Inspirando-se nas tradições ancestrais e olhando para o futuro, o BeatBass High Tech produz a música para um presente rico em evolução rítmica e poética.
Estreando em seu primeiro disco, o duo carioca BeatBass High Tech produz em Luzes Sonoras um amalgama muito rico e original, misturando ritmos e texturas inspirados no melhor que a música negra já expressou e pode expressar. Territorializados em Volta Redonda – RJ, essa dupla consegue junto ao luxuoso e competentíssimo auxilio da banda Amplexos, desenvolver um som que passeia por entre fronteiras diversas em se tratando de música preta.
Abrindo mão de um procedimento que ao longo das músicas quase nos faria pensar em uma enorme colagem de ritmos, nos seduzindo com uma proposta que pega pelo já conhecido, mas também pelo frescor desses novos arranjos, melodias, harmonias e letras. O que nos leva a concluir não se tratar de mera colagem aquilo que escutamos no decorrer das faixas que compõem o álbum, mas sim da capacidade de criar utilizando-se de linguagens diversas e de muitas influências dispares.
Linguagens e influências que se encontram numa experimentação muito rica, se colocando na capacidade de variar e dosar ijexá, dub, reggae, música eletrônica, samba, funk, rimas do rap, rock, enfim uma miríade de sabores musicais que encontram nesse caldeirão os temperos e o preparo adequado. E convenhamos que, a guisa de ecletismo, mãos inábeis fazem muitas vezes o caldo entornar quando não oferece-nos pratos mau preparados e indigestos. A produção refinada de Jorge Luiz Almeida não deixa que se passe do ponto correto. A música popular aqui se encontra sem nenhum traço de gourmetização ou modernização forçada, não existe exageros, tudo se apresenta redondinho, recebendo os traços, as pitadas e mandingas que lhe conferem a originalidade da feitura.
Como excelente complemento para essa alquimia sonora, encontramos letras muito bem construídas, explanando ao longo das faixas muita espiritualidade e autoconhecimento. Abrindo mão de conteúdos panfletários ou e ideológicos explícitos, as composições passeiam numa chave poético filosófica. Composições essas de muita beleza, portadoras de leveza e simplicidade no que tange a assuntos complexos como a elevação espiritual defumada em pressupostos das nossas religiões de matriz africana e indígena.
União do corpo com o espirito para além das dicotomias que historicamente separarão essa unidade no jogo empobrecedor da nossa herança judaico cristã. O ego erotizado num corpo consciente, o benzer e o dançar com a alma desnuda, sem dor nem pecado, no viver em torno da busca pelo verdadeiro encontro. E nesse jogo encontra-se letra e música num conjunto uno e forte o suficiente para fazer os corpos balançarem enquanto as consciências se expandem.
É difícil mensurar o quanto um disco durará, alcançando seu real lugar dentro da tradição. Mas é certo que Luzes Sonoras brilha em direções se não inauditas pelo menos em combinações singulares como ainda não se ouviu nessas terras em que eles mesmos percorrem. Esse disco se afirma como uma estreia deveras singular, aparecendo entre nós como se feito por veteranos. É obra feita por mestres aprendizes, por pesquisadores, sem academicismos, coisa de uma dupla de cientistas malucos (Pablo e Raphael), capazes de juntar influências diversas.
Samples de Joãozinho da Gomeia encontrando Jorge Ben, que conversa com Toots and The Maytals, George Clinton sendo chamado pra reger a Orquestra Afro-Brasileira. Gilberto Gil e os manos do OQuadro, lado a lado, numa festa realmente influente da música popular e ancestral brasileira, da americana do norte e central, encontrando Áfricas. Diásporas percorridas por ouvidos certeiros e por uma intenção genial em amalgamar ritmos e influências diversas da música negra, numa espécie de puzzle em que a cada audição revela um novo elemento.
Escutar Luzes Sonoras é um exercício que ganha força a cada audição, como se estivéssemos realmente diante de uma verdadeira experiência religiosa. Encontrando os pontos onde podemos nos religar com a terra vista como local do sagrado por natureza, aliás, na própria natureza do sagrado. Um farol forte construído com muita consciência de sua cosmicidade, sem fronteiras de nenhuma espécie, sem se prender a gêneros musicais ou ritmos, num lindo exercício de liberdade. Afirmação plena de diversas matrizes espirituais do nosso país, dos índios do Xingu, passando pela umbanda e pelo candomblé, até os cultos amazônicos da jurema e do santo daime. Mas não espere encontrar senão a depuração poética e rítmica desses aspectos religiosos e do conhecimento ancestral que estes carregam. Não se trata de doutrinação, mas de queimar as folhas de cada uma dessas referências visando alcançar sua essência.
Abro mão de resenhar de forma mais analítica (num faixa a faixa, por exemplo), preferindo um exercício mais impressionista da sensacional quantidade de referências e perspectivas que o disco oferece. Me dei a liberdade de meramente apontar algumas das direções que esse farol nos apontou. Pois entendo que a mensagem e a condução oferecidas em Luzes Sonoras encontrará sua verdade na audição de cada um, tornando qualquer exercício explicativo empobrecedor, pois limitante da polifonia e da plurivocidade de sentidos que o disco carrega.
Talvez seja essa sua força maior, a capacidade de não se fechar em nada, obra aberta, para lembrar o mestre Umberto Eco, que encontra na audição bem resolvida seus caminhos e sua vida. Só me restando recomendar vivamente que se escute essa obra linda e prenhe de signos a serem desvendados por vocês caros leitores.
Você pode baixar o disco indo diretamente no site dos caras aqui. E pode ouvir essa belezura aqui embaixo, vai que não tem erro: