Oganpazan
Destaque, Lançamentos, Macrocefalia Musical, Resenha

A pegada agora é essa, o mea culpa de Antônio Neves

Arranjador e multi instrumentista, Antônio Neves lançou “A Pegada Agora É Essa”, compilação de grooves liberada via Far Out Recordings.

A música brasileira é muito ampla. Tão miscigenada quanto o próprio povo brasileiro, daqui o som se ramifica em diversas escolas estéticas. Samba, Frevo, Bossa Nova, Rock, Jazz, enfim, são diversos gêneros e milhares de outros subgêneros dentro desse guarda chuva musical que chamamos de groove.

O interessante, no entanto, é que apesar da música ser uma linguagem tão universal quanto a lírica de Hermeto Pascoal, o groove brasileiro tem um tempero que gringo nenhum consegue emular. Basta ver como os instrumentistas tupiniquins são tratados a pão de ló quando pisam em solo estrangeiro.

O circuito europeu de festivais, junto com a cena de clubes dos Estados Unidos e Japão, principalmente, costuma receber dezenas de artistas que aqui no Brasil não tem voz, mas que fora daqui ganham microfone, bons cachês e respeito, no sentido mais amplo da palavra.

E como nem tudo na vida são flores, apesar da exposição benéfica do passaporte, existe uma visão ainda muito restrita sobre as possibilidades da música brasileira fora daqui.

Só que se depender da Far Out Recordings – gravadora inglesa especializada em música brasileira – discos como o segundo trabalho solo – do multi instrumentista Antônio Neves – intitulado “A Pegada Agora é Essa”, vão seguir contribuindo para uma ruptura mais do que necessária com o conservadorismo do Samba-Jazz.

 

Line Up:
Alberto Continentino (baixo)
Alice Caymmi (voz)
Ana Frango Elétrico (voz)
André Vasconcellos (voz)
Antônio Neves (bateria/trombone/voz/guitarra)
Eduardo Farias (piano)
Eduardo Neves (flauta)
Rudah Guedes (backing vocal)
Eduardo Santana (trompete/backing vocal)
Filipe Castro (percussão)
Gus Levy (guitarra/backing vocal)
Hamilton de Holanda (bandolim)
Joana Queiroz (clarinete baixo)
Leda (voz)
Gabriel Ballesté (backing vocal)
Leo Gandelman (saxofone)
Lucas Videla (percussão)
Luiz Otávio (rhodes)
Marcelo Costa (percussão)
Marcos Alcides Filho (percussão)
Marcos Alcides “Esguleba” (voz/percussão)
Roque Miguel (percussão)
Thiago da Serrinha (percussão)
José castro (backing vocal)

Foto: Lucas Vaz

Track List:
“Simba”
“A Pegada Agora É Essa”
“Noite de Temporal”
“Luz Negra”
“Forte Apache”
“Lamento de um Perplexo”
“Summertime”
“Jongo no Feudo”

Pode perguntar pra qualquer músico brasileiro da cena instrumental/Jazz. Quando os nossos artistas furam a bolha e chegam pra tocar nos maiores palcos do mundo, um dos obstáculos é a língua.

Para compensar, é bem comum observar como o Samba-Jazz entra em ação pra fazer esse meio de campo.

Existe um estereótipo muito grande com relação ao som criado no Brasil. E pra se sentir acolhido fora daqui, a moeda de troca é usar o Samba-Jazz pra intercalar com o repertório, assim a plateia não “estranha” tanto o som.

É confuso eu sei, mas justamente por isso, que discos como o “A Pegada Agora É Essa” – traduzido para o inglês como “The Sway Now” – precisam ser destacados.

Aqui o pessoal olha pra frente. Tem muita gente explorando as possibilidades da modernidade, dentro do contexto jazzístico/instrumental e o Antônio Neves, sem dúvida alguma, é um dos nomes que está na linha de frente desse movimento.

Um registro que valoriza e engrandece nosso PIB, o som surge com uma roupagem quente. O instrumental é repleto de detalhes, os arranjos grandiosos e as composições vastas em termos de possibilidade e timbres.

O resultado é um caldeirão de grooves feito por um time de músicos de primeira, além de contar com participações de nomes em plena evidência por aqui, como é o caso do Hamilton de Holanda, Leda, Alice Caymmi, Ana Frango Elétrico, Léo Gandelman e Edu Neves.

O registro é compacto. São cerca de 35 minutos e 8 faixas, muito bem distribuídas entre todas as narrativas. Digo isso, pois o play se desenrola com um flow de story telling muito interessante, desde a faixa de abertura, com “Simba”, tema que serve como uma espécie de vinheta para adentrar o submundo de grooves tortos que permeia essa coqueluche carioca.

Foto: Ana Frango Elétrico

A instrumentação é intensa, volumosa e entre as cacofonias e diálogos imersos em notas, o Fusion corre solto depois que Marcos Esguleba anuncia: “A Pegada Agora É Essa”. Daí pra frente o rabecão já puxa um groove embebido na cuíca, a guitarra vem pra tabelar e a triangulação mostra um rico tear textural. O caos serve de plano de fundo. O disco faz você pensar e dançar.

O trabalho de mix e master entregam um acabamento quase psicodélico para o projeto. Nos temas mais luxuriantes, os músicos conseguem encaixar até um Reggae no meio da jam. As propostas são arrojadas, os diálogos bastante fluentes e a interação entre os músicos muito natural.

A diversidade estética impressiona. Cada faixa entrega um clima e é notável como o resultado final é coeso. Em “Noite de Temporal”, com Alice Caymmi, os teclados, a bateria e o pulso marcante da percussão, emulam um Afrobeat tinhoso, enquanto a voz tangibiliza  todo o clima épico-abstrato que o instrumental elabora.

É um registro linear e que surpreende o tempo todo. Em “Luz Negra”, por exemplo, a convidada especial é a Ana Frango Elétrico e a participação dela eterniza não só uma colaboração que muitos chamariam de improvável, como também revela uma cama de vocalizes numa letra que mais parece um fluxo de consciência.

Aliás, gostaria de destacar aqui o som do baixo acústico. A classe na condução é latente e com a roupagem orgânica das faixas – com ambientações bastante imersivas – cada tema oferece um campo de exploração bastante fértil.

Em “Forte Apache”, a conexão com os terreiros é intrínseca ao próprio groove e quando você acha que os arranjos vão levar o som pra um lado, aí aparece o Hamilton de Holanda e leva ele pra outro. Quero ver tu pegando rabeira nesse bandolim.

A configuração da banda e a questão da composição do todo, pensando nos arranjos e propostas para os músicos convidados funciona muito bem no play, de cabo à rabo.

Os timbres de bateria são muito voláteis e versáteis. É notável como a percussão sempre consegue aparecer no som – apesar dessa verdadeira parede sonora – algo que também evidencia a prudência de cada um dos músicos envolvidos. 

Não existem excessos. É tudo muito conciso e bem roteirizado. As peças sempre se encaixam e o disco se metamorfoseia nos ouvidos do ouvinte, revelando baladas soberbas como “Lamento de um Perplexo”, apenas mais uma passagem que revela a força motriz dos arranjos e a sensibilidade do grupo. Pra coroar a faixa, o Léo Gandelman ainda faz um solo de saxofone.

Cada ideia parece ter sido explorada e lapidada em sua totalidade. A versão de “Summertime” mostra isso de forma natural. A banda vira a música do avesso e quando a parte A entra com um clarone liderando o arranjo – junto do chapante vocal do próprio Antônio – bom, ai a cozinha descamba e a percussão quebra os tempos do som até um inspirado solo de guitarra.

Salvo algumas falas e vocais pontuais, trata-se de uma cozinha predominantemente instrumental. Impressiona pelo vigor e refrescância. O som acaba com “Jongo no Feudo” e com ele, um solo de baixo engrandecido pelos tilintares da guitarra. É uma despedida quase bucólica para um trabalho tão vertiginoso, mas que mostra como o cenário nacional está munido de músicos e propostas tão revigorantes como essa.

É um coquetel tão leve e digestivo quanto um molotov. É um disco que eletrifica o ouvinte. 

É até difícil contradizer o compositor. Com que cara eu fico se ousar afirmar que a pegada agora é outra?! Se liga na entrevista que fizemos com o trombonista!

1) Pensando na sonoridade do play, como você descreve o que vocês fizeram em estúdio? Digo isso, pois são muitas influências, o trampo vai do Jazz ao pancadão, tem um Funk ao melhor estilo Baile Black, mas tem Gafieira, Bossa, Samba, Rock, enfim. Qual é o desafio de propor fusões como essa, sem se perder no processo? Por que o disco tem uma identidade muita massa e um acabamento psicodélico moderno e fresco.

Apesar de ser um disco de Jazz meio solto, eu tive que gravar tudo separado, praticamente. Quando fui gravar, já registrei batera, baixo e trombone, então precisava gravar batera e baixo primeiro, trombone depois… As linhas de baixo e guitarra já estavam na minha cabeça.

Eu tocava esse repertório, a maior parte dele, há muito tempo. Tem umas músicas antigas que estavam comigo na noite. A “Forte Apache”, por exemplo… Tinha uma banda aqui no Rio que chamava Nova Lapa Jazz, grupo que eu fiz parte. A gente bombava, botava 2 mil pessoas na rua pra ouvir Jazz e essa composição estava sempre pra jogo.

Foi a mesma coisa com “A Pegada Agora É Essa” e “Simba”. Eu tocava umas coisas parecidas com uma banda que eu tinha que chamava Baile Gastação. Os sons só estão disponíveis no Soundcloud. Antes disso eu estava no Nova Lapa Jazz, a banda acabou e tal, mas já era um repertório que está comigo. A gente tocava “Summertime”, por exemplo e era um som que dava certo demais nos bailes.

Testou o repertório no rolê

Exato, tem um arranjo de “Noite de Temporal”, que foi um arranjo que eu tive que fazer pra um show do Baile Gastação. Fiz tudo despretensiosamente. Era uma linha de guitarra e uma linha de baixo… Cara, a parada funcionou tanto que já fiquei a fim de gravar a releitura.

Era tudo uma questão de encontrar músicas que funcionassem nos contextos que eu tocava nas minhas bandas.

Interessante que você já tinha muita coisa clara na cabeça.

Sim, já tinha na cabeça o lance das linhas de baixo, principalmente. A minha banda era baixo elétrico, duas guitarras e batera. Eu já queria trazer uma sonoridade com baixo acústico e uns pianos quebradeira, mas pra definir o que é o disco exatamente, ai fica difícil.

Até brinquei numa entrevista que se fosse pra falar, diria que é um Funk carioca jazzístico e psicodélico. Tem um lance do Funk carioca e também tem uma coisa meio Afrobeat ali. Eu fiz primeiro batera e baixo… Já sabia o formato das coisas e fui montando a parada.

2) E como que foi o contato com a Far Out Recordings? Como que essa ponte ajudou você em termos de exposição? Acredito que esse flerte com o mercado internacional seja muito importante para estruturar a carreira de um músico, pensando principalmente no meando Jazz/Instrumental.

Com certeza. O meu contato pessoalmente com a Far Out foi praticamente zero.  Foi uma parada do Santiago Perlingeiro, meu produtor e da Ana Frango Elétrico também. Ele fez o contato, eles acharam interessante e nós mandamos 3 músicas pra eles escutarem: “Noite de Temporal”, “Luz Negra” e “A Pegada Agora É Essa”. 

Os caras se amarram. Eu fiquei feliz com isso por que no Brasil já existe essa dificuldade com o público do instrumental. É difícil chegar na galera. Acho que isso também é um problema de base né, educação básica musical das crianças mesmo… Ninguém é incentivado a tocar.

Com certeza. Não existem muitos programas pra isso aqui.

Nas escolas de vários países rolam várias big bands aí o cara escolhe, trompete, trombone, clarinete… Isso acontece em vários países, Suécia, Estados Unidos, Inglaterra…

A Inglaterra tem uma cena foda hoje em dia e ele tem apoio do governo pra fazer cursos pra carreira dele. É um programa com o British Council, eles tem muita estrutura, levam os músicos pra pesquisar. Hoje o cara não é só músico.

Com certeza, bicho. Esse déficit da educação no geral dificulta o caminho do músico, principalmente nessa cena instrumental/jazz. Me ajudou muito a questão do disco ter saído lá fora por que já existe um polo de pessoas ouvindo isso fora daqui, diferente do meu primeiro disco “Pa 7“, lançado em 2017, que ficou muito restrito a minha bolha do centro do Rio de Janeiro.

Esse trabalho não, já começou a ser ouvido na França e Inglaterra, por exemplo…

E lá o negócio gira mais rápido

Claro, tem isso também.

E seu disco tá chegando de fora né, a galera daqui vai ouvir pelas recomendações, vendo que o selo é gringo, aí já chama uma atenção diferente.

Exatamente, mas não tem glamour não, eu tô aqui na minha casinha, bem relax, com tela na janela sacô?! Mas com certeza me ajudou muito e eu também saquei que o projeto teria uma exposição relevante, caso saísse pela Far Out. Tô feliz com a audiência e a penetração desse trabalho.

É uma coisa que é boa, mas é chato você ter que fazer esse caminho pra ser ouvido e reconhecido de alguma maneira.

Tradicionalmente tem muitos músicos brasileiros que aqui são ilustres desconhecidos. Raul de Souza, Sérgio Mendes, enfim.

Sim, o Raul gravou diversos discos. Tem vários nomes, mas a gente tem que achar um jeito de encontrar novos espaços.

3) E sobre a cena do Rio, Antônio, o que tu pode pincelar sobre? Pensando principalmente no contexto desse disco, do meandro instrumental/Jazz.

No Rio de Janeiro é muito difícil viver de instrumental Jazz. É uma utopia total e meio que não dá, pra ser bem sincero. Meu sonho de vida é tocar com o Joshua Redman, os caras do Jazz e tal… Sempre movi minha carreira pra isso, mas vou te falar, bicho, é difícil, tem muita gente e o espaço na cena é pequeno.

Tem um trombonista que chama Marlon 7. O cara toca demais. Outro é o Rafael Rocha, trombonista do Espírito Santo que mora aqui no Rio. Tem uma galera do instrumental, falando mais dos trombonistas… Tem o Josiel Conrad, totalmente maluco, toca pra caralho… Tem muita coisa rolando, mas ninguém vive só do instrumental Jazz.

Sim, deve ter a cultura do sideman né?

Exatamente. E dando uma pincelada, é uma cena bastante movimentada. O Luiz Otávio, que gravou meu disco (fez o rhodes), ele é de Campo Grande, aqui no Rio mesmo… Eu vejo esse lance da quantidade de músicos x lugares pra tocar como uma dificuldade. Tem o Rafa Trompete, de São Gonçalo. Ele dropa o DJ set e vai tocando, faz um clima night. A galera meio que vai tentando encaixar o lance onde dá.

Muito louco essa questão dos espaços, aqui em São Paulo eu sinto que não tem muito lugar pra tocar, não sei como está ai no Rio.

Eu cheguei a morar 3 meses em São Paulo e eu já fui pensando que seria melhor. Tem mais lugar pra tocar.

Dá pra fazer um networking

Sim, aqui no Rio é realmente muito difícil, se você não é o Hamilton de Holanda, você vai ter que fazer baile e virar sideman. É muito difícil furar a bolha desse déficit educacional e acaba que a cena instrumental e o mercado deixam o músico refém.

Mas é uma cena tão forte quanto São Paulo. Aí tem o Joabe Reis, Bocato, Proveta, Lucas Gomes, Vinicius Chagas, a Louise Woolley, Diego Garbin… Uma galera que vai pra vários lugares. É uma cena foda e aí tem muito mais lugar pra tocar do que aqui, não dá nem pra comparar, bicho.

Casa de Jazz no Rio com piano acústico só tem uma. Casas tipo o Jazz B, Jazz nos Fundos, cara, só tem uma no Rio. São vários inferninhos. No rio tem 3 inferninhos do alternativo no centro, muita coisa pra fechar e a cena é muito restrita nesse sentido.

4) Antônio, esse disco posiciona você e todo o coletivo envolvido nesse projeto como revelações desse novo cenário. Queria que você detalhasse um pouco a questão de concepção do trampo. Como foi desenvolver as composições, pensar os arranjos e trabalhar ao lado dessa galera?

Eu tive a sorte de contar com os meus melhores amigos, que são meus ídolos musicais também.

Você percebe mesmo que a galera tá tocando solta.

Pois é. Como eu te falei né, já tinha os grooves na cabeça, então queria botar uns pianos improvisando soltamente, no meio dessa coisa que é amarrada, mas também é solta, por que a batera tá quebrando, mas tem o groove de baixo. As vezes ele vai mais livre, mas tem uma linha, então eu chamei o Alberto Continentino e o André Vasconcelos e a gente fez só baixo e bateria.

Ai eu chamei o pianista pra dar uma soltada, o guitarra botou as linhas que se complementam com o baixo, aí já começou a criar essa sonoridade. Depois botei mais um rhodes, solto mesmo, pra ficar meio no R/L ali…

Fazendo a cama

Isso e os sopros são mais minimalistas, um lance meio uníssono. Uma pegada meio Jimmy Giuffre, que é uma grande referência pra mim. A pegada era essa vamos dizer assim: fazer as paradas calmamente na melodia, enquanto a galera atrás desce a lenha.

Essa foi a concepção e como de certa forma tinha esse lance de ter um formato, as músicas já tinham início, meio e fim. Pra todo mundo foi no máximo 2 takes ou então uma junção de mais takes.

Teve espaço pra improvisação?

Teve demais, os espaços que não são de improvisação, os pianos estavam fazendo o que queriam. Todas as músicas tem espaço pra improvisação. Cada ritmo vai improvisando no swing do Samba, então tem muito espaço. A percussão, as teclas as participações.

Sim, você chamou uma galera de peso.

Chamei um pessoal próximo e foi isso, acabou que eu e o Jonas ficamos ali como se a gente estivesse cantando a melodia das músicas, a galera descendo a lenha e os convidados vão lá e se consagram.

Ao melhor estilo faz seu nome

Exatamente, bicho.

5) O grande conceito do disco é mostrar esse som novo, moderno que está caracterizando a produção nacional. O nome já indica isso. “A pegada agora é essa”, que foi traduzido para o inglês como “The Sway Now”. O que você tentou ressaltar e valorizar com esse conceito? Digo isso por que a música brasileira ainda é muito relacionada ao Samba-Jazz e creio que isso seja um fator limitante para propostas como essa.

Com certeza eu ouvi muito samba-Jazz. Meu pai (Edu Neves) é saxofonista, então Juarez Araújo, José Bodega, Maciel Maluco, J.T. Meirelles… Essas coisas… Todo músico brasileiro acaba ouvindo muito e em muita gig você vai ter que tocar Samba-Jazz.

Todo músico brasileiro tem esse repertório na ponta da língua, mas de alguma forma eu pensei em trazer os ritmos brasileiros para o disco, sem fazer aquelas levadas do Samba-Jazz.

O som da bateria muda muito no disco todo.

Mudei coisas poucas no set da batera entre um baixista e outro, então isso dá uma diferença, mas o Angelo (que fez a mix), também fez um trabalho muito bom no quesito de encontrar os sons.

E ajudou principalmente nas músicas que mesclavam o Afrobeat com o Funk carioca. Os grooves tem relação e a gente sempre foi trocando os percussionistas, justamente pra trazer a identidade que eu queria pra cada música.

Pra fazer “A Pegada Agora É Essa”, chamei o Marcos Esguleba, percussionista do Zeca Pagodinho há 36 anos, justamente por que eu já sabia que seria um partido alto pra frente. O cara tem a ancestralidade, o know how do Samba e ele toca com o Paulinho da Viola, também e é Baluarte da Unidos da Tijuca.

Pra tocar “Luz Negra” e o “Jongo do Feudo”, chamei o Thiago da Serrinha. O cara tem a onda de tocar o Jongo e a ideia era trazer o máximo da raiz das levadas.

Legal essa preocupação que você teve, até pra não acabar diluindo as propostas.

Sim, eu queria chamar pessoas com propriedade pra tocar. Foi assim com “Noite Temporal” também. Eu queria os toques do Candomblé, por isso chamei um percussionista baiano. Na “Forte Apache” tem outra pegada, uma coisa mais umbanda… O Lucas Videla é um percussionista excelente e tocou nas músicas que eu queria um lance meio híbrido. O Marcelo Costa tem um jeito de tocar pensando muito na música, aí chamei ele pra balada “Lamento de um Perplexo”… Sempre pensei no percussionista certo pra cada proposta.

6) Queria que você falasse um pouco sobre a sua carreira. Além de multi instrumentista, você também é arranjador e um requisitado sideman ai no Rio. Como que esse groove todo começou? Sei que você originalmente era baterista e que conheceu o trombone em meados de 2012.

Fui tocar trombone bem depois. Meu pai é músico e ele queria ter um filho batera. Comecei a tocar com 11 anos e eu me lembro que a gente estudava bastante. Todo dia depois do almoço a gente tocava umas 2/3 horas seguidas, sax e bateria. Eu tinha que ficar ligado na forma das músicas, nos temas e tal.

Eu queria tocar guitarra e ele falava que era instrumento de vagabundo. Baixo também não podia, ele dizia que era muito difícil, tinha que fazer muita gig. Trompete também não por que ele falava que ia zoar minha boca, aí eu fiquei na bateria.

Tudo isso até um dia na faculdade que eu cheguei lá e vi que a galera do bacharelado… Todo mundo era tudo do erudito. O pessoal se esgueirando pra tocar aquelas músicas cerebrais, mas eu achava engraçado a relação das pessoas com o instrumento e aí pensei em pegar pra estudar à partir de uma matéria eletiva da licenciatura.

Comecei com o João Luiz Areias, primeiro trombone da Petrobrás Sinfônica aqui no Rio e de quebra, logo que eu peguei o instrumento, ele disse que eu não teria que corrigir a embocadura.

Mas eu não sabia nada, tentava decorar a posição da vara, enfim.  Não sabia onde ficavam os sons, mas seguia uma matemática maluca da minha cabeça e quando vi já estava fazendo gig. Quando percebi, estava tocando trombone, tanto quanto bateria.

Eu comecei a tocar com bateria com 11 anos. Com 14 já fazia uns shows e com 16 já estava fazendo vários subs e shows na lapa. Toquei no Baile do Almeidinha, com o Hamilton de Holanda, entrei na banda do Léo Gandelman, Elza Soares e aí foi indo.

O meu universo na bateria era diferente do meu universo no trombone. Agora eu entrei na onda do trompete.

Tá gravando já?

Já, mas estou indo ao melhor estilo devagar e sempre.

7) Antônio, queria que você falasse um pouco sobre o trombone, mas com foco no cenário nacional. O povo brasileiro tem uma memória muita curta e eu queria entender também quais foram os instrumentistas que influenciaram você.

Da galera das antigas, tem alguns mestres que me influenciaram muito a estudar. Teve o Roberto Marques (do Pagode Jazz Sardinha’s Club). Ele gravou muita coisa de Samba. Raul de Souza, evidentemente, todo mundo que toca trombone precisa conhecer esse cara.

Tem o Serginho Trombone, que era da banda do Léo Gandelman. Fez arranjo pra tanta gente que você nem imagina. Tem o Nelsinho, que era o ídolo do Roberto Marques.

Só Nelsinho?

Sim, gravou até com o Cartola. Esses são as minhas maiores referências.

8) Ainda nessa questão do trombone, queria que você comentasse um pouco sobre enxergar os instrumentos dentro de um contexto. Eu conheço um trompista excelente daqui de São Paulo (Victor Prado) e ele falou um negócio simples, mas que quer dizer muito. Alguns instrumentos, como a trompa, por exemplo, parece que estão condicionados a aparecer apenas numa sala de concerto. Como você observa isso? Alguns tipos de sopros são raros fora desse contexto e eu queria saber como você analisa a limitação de posicionar instrumentos dentro de um contexto específico.

A música não tem limite, mas realmente, alguns instrumentos são muito estereotipados. O pandeiro é samba, entendeu? O trombone aqui no Rio voltou, a galera começou a trazer ele para os bailes, fora do carnaval, apesar de ser um instrumento de orquestra.

Gafieira? Gafieira é trombone. Sopro no Samba normalmente é trombone ou flauta. Trompete você já não joga num samba. Tô falando de Samba mesmo e não Samba-Jazz. O clarone que até rola no disco é um exemplo disso.

O Jimmy Giuffre, por exemplo, tocava um clarinete em lá, meio tom abaixo. Ele tem uns discos com um trombonista chamado Bob Brookmayer. Gostava muito no som do clarone e clarinete com trombone. Aquele Jazz West-Coast, da Califórnia.

Trouxe a onda do clarone-trombone por isso também.

Por ser um som já pouco usual você também não pode pensar em algo muito contrastante. Tem que harmonizar a parada.

Pode crer. Fico feliz que você tenha curtido o trampo, bicho, estou bastante satisfeito com ele.

Matérias Relacionadas

Um retrato da amplitude da Música Preta Baiana nos anos 80, antes da Axé Music – Artigo

Danilo
9 meses ago

Sons Of Kemet (2018) – Oganpazan Drops

Guilherme Espir
4 anos ago

BOLODOIDO MUSICAL VOL. 02 – TRETA: NOVA IORQUE X BOSTON

Dudu
6 anos ago
Sair da versão mobile