Anarriê Rap é uma tentativa de pensar caminhos sonoros para o Rap, que em nosso país incrivelmente segue uma homogeneização cada vez maior!
De norte a sul do Brasil é possível ouvir música rap que pouco se diferenciam musicalmente, certamente com flows e rimas distintas, mas com produções musicais próximas. Algumas vezes o sotaque e as referências territoriais presentes nas letras localizará a escuta, mas talvez de modo geral as sonoridades alcançadas se repetem. Curiosamente, o rap como cultura do sampler tem minguado ou buscado se referenciar muito em sonoridades gringas, num país de dimensões continentais com talvez a maior diversidade musical do mundo isso é algo preocupante.
Durante muito tempo e hoje ainda, há uma predileção pelas origens dos samples tirados de clássicos do funk soul norte americano, quando não do nacional. Tim Maia, Jorge Ben, Black Rio e outros grandes gênios da música negra brasileira foram durante muito tempo as fontes prediletas dos Dj’s e produtores nacionais. É preciso lembrar que o Hip Hop é uma cultura urbana e norte-americana, e que por esse motivo ao longo de sua história, a Disco music, o Soul-Funk, Jazz e até o próprio Rock entraram em sua formação musical. Sendo assim, em sua chegada ao Brasil procurou-se o equivalente nacional do método utilizado no celeiro mundial do gênero.
Como citado acima, no Brasil a música black serviu e serve de substituto das referências gringas, dando-nos um tempero mais nacional nessas construções musicais ao longo da história recente. Mas também o samba já entrou e ainda entra em produções, desde que Marcelo D2 deu os primeiros passos com o clássico Eu Tiro É Onda (1998) e inseriu um samples de Baden Powell (Canto de Ossanha) na sua música 1967. Mas não ficou por aí e podemos ouvir nesse disco referências a Jovelina Perola Negra, uma música nomeada de Samba de Primeira e a Batucada, onde o samba começa realmente a ser incluído no DNA musical que depois o rapper carioca iria desenvolver.
A proximidade do samba com o rap é algo evidente nas construções da malandragem, nos temas das letras que reivindicam questões sociais e como manifestações musicais urbanas. As duas são filhas dos guetos de predominância negra. E também diferenciava as produções como música que tem o seu caráter mais nacional. No entanto, é de algum modo assustador que outros ritmos nacionais não tenham sido mais incorporados e experimentados na cultura rap nacional. O Brasil é um prato cheio pra quem esta disposto a pesquisar outras sonoridades, de norte a sul, são inúmeras as fontes de beats possíveis dentro da nossa cultura popular. Com sua matriz cultural negra sendo dominante no aspecto musical, o batuque (beats), o ritmo é característica fundamental da nossa música. Seja no próprio samba e seus vários sub-gêneros, na música sacra do candomblé (favor ver/ouvir Opanijé), no tambor de criola, no coco de embolada, no maracatu, no samba reggae, no baião e etc.
Algumas vertentes musicais como o Funk Carioca vem sendo experimentadas, o Dancehall, o Reggae, o Drum’n’bass vez por outra pipocam em algumas iniciativas. Mas de modo geral, a inclusão de outros gêneros eletrônicos ou não no rap vem se dando de uma forma tímida.
E é do Forró, nome genérico que engloba diversos ritmos como o próprio baião, o xaxado, o xote que nos parece vir acontecendo experiências bastante interessantes. Selecionamos 4 artistas nordestinos, um deles radicado em Brasília, que tem trabalhado com propriedade nessa direção.
Como arte musical o rap por ser fruto da cultura do sampler, possui possibilidades infinitas e logo no país mundialmente conhecido pela sua riqueza rítmica, as experiências dentro do rap são incipientes. Nesse sentido os trabalhos abaixo selecionados dizem mais de buscas e escolhas estéticas que estão sendo levadas a cabo e seguem se afirmando trabalho após trabalho.
Não pretendemos aqui um levantamento exaustivo do que já se fez em termos de experimentações sonoras, mas sim chamar atenção pra iniciativas que ao primeiro olhar podem parecer exóticas, mas que possuem a capacidade de renovar a música rap e porque não a cultura Hip Hop em nosso país. Obviamente não são caminhos únicos, mas alguns exemplos de possibilidades que poderiam e em nossa visão deveriam ser replicados em outras regiões com suas características próprias.
– RAPadura Xique Chico O Precursor
Trazendo no bojo de sua arte influências profundas da cultura nordestina, RAPadura Xique Chico não se limita a utilização dos ritmos do nordeste. Traz também a forte linguagem do repente, as referências a arte das xilogravuras e dos cordéis. Recentemente em entrevista no Rap Box o rapper radicado desde os 13 anos em Brasília, contou que foi apenas quando conseguiu juntar suas heranças nordestinas ao rap que seus pais reconheceram seu talento e permitiram que ele seguisse sem problemas na cultura hip hop. Nascido em Fortaleza, ele é o precursor de um estilo que afirma suas raízes regionais e com isso RAPdura conseguiu criar um estilo todo próprio que perpassa inclusive seu visual.
Com um dos flows mais singulares do rap nacional, uma poesia marcadamente nordestina, prenhe de criticas sociais e de costumes, o rapper cearense traz sempre em seus lançamentos algo que se diferencia por completo do conjunto da produção nacional. Característica essa que o levou a ser convidado ao Hip Hop Kemp na Republica Tcheca, maior festival de Hip Hop do mundo. Pois, há uma questão importante no trabalho do RAPadura visto de fora. É talvez de certo modo, o “verdadeiro rap brasileiro”, não por ser o melhor rapper do Brasil, mas por ser diante de olhares estrangeiros, o único que se diferencia deles. musical e visualmente falando.
Com o forte Ep Fita Embolada do Engenho (2010) lançado, turnês na Europa e apresentação de norte a sul do Brasil Rapadura Xique Chico anuncia pra esse ano seu primeiro disco oficial.
– O Time Da Quebra e a Malandragem Nordestina
Diretamente das Alagoas o Time da Quebra, grupo formado pelos mcs Jerry Loko, Junior IDS e Davi 2P, seguem utilizando o forró no cruzamento com o Trap e o Boom Bap. Mantendo o sotaque forte, as gírias locais e com flows muito interessantes os manos lançaram um Ep no ano passado. O disquinho com três músicas, é o espaço onde eles experimentam com propriedade mais do que a sonoridade, temas proprios à juventude nordestina, como a violência urbana, porém dentro de uma linguagem característica de sua região. Tudo isso num mix de malandragem e humor mesclando a brabeza de Lampião com algumas passagens típicas do humor de Genival Lacerda. A produção dos beats ficou por conta dos produtores Mogg e Feroz.
Faz duas semanas os manos largaram o lyric video abaixo com o single “Milioitenta”, no rumo de lançar seu primeiro disco. A música que tem produção de PH, reafirma a ideia que o grupo possui de construir sua música com a territorialidade nordestina como seu solo cultural primordial.
– P1 Rappers e a Belezas Naturais e Culturais Nordestinas
Localizados no maior aglomerado urbano do semiárido brasileiro, O P1 Rappers é um grupo de rap com forte atuação na região e um trabalho musical e audiovisual qualificado. Locais de Juazeiro-BA, divisa com a cidade de Petrolina no estado de Pernambuco, os manos carregam com bastante orgulhoso sua herança nordestina. São 5 anos de carreira, 4 mixtapes e 9 videoclipes onde os caras passeiam por temas e sonoridades diversas sem nunca esquecer suas origens. Atuação social forte junto ao coletivo de dança Norte-BA Crew, mostra além do profissionalismo acima destacado, o forte compromisso social do grupo.
Separamos dois clipes como bons registros das experiências do grupo com a musicalidade e temática voltadas às suas raízes culturais. No clipe acima, utilizando a clássica Petrolina, Juazeiro do grande Jorge de Altinho, os manos constroem a sua ode às duas cidades vizinhas. Filmado em cima da ponte que liga as duas cidades e transpondo o rio São Francisco, o clipe é mais do que um elogio das cidades, uma declaração de amor e pertença ao nordeste.
Abaixo, o último lançamento do grupo, num clipe que é um dos mais bonitos se não o mais bonito dos que foram lançados neste primeiro semestre no Brasil. Por sua qualidade merecia um texto todo seu, pra lhe fazer justiça. Sendo assim apenas lhes indicamos a audiência, veja a força audiovisual e musical de que o nordeste é capaz:
Mas porque Anarriê Rap? Porque a Quadrilha Junina como imagem destacada nessa matéria? Ora, por um motivo bastante simples. Anarriê é uma corruptela abrasileirada da expressão francesa En Arrière, um comando que nas quadrilhas juninas representa a volta dos casais a sua posição , ao seu local de origem para o próximo passo de dança. As quadrilhas juninas tem sua origem nas cortes francesas e no Brasil, com a chegada da Rainha Leopoldina, logo foi roubada pelo povo e re-significada. Desse modo, o anarriê talvez sirva para repensarmos o nosso local de origem e como isso deve ou não influenciar as nossas produções. Da mesma forma, que o colorido das quadrilhas juninas e sua exuberância e beleza popular podem nos inspirar a buscar uma cena musical mais diversa em suas expressões musicais, como é o nosso país!
O rap é música norte-americana, mas como a sabedoria ética e estética dos negros na diáspora comumente produziu, ela é obra aberta, sempre passível de ser reinventada. O Brasil sempre se destacou por ao estar em contato com a música estrangeira, fazer como os índios caetés fizeram com o Bispo Sardinha, se alimentar das influências externas e produzir outra coisa (antropofagia). Foi assim, na formação do Chorinho, foi assim com a Tropicália e sua utilização do rock, foi assim com a Bossa Nova e o jazz, foi assim com a sopa futurista do Mangue Beat. A música rap tem produzido em escala industrial repetições que ameaçam de algum modo o futuro dessa que é a expressão mais forte da música brasileira nos últimos anos. Se falando em arte, as experimentações tendem sempre a fazer florescer outras tantas possibilidades de expressão. Não atoa, Emicida, Rael, Criolo buscam ao seu modo outras linguagens musicais. Nem a aproximação com a MPB e nem com o Forró, serão “os” caminhos, são apenas exemplos.
Com toda certeza deixamos de fora muitos trabalhos que tem tentado outros tantos caminhos musicais, mesmo ao utilizar os “tradicionais boom baps” ou mesmo os inovadores “traps”. A intenção desse texto é refletir um pouco sobre como o rap nacional tem tratado a questão da inovação musical, se isso é necessário ou não. A reflexão segue.
Se ficou com preguiça de procurar o Opanijé, tome um outro caminho bonito e potente: