dá conta da parte musical de Sagacidade na Metrópole, em sua metade musical. Impulsionando em nós ouvintes uma compreensão corporal do que o trabalho quer passar, do que quer fazer passar. 

Sujeira em equilíbrio, complexidade simples, a lírica grindcore!

“Que a caminhada seja luz no contraste da noite nua”  

A produção de imagens poéticas é parte fundamental do trabalho de um verdadeiro MC, encapsular ideias e conceitos em versos, gerando visões para o ouvinte é uma das características fundamentais dos poetas das ruas. A rua é de onde se extrai essas visões, a vivência neste sentido não pode ser maquiada, transparecendo assim com a força do talento. 

Obviamente – mais uma vez – a leitura, o consumo de informações e de outras artes é aquilo que junto ao talento e ao trabalho vão ajudar a enriquecer os versos. Junto a isso, certamente o posicionamento existencial e consequentemente político darão o tom das obras. Galf AC tem colocado pra fora um volume imenso de produções que são fruto de uma caminhada ziguezagueante pela música. 

Grindcore, rock e rap constituem o seu currículo. Artista inquieto, pixador, instrumentista e MC, ele alcançou uma posição ética pouco vista, um respeito das ruas e da cultura hip-hop que hoje tem catalizado suas produções. É nesse caleidoscópio de referências que o artista tem plasmado com flows impactantes, seus trabalhos.

A dificuldade de um homem preto e periférico em conciliar os dons e as dádivas de ser MC e pai, atravessam dificuldades estruturais imensas. Porém, não tardiamente Galf AC adquiriu a expertise necessária para o enfrentamento destas questões e com generosidade nos comunica, em forma de arte. 

O título deste EP está muito além de uma mera nomeação, de uma projeção ou mesmo de um embuste projetivo. Galf AC enquanto poeta é uma das personificações da Sagacidade na Metrópole, em Salcity isso é notório e amplamente conhecido, por quem está e vive a rua, seja através da cena de música extrema, seja pela cultura Hip-Hop. 

No entanto, sujeira demais nas ruas causam doenças e morte, assim como erudição sem refinamento, neste caso vivência, é discurso meramente para agradar acadêmicos. Em seus versos, Galf AC vêm agregando um vocabulário, uma sintaxe através de flows cada dia mais refinados. Soprando em nossos ouvidos ideias de luta e insubmissão que estão a milhas de distância das palavras de ordem vazias e do discurso conceitualmente preparado para agradar um público classe média ou lacrador. 

Galf AC x Goribeatzz, Pragas deste sistema imundo!

Assim podemos perceber, que a grande beleza da música rap é a complementaridade entre música e poesia, não um escalonamento de importâncias. Uma hierarquização da qual quem está na pista de coração aberto quer fugir. É essa “Sagacidade na Metrópole”, onde denúncia, amor, amizade, autonomia, sexo, resistência do povo preto, respeito pelos semelhantes, que nós admiramos no trabalho. Aqui está de certo modo a essência hip-hop que os artistas colaboraram para nos ofertar, 

O suspense musical como trilha sonora presente na faixa de abertura Cria das Ruas, abre a rua para Galf transmitir ideias de progresso e atenção contra as armadilhas – vivenciadas – montadas para pegar favelado preto no pulo. Denúncia contra o genocídio negro, apologia ao comunitarismo, ao trabalho coletivo quase como uma predição sobre o que foi e o que deverá ser o trabalho dos MC’s do futuro: seguir na luta!

Conversas no íntimo, Smokin Talk enfumaça uma forma de introspecção a dois, ou mesmo a quatro. Eu&Eu, a erva e a amada, formam o corpo que se atravessa, entre fumaças e fluidos, pensamentos e sensações, outras condições de perceber o mundo e o outro, assim como a si mesmo, processo de abertura. No cultivo de relações que impulsionem uma desacelaração na velocidade deste capitalismo de fragmentação subjetiva e o consequente controle. Goribeatzz diretamente do Hell de Janeiro, manda um beat étero, cadenciado no nível de percepção chapado ou leve como depois de uma transa!

Encerrando em looping a Sagacidade na Metrópole, “Filhos do Subsolo” apresenta um beat em loop que conduz as rimas em clima de faroeste contemporâneo, Goribeatzz pique Enio Morricone. Galf AC rima por exatos um minuto e oito segundos, quase como um storyteller grindcore, de poesia intrincada, relacionando os desafios dos foras das leis. Dos excluídos da sociedade que encontram suas próprias formas de sobrevivência nesta sociedade do espetáculo, em tempos de redes sociais. 

A faixa e o EP se encerra em forma de triangulação, com uma rima que ao mesmo tempo é uma convocação para os necessários agenciamentos nas ruas, quando nos reconhecermos como aquilo que devemos ser, ou que já somos. Sem buscar aprovação daquilo e contra o que se luta: 

“Somos pragas neste sistema inútil, justiça aos cativos, riqueza pro submundo. Filhos do subsolo, que fazem dinheiro oculto no culto que é regido com os beats rumo ao triunfo”  

Tá fora de moda, sabemos, mas seguimos: Contra a branquitude e seu estado democrático burguês e todas as suas doenças europeias, todas as suas formas de opressão e genocídio! É esse o sentido que também está presente na bela capa feita por Jean Alejandro. A mix e master é do grande Ramiro Mart!

-Sagacidade na Metrópole (2022) Você já ouviu o EP de Galf AC x Goribeatzz?

Por Danilo Cruz 

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