A cena atual do rap de Sergipe e o que ela deve à Alive Rec, importante gravadora e estúdio para o desenvolvimento do Rap Sergipano!
A Alive Rec foi muito importante para a construção do que é hoje o Rap Sergipano. Influenciado pelos textos do Danilo Cruz no site do Oganpazan e os do Portal RND, este texto pretende apresentar músicas e artistas da cena de Sergipe estabelecendo suas relações com a produção de meados de 2010. Artistas e grupos como Bidu, Alquimia Solar, OCB, Squandy e outros foram responsáveis por criar as bases do que a cena viria a se tornar ou, ao menos, por mantê-la ativa por todo esse tempo. Uma boa parte deles, se não todos tiveram alguma relação com a Alive Records, que justamente por isso pautou as características de grande parte da cena dos anos 10. Mas, antes de falar da cena sergipana, é preciso falar um pouco da Sulicídio lançada pelos MC’s Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski (prod. Mazili e Sly) e o surgimento do trap
É fácil encontrar gente que até hoje não entendeu sobre o que é Sulicídio e daí não consegue perceber a importância do que foi esta ação cultural. O pensamento que parece ser mais comum é o de que ela foi um ataque aos artistas “do hype” daquela época. O que é uma interpretação completamente equivocada. Obviamente, como quem dominava a cena na época eram artistas com menos apelo político social, eles foram os alvos, mas se a letra fosse apenas sobre isso, Nocivo Shomon, que é uma das pessoas que mais pode personificar a antítese de um artista “do hype” não seria citado na letra, e de forma pessoal. Aqui, o Don L pode nos dar uma luz:
“Eu não tô tirando Criolo, Emicida. Eu tô falando do jogo.”
O game aqui, ao qual Don faz referência e contra o qual Sulicídio se posiciona é o da falta de visibilidade e respeito de artistas de fora do eixo Sul-Sudeste (não apenas Rio-SP). Sulicídio foi uma tentativa de busca por espaço. Apesar disso, de certa forma, o tiro saiu pela culatra. Ao mesmo tempo em que ela apostou nas ofensas para ser ouvida (o que era necessário) foi reduzida a essas ofensas. As primeiras respostas da cena foi o choque eufórico dos reacts que ficavam perplexos com cada verso de afronta, e depois as diss. Então, a demanda social buscada por Sulicídio ficou apenas nos versos da letra.
Nessa época o trap já começava a dar seus primeiros passos. Aqui entendemos o trap como um subgênero do rap e que tem seus aspectos definidos pela maioria dos artistas que o produzem. E nesse sentido, ele é uma vertente que se caracteriza por diluir o viés político do rap e focar em temáticas mais Pop. É a partir da sua inserção na cena que as possibilidades de rimar e o despego por pautas políticas aumentam. E assim, artistas nordestinos como Matuê, Jovem Dex e outros vêm terreno fértil para suas produções. No caso da 30 em específico, a ascensão do trap, e consequentemente a ascensão do grupo, concretiza um trabalho iniciado anteriormente e influenciado por outros grupos, como o Costa Gold que, há sua época já estavam mais próximos do trap que do rap, em suas temáticas.
Então, o movimento de ascensão do trap nordestino é o oposto ao de ascensão do rap nordestino, entendido como um gênero voltado para temáticas sociais, e que teve seu auge com Sulicídio. Em Sergipe as coisas não se desenrolaram muto diferente. E assim sendo, os artistas tiveram decisões a serem tomadas de acordo com esse desenvolvimento histórico. Alguns migraram para o trap, outros se mantiveram no rap e outros pararam de produzir, pelo menos até agora. Falo dessas decisões não como categorias estanques, mas como justificativas lógicas para o estabelecimento da cena atual e como categorias com as quais o texto pretende lidar.
Aqui, um pequeno detalhe a respeito do meu método de investigação precisa ser expresso. Nossa noção de tempo na maior e principal parte do texto é baseada principalmente nas datas das publicações que encontramos no youtube. Então, para critérios de rigor metodológico, qualquer referência de data tem como base a produção no youtube. Além disso, esta foi a única plataforma levada em consideração, por ser a que mais utilizo e a que suponho ser mais familiar à produção de até 10 anos atrás. E isso significa que a produção a ser considerada pode não estar postada nos canais oficiais dos artistas citados, mas no de terceiros dentro da plataforma. Por fim, cabe dizer que o texto não se pretende a uma análise objetivamente qualitativa das produções apresentadas. Contudo, isso acontece algumas poucas vezes e é preciso ressaltar que essas manifestações não têm nenhum outro critério além do gosto pessoal no momento em que o texto foi escrito.
A biografia da Alive Rec, como se verá posteriormente é um tanto nublada. Questões como quais eram os integrantes e como se encerrou são um tanto difíceis de responder. Por outro lado, apesar dessa falta de nitidez pública da sua história, sua relevância e influência são indiscutíveis. Conforme desenvolvermos o texto, ficará claro que seu papel foi central na cena dos anos 10 e que muito da cena atual se deve ao que ela fez na época, pois vários que fazem som atualmente trabalharam com a gravadora. Se começarmos por um dos melhores e mais importantes grupos do rap sergipano, que é o Alquimia Solar, perceberemos que o primeiro e o segundo som deles que existe no youtube, são mixados e masterizados pela Alive.
Alquimia Solar – Sombra Solar
Estes sons são respectivamente de 2014 e 2015. E de lá pra cá, a produção do grupo foi bem escassa. Ainda em 2015, eles lançaram a música “Revolução”, em parceria com o Sigla Subversiva, que viria a se chamar Sinônimo Subversão. Em 2017 eles lançaram o single “Fio da Navalha” e o EP Caduceu. Em 2018 foi a vez do single o “Baile dos bailes”. E, por fim, em 2019 fizeram participação numa música da Família Bocas Secas (F.B.S.), intitulada “Harmonia Gangster”.
As coisas se mantiveram parecidas com a carreira solo dos integrantes do grupo. Renato MKM, Avicena e Darthayan não tiveram uma produção copiosa. No caso de MKM, temos o single “Ground and Pound”, lançado em 2017 e não há mais nada dele na plataforma, apesar de já ter havido. E neste caso em específico, a Alive não apenas mixou e masterizou o single, mas também produziu.
MkM – Ground and Pound (Prod. AliveBeats/Sid)
No caso dos outros dois, apesar de terem produzido mais que MKM, sua produção não é tão extensa assim. Avicena tem alguns singles, feats e até participou de um freeverse pro portal RND, ocasião em que a Alive Rec. fez captação, mix e master.
Avicena – Filme | RND FREEVERSE #8
Darthayan, por sua vez, tem uma maior quantidade de produção e permanece na composição da cena atual. Em 2021 lançou o EP L3 Golden e mais recentemente anunciou um novo disco no seu instagram, o disco intitulado “Sistema e Danos” já foi recebido pela redação do Oganpazan que está firme na audição e que com certeza produzirá matéria no período do seu lançamento.
Dartha é um dos mais antigos e que mais influenciaram e influenciam a cena atual junto com Bidu e Pedro Guaraná, enquanto representantes de uma lírica mais underground no rap, chegando a inspirar trabalhos como o de BW e até o da Squandy, em certa medida. Num convergir de coincidências, a música Alktraz, já citada anteriormente, tem mixagem e masterização da Alive Rec e foi “upáda” no canal do selo Mangue. E como não podia ser diferente, também a sua carreira solo tem uma forte relação com a gravadora, como se pode observar em Prótons que faz parte do EP “Monolírico” lançado em 2017, no qual ela não só produziu, mas participou da letra enquanto grupo Rakavi.
-Leia sobre o último disco lançado pelo Bidu e que recebeu uma extensa resenha aqui no Oganpazan
Bom, já que o citamos, nada melhor agora que falar de Bidu. Elogios á obra do artista não precisam mais ser ditos. Para isso temos as resenhas dos álbuns ou singles feitos pelos portais Oganpazan e RND. Mas, para além de toda a relevância e representatividade sergipana que Bidu apresenta em seus trabalhos, sua influência e presença se ramifica e se manifesta com singular potência, respectivamente.
Pra citar alguns nomes, BW surge como principal influenciado da cena atual pela produção de Bidu. As zonas, os bairros e as ruas de Sergipe se fazem presente no trabalho dele, adereços como a kenner no pé e as roupas da cyclone são ícones da cultura periférica de qualquer estado nordestino e a ancestralidade é algo que após BW passou a fazer parte do repertório de outros artistas contemporâneos como o Jovem Dayo e o grupo 1050 mobb.
A isso também se pretendeu a Squandy, em início de carreira. A música Da lama Ao Hype foi lançada em 2019 no youtube, através do canal brasiliense Love Rap, e trazia a tentativa do grupo de se valer da mesma proposta. O título da música revela isso, o beat lembra a experimentação sonora trazida no primeiro álbum de Bidu, o DMPMDMPM Vol 1 e o manifesto que inicia o vídeo parece expor o significado de Do Mangue Pro Mundo, Do Mundo Pro Mangue. Esse projeto, contudo, parece não ter passado de uma tentativa e o grupo se voltou para outras formas de fazer música que serão abordadas posteriormente neste texto.
Squandy – Da Lama Ao Hype (VideoClipe Official)
Ainda a respeito de Bidu, percebemos pela produção de suas músicas que não existiu uma relação mais direta entre ele e a Alive Rec. É Douglas de Paula que assume a produção, mixagem e masterização de boa parte das músicas dele, e que tem um álbum “Elementos” que foi lançado em 2017, upado no canal do selo Mangue.
Nesse aspecto, Bidu representa um pólo à parte da produção dos anos 10, tão importante quanto a Alive, mas muito mais inovador, único e disruptivo. É a Bidu que podemos atribuir a representação de fato de uma sergipanidade aplicada ao rap em geral, que une essa singularidade sergipana atravessando a proposta, os beats e a lírica. E, assim como BW e a Squandy, Bidu continua em atividade e lançou recentemente o volume 2 do DMPMDMPM.
No texto anterior começamos a falar sobre as influências da Alive Rec na cena sergipana, mas não dela em si apenas. É preciso então não deixarmos mais esse assunto de lado, apesar de esta não ser uma tarefa tão simples. Obviamente, ela foi uma gravadora, mas toda a sua história, como se fundou, quais eram os integrantes e como se encerrou é algo um tanto nublado. Até sua localização parece ter mudado algumas vezes. No facebook conseguimos rastrear dois endereços, nos bairros Salgado Filho e no Ponto Novo. Em conversa com um dos antigos integrantes (Mentorzzin) um endereço na Coroa do Meio foi apresentado como o último. Sobre o início, apesar de o Portal RND nos relatar que a gravadora foi formada em 2010 por Logri e Silverman, os flyers da página Alive Beats no facebook nos traz a data de 2012 como a sua origem.
Além de se apresentar como gravadora e produtora, se manifestava como grupo de Mc´s, e nesse aspecto eram integrantes os mesmos Logri (Alive Rec) e Silverman, mas também o Yago UNK, de acordo também com o portal RND. Apesar disso, conforme os anos passaram, a Alive virou uma “mob” e em sua página do facebook tem anúncios de Avicena e Mentor como novos integrantes. O tatuador Alef Freire também já integrou o grupo e é responsável pela capa do álbum Origens do Rakavi, além de outros artistas, como a OCB e Maeed estarem sempre juntos das apresentações e projetos.
Atualmente tanto o Rakavi como a Alive Rec não existem mais e as últimas postagens que a página do Facebook tem são de vendas de beats pelo Logri, mas até esse fim de grupo é um tanto difícil de entender. Aparentemente o próprio Logri, depois do término do Rakavi, continuou usando o nome do grupo para sua carreira solo. E os motivos que levaram ao fim da gravadora não são bem explícitos. Perguntados a respeito disso, Mentorzzin e ROMA (outro antigo integrante) nos revelam que houve algumas disputas internas e sentimentos aflorados.
Voltando ao escopo do texto, e às influências que a Alive Rec proporcionou, falemos da Squandy. Como citado anteriormente, uma parte da produção do grupo não está upada no canal oficial. Algumas músicas e clipes se encontram disponibilizados num canal de divulgação chamado Love Rap. Além disso, o grupo tinha um canal próprio chamado Squandy Rap, antigo nome do grupo. É neste canal que encontramos a produção mais antiga deles, uma música chamada Arrisque tudo, de 2014. Daí o grupo só viria a produzir novamente em 2016, justamente no canal de divulgação. E assim permaneceu até 2017, data mais recente de uma música deles no Love Rap. É somente em 2018 que o grupo começa a publicar no seu canal oficial, com o clipe de Surprise. Nesse caso também é possível encontrar a mão da Alive na primeira música deles, sendo responsável pela coprodução, mixagem e masterização.
Independentemente de qualquer crítica que se possa desenvolver à Squandy musicalmente ou não, e de fato eu tenho algumas, o grupo é determinante para a cena atual. Foram um dos primeiros a se adequar aos novos ventos do rap, que traziam o trap como boas novas, e entenderam a relevância da díade marketing e audiovisual. A escolha de upar no canal apenas videoclipes e investir bastante na produção deles reflete isso. No quesito influência, não sei dizer o quanto algum outro artista ou grupo se espelham no trampo deles. Afinal, com a nova onda, todo mundo se voltou pra produção de trap e parece muito mais ter os nomes nacionais como espelho. Mas a Squandy mostrou uma parte de até onde Sergipe pode chegar. E isso é inquestionável.
Agora, o grupo que eu mais ouço. Com produções de até 10 anos atrás, a história da OCB (Os Cara Bacana) é a de uma relação muito próxima com a Alive Rec e Maeed. Chegaram até a morar juntos por determinado tempo. Da mesma forma que aconteceu com outros grupos citados, a Alive Rec produziu uma das primeiras músicas da OCB, Amor a primeira vista, de 2013, uma releitura da música Senhorita, do Cabal.
Após isso os laços se estreitaram de verdade no álbum “Até Ficar Chapado”, lançado em 2017. Da produção dos beats às capas das músicas upadas no youtube, a Alive teve participação direta nele. Nesse último aspecto, as capas emulam um estilo que a gravadora tinha utilizado em alguns vídeos seus com tarjas brancas em cima e embaixo da tela e o vídeo rolando no meio. No caso da OCB, as tarjas viram molduras e a capa da música é uma foto polaroid.
Formado por Loko (que também já foi Poeta Marginal e atualmente ROMA), Pixain (atual PXN) e o DJ Durex, a OCB traz em suas letras a representatividade da cultura suburbana jovem dos anos 10 de Sergipe. Isso significa muita referência a maconha, bike quadrada, shineray, a lugares específicos da cidade, como o condomínio Parque Diamante (no qual também morei grande parte da minha vida) e mais. Durante o período de existência do grupo, a sonoridade deles mudou muito. Saindo de um boombap suave como na faixa Sabotage, quando o grupo só era formado por Loko e Cuca (que também já teve produção da Alive, mas atualmente é produtor de música psicodélica, com nome artístico Ziul Oiram), para algo um tanto mais experimental com mescla de gêneros como jazz, dance music e country, após uma aproximação mais consistente com a Alive para o lançamento do álbum.
Atualmente tanto Loko quanto Pixain estão em atividade. Ambos no trap, mas Loko, ou ROMA, já passou também pelo funk e é possível perceber a influência do gênero em algumas de suas músicas mais recentes. Pixain, por sua vez, participou de diversos feats com diversos artistas. Entre eles o próprio Logri, da Alive, S4AN da Squandy, o já citado Maeed e Mentor (que também já se escreveu “Mxntxr” e é atualmente o Mentorzzin). Além disso, alguns singles mais recentes mostram que ele é um dos mais promissores artistas da cena, com um som que compete fácil com o mainstream e que tem disposição para desenvolver o próprio trabalho, tendo uma música produzida pelo Celo, chamada “Bem melhor”.
Continuando com “as crias” da Alive Rec, Maeed foi um dos mais antigos (desde 2014 tem som deles juntos) e próximos da gravadora, um dos mais versáteis, aglutinadores e que participou diretamente da transição da cena. Desde as participações com Rakavi e OCB, até os singles a presença da Alive é extremamente marcante. No primeiro videoclipe de seu canal, de 2017 a Alive participou da produção, mixagem, masterização, filmagem, edição e até da direção de arte.
Sobre a versatilidade e aglutinação, Maeed já participou de boombaps muito pesados, como o de Mentor junto com Avicena na música “Jungle”. Para “El Dorado II”, Maeed chama Cuca, antigo OCB para participar, e em “Pouco Pra Nós” quem participa da produção é Apolo 808, que viria a produzir o “L3 Golden” do Darthayan. Além disso, o videoclipe dessa música tem como cenário o estúdio Junior Tatto, que anos depois viria a realizar alguns eventos com artistas locais e de fora, entre eles o já citado ROMA e Froid. Já em “Entre Doses”, Maeed firmaria uma parceria duradoura e frutífera com um dos maiores produtores do estado, Freezenosbeatz. Ambos viriam a se manter ativos na cena, com o Maeed tendo lançado sua última música há dois anos, e Freeze sempre produzindo músicas pro Roma e muitos outros artistas da cena local e nacional, além de ter lançado um álbum dele mesmo.
Por último, um dos mais prolíficos, se não o mais, ligado à Alive é Mentor (Mxntxr, Mentorzzin). Com produções apenas a partir de 2020, seu canal oficial (Mentrozzin) conta com 12 musícas, entre videoclipes e singles. Tirando isso, existe uma parte de sua produção num canal de tema, que remonta até a 2018 e que tem produções da Alive até 2019, em músicas como Fogo e Pra ela ouvir. Juntas, as produções dele chegam à quantia de 24. Mentor compete com Maeed o topo de mais aglutinador. Entre aqueles que já chamou para um feat estão Pixain, Rakavi, Villão, Vkzin, Aimar e Caio Luccas.
Aqui se encerram os nomes daqueles que tiveram alguma relação com a Alive e que continuam na cena ou foram relevantes para o estabelecimento dela pelos motivos já apresentados. É fundamental que as novas gerações conheçam minimamente a história de sua cidade, do seu estado, ao adentrar uma cultura tão importante e invisibilizada como a do Rap nordestino, aqui especificadamente de um estado que pouco ou nada aparece na mídia nacional especializada, que é rap.
Desde 2017, o Oganpazan faz uma cobertura atenciosa das produções lançadas em Sergipe, se quiser saber mais sobre nossa cobertura, pesquise no site!
-Uma breve história do Rap Sergipano, a importância da Alive Rec na construção!
Por Marcos Roberto Santos Pereira