DNGUNI sampleando o Engenho Velho, a fúria negra ressuscita outra vez

DNGUNI sampleando o Engenho Velho, a fúria negra ressuscita outra vez, o rapper baiano chegou na cena com uma rajada pesada de lançamentosDNGUNI

“Pretos Caçando Tipo Guepardo” O MC baiano DNGUNI vem há um ano na cena se desenvolvendo e soltando trabalhos que precisam ser conhecidos!

Buscamos sempre conhecer novos trabalhos, e em se tratando do Rap feito em Salvador, é bem difícil não deixarmos passar alguma coisa. São muitos os lançamentos, são muitas as produções e são escassas as estratégias de comunicação bem pensadas. Porém, contamos com a amizade, com a solidariedade e com a forte empatia que é fruto da admiração e da luta pela cultura hip-hop. 

O bairro do Engenho Velho de Brotas é uma das dezenas de pólos culturais espalhados pela cidade, contendo uma história riquíssima dentro de um território que segue sendo vítima das políticas de exclusão e do genocídio negro. DNGUNI é um rapper que começou a pouco sua caminhada dentro da cultura hip hop, mas que em seus audiovisuais e EP’s tem sampleado com bastante destreza esse velho engenho. Local onde já residiram ou residem mestres e atores da cultura baiana e brasileira da envergadura de Moa do Katendê, Mestre Bimba, Castro Alves e Pierre Verger, Negrizu, Márcio Victor, Ninha e Márcia Short e OZ (ATTOOXXA) que ainda residem por aqui.

Foi no bairro do Engenho Velho de Brotas onde o afoxé Badauê nasceu, aqui ainda existe os Sambas Jaké e Leva Eu, clássicos do samba junino soteropolitano. A escola Winnie Mandela e o líder ativista e escritor Hamilton Borges do Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, são movimentos de luta e resistência Pan Africanista localizado inicialmente aqui. Um dos MC’s e grafiteiros mais respeitados da cidade é daqui dazarea mesmo: Sabótico. E esse breve levantamente, é apenas para dar a conhecer que desconhece a força desse bairro. Sua força artística e de luta, sua enorme capacidade de criação cultural, um bairro onde negros e negras se fazem mestres. 

“Eu descobri a arte, agora é cheque mate, um espaço para mim em marte, não na cela do DENARC, quero ver meus filhos brincando no parque”

Por pouco, quase perdemos DNGUNI para a Legião Estrangeira, porém por conta de apenas um ponto no psicoteste ele foi reprovado e no final de 2018, em meio a atribulações da vida e a uma falta de perspectiva do que fazer, sentiu em si mesmo o chamado da cultura hip hop. Convocação que tem respondido com muito trabalho, e com um talento que tem se desenvolvido progressivamente. E dentro desse processo, o MC tem sampleando toda sua vivência dentro do bairro assim como o conhecimento de sua história, transformando a herança local em peça chave para sua caminhada.

Com muitos lançamentos ao longo de 2019, DNGUNI lançou dois discos Deja Vu (2019) e Êxodo (2019), discos de muita combatividade, onde ele vem lapidando sua técnica e ao longo de 19 faixas é só ideia reta. Ancorando sua arte dentro de um perspectiva Pan Africana, aqui não é papo de lean, de brincadeira ou gozolândia, antes a busca do resgate, do rap como arma de combate. Ele que serviu por quatro anos no exército e alia o conhecimento militar às vivências pelas ruas, produz realmente uma arte bélica. 

Os beats presentes em seus primeiros discos são na sua maioria do grande produtor baiano Dactes Beats, mas tem também algumas produções do mano Kimetsu Beatzz. Em Deja Vu, o disco traz as participações de Young Ploya e de Kwanza Jagun Dudu. Em Êxodo, podemos ter o prazer de ouvir a voz da pequena Makeda de apenas 13 anos, filha do DNGUNI e já colando nas gravinas! São dois discos que valem bastante a penas ser escutados, daquelas produções que o hype dificilmente conseguirá alcançar pela espontaneidade, pela coragem no enfrentamento dos temas e por podermos perceber um artista que se apresenta sem filtros.

A questão temática presente nesses discos é também uma atração a parte pois ao longo de todas as faixas, o escurecimento das ideias é real, os relatos do cotidiano das quebradas é vivido, mas sobretudo a direção da poesia é a luta negra. Faixas que abordam a violência policial, o racismo estrutural, o feminicídio e a homofobia compõem boa parte do trabalho. Todas essas lutas aliadas a uma visão muito escura do hip hop, da integração racial, da palmitagem  e da exclusão de homens e mulheres negras dos melhores postos de trabalho. Sem se enquadrar em uma sonoridade ao longo dos trabalhos vemos beats tanto na linhagem do boom bap quanto do trap, mas pouco importa, DNGUNI bagaça em quaisquer sonoridade.

“A morte pros meus vieram cedo, com a caneta amorteço a dor, amorteço o medo”

Com um conhecimento apurado da história geral, da história do continente africano e consequentemente com uma visão aprumada sobre o seu entorno, DNGUNI soltou a primeira peça audiovisual do seu próximo disco: Flor do Deserto (2020). Contando com a participação luxuosa de um dos mestres da dança no Brasil, Negrizu que marcou história no afoxé Badauê, aparece no Dique do Tororó junto as esculturas dos Orixás, transformando em movimentos corporais belissímos toda a luta e a ancestralidade do nosso povo. 

O clipe tem a direção do Ramires AX, que tem se destacado bastante em suas produções, com a Em Quadrado Audiovisual. Muito bem filmado e dirigido, DNGUNI rima num beat do Invonker com qualidade e relata os sofrimentos históricos que desembocaram nessa foz de fascismo em que nós estamos. Rio de Contas é o terceiro single, e o primeiro audiovisual onde ele segue sampleando a história do Engenho Velho, ao escolher a locação e ao trazer uma das figuras mais emblemáticas da cultura e da arte do bairro. 

Poucos metros acima do Dique, no Solar da Boa Vista ao lado de onde já foi o Hospital Juliano Moreira e onde se localiza hoje um teatro, DNGUNI segue buscando a saúde através da arte preta. Aqui Ramires Ax foi o responsavel por Em Quadrar um bonde pesado que reuniu entre outros manos o Young Ploya e o skatista, pixador, grafiteiro e MC Sabótico. O beat dessa faixa ficou por conta de Kimetsu Beatzz, e as linhas seguem violentas e agravantes, num trap.

O que DNGUNI opera nos beats de trap é utilizar metricas consagradas mas impor nelas conteúdo próprio, um discurso racialmente carregado pro combate, e ainda aplicar construções diferentes do usual. Pega mais essa pedrada que irá compor seu próximo disco!

“Presidente é Racista e Fascista, Provou que a Desgraça Conquista”

Homem negro, artista compromissado com a cultura hip hop e com o seu povo, pai de família lutador, DNGUNI deu mais um passo para o lançamento de Flor do Deserto (2020). Outro audiovisual de muita qualidade e novamente no fechamento com o mano Ramires, dessa vez o entorno do Solar Boa Vista foi o cenário, e um bonde pesado colou na gravação. Enquanto muitos possuem a possibilidade de ficar reclusos, outros estão na batalha cotidiana, e o caso de DNGUNI que não sai das ruas e devidamente protegido com mascaras da Arte Bastarda, filmou o clipe.

Contra o estado e sobretudo contra o atual governo racista e fascista escancarado, numa produção do OGMANSH4, e num beat do Kimetsu Beatzz ele rima a verdade de suas experiências, escolhendo as palavras para a luta, consciente de sua posição, o MC segue na luta! Estamos diante de um artista que chegou com uma disposição pouco vista no cenário, com uma enxurrada de trabalhos e que vale muito a pena ser conhecido.

A fúria negra ressuscita outra vez, porque todas as vezes que um preto parte pro combate como DNGUNI encarnando um rap de luta, o sistema treme e quer apagar. Enfrentamento racial de um mano que sempre foi público dos eventos de rap locais, apoiando a cena, mas que há mais ou menos um ano, resolveu assumir a responsabilidade do mic, passar a protagonista.

Já são dois discos, uma meia dúzia de clipes e alguns singles, Um novo artista que tá botando a cara, grandão e sem medo, e que já está no preparo do seu terceiro disco. Ancorado na tradição do seu bairro e usando dos espaços que habita cotidianamente, seus clipes são quase documentários, acompanhado de vizinhos que são outros artistas, isso é samplear um velho engenho. Flor do Deserto vai brotar esse ano ainda, e com certeza você vai conferir aqui no Oganpazan. 

– DNGUNI sampleando o Engenho Velho, a fúria negra ressuscita outra vez

Por Danilo Cruz 

 

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