Djonga em uma apresentação que traz todo o peso de sua caminhada. Guilherme Espir esteve no SESC Pompéia e nos conta tudo aqui.
Quando você é negro, cara, não adianta, qualquer coisa que tu precisar fazer, pode acreditar que vai ser mais difícil. Se você for um cineasta, pode crer que antes de ser premiado, vai ter que lançar mais filmes do que qualquer produtor branco. Veja o Spike Lee como exemplo.
Tudo é mais difícil, principalmente em termos de produção artística. Quando o foco ganha as margens do contexto social, é ainda mais nítido como a desigualdade impera. A maioria da população brasileira é formada por negros, mas ainda assim eles são caracterizados como “minoria”.
Mas se a minoria é maioria, está na hora de fazer alguma coisa, certo? “We Gotta Take the Power Back”, já dizia Zack De La Rocha, em tempos de Rage Against The Machine. Está mais do que na hora das pessoas compreenderem que a resistência da história é forte demais pra ser ignorada.
Ela ganha Cannes em Paris com o curta metragem do Baco Exu do Blues e quebra a internet com o antológico “This Is America”, do Childish Gambino. Mas a maior contribuição da cultura negra na arte contemporânea está dividida em 2 pilares: o questionamento no que diz respeito à apropriação cultural e a discussão sobre o protagonismo dessas raízes, em diversos níveis da sociedade.
E hoje em dia, o Brasil vive uma verdadeira ebulição no cenário musical independente. O que não falta são músicos negros se posicionando, nomes como Luedji Luna, Anellis Assumpção e Xênia França, por exemplo, estão não só questionando mitos já enraizados, mas também ressignificando seu impacto para a posteridade.
E dentro dos diversos ritmos e estilos que estão ajudando a reconstruir essa história, acredito que o Rap seja o melhor nicho para compreendermos a força desse atual momento. Adaptando os versos do poeta mineiro, Djonga – o alter ego de Gustavo Pereira Marques – fica claro como as regras do jogo estão mudando, mas ainda tem muita coisa pra ser questionada e o mineiro faz isso como poucos.
Desde 2017 com o lançamento do seu primeiro disco – o excelente “Heresia” – Djonga está fazendo barulho na cena. Com 3 discos antológicos nos últimos 3 anos, o compositor desafia qualquer artista/compositor a se manter tão prolífico e ainda assim tão consistente. Em 2018 o menino queria ser deus e pra fechar sua primeira trilogia, em 2019 ele criou o signo “Ladrão” e colou no SESC Pompéia pra promover o lançamento oficial com duas datas esgotadas no dia 19 e 20 de junho.
Uma licença poética pra representar todos os pretos – estejam eles no topo ou não – quando o Djonga se identifica como ladrão, ele desconstrói o homem negro. Professor, escritor, cineasta, atleta… Se for preto é Ladrão.
Ele foi categórico e conforme seu set de 90 minutos se desenrolava, temas como “Junho de 94”, “Hat Trick” e “Olho de Tigre”, por exemplo, revelam diferentes aspectos do homem negro. É como se fosse uma nova proposta de homem vitruviano e o maior barato nisso tudo é como esse signo é poderoso.
Muita gente não entendeu a grandeza desse ladrão. O conceito vai muita além de bater uma carteira. Com toneladas de escárnio, Djonga continua inabalável em seus argumentos para reposicionar a ordem da cadeia, até por que tem uns cara aí que é foda, o mais perto que cês chegaram do morro é no palco favela do Rock In Rio.
Ser Ladrão para o Djonga é a realização do sonho de qualquer mano de quebrada. Ele é relevante, se posiciona, representa seus fãs até em bate cabeça e mostra que não existe problema em ser Ladrão, o único problema é você que não entendeu.
Fala sério meu bom, você acha mesmo que é heresia? Não é heresia não, é só uma piada interna, até por que o menino que queria ser deus chegou aos céus acreditando nos seus ideais, batendo no peito com orgulho e falando ao vivo na Globo: Eu sou ladrão.
O preto que ri por último, pelo visto, ri melhor. Brilhante.
– Djonga: o pai do Jorge é foda
Por Guilherme Espir do Macrocefalia Musical
Fotos por Rodilei Morais/Abc do Abc