Cobra Coral (2020) EP novo de V.Xamã, isolamento e política!

Cobra Coral (2020) EP novo de V.Xamã, isolamento e política, MC e beatmaker manaura lança novo trabalho refletindo nosso momento!

Em tempos de pandemia e isolamento o manauara Victor Xamã soltou seu novo EP, Cobra Coral (2020), lançado hoje de madrugada, dia 26. Victor Xamã, um dos melhores MC’s da sua geração, traz entre outros temas uma reflexão a respeito dos nossos tempos de confinamento, de um ponto de vista bem particular e introspectivo.

A primeira faixa, “Todos os Desejos no Teu Corpo Nu”, que conta com a participação da cantora Gabi Farias, traz o verso “Eu tô trancado mas a mente não tá” quase como um mantra. Em uma época de incertezas sobre a vida, carreira e um futuro que pra todos nós é incerto, Victor Xamã coloca o amor e a lembrança da terra natal, como formas de se fortalecer e diminuir a ansiedade que parece também ser um fruto desse contraste entre a situação atual estática, monótona do confinamento, e um futuro de incertezas e angústias frente ao desconhecido, vivendo agora em SP. Algo interessante na obra do V. Xamã é como ele sempre utiliza referências muito particulares do Norte, como a natureza, o contraste entre a cidade e a floresta, a fauna, entre outras coisas, como formas de reafirmar de onde veio e quem ele representa quando alça sua carreira a um nível nacional. Essas referências aparecem em outras faixas e também no nome do EP, Cobra Coral.

Em “Cédulas de Diferentes Tons”, segunda faixa do EP, o MC retoma essa contraposição entre liberdade e aprisionamento, já arranhada na primeira faixa. A música se inicia com um áudio falando sobre o isolamento e a vontade de sair, ser livre, enquanto ao fundo crianças gritam e riem. Esse contraste me chamou muito a atenção por haver a demonstração de um sentimento de aprisionamento ao mesmo tempo em que há a sensação de liberdade infantil, convivendo na mesma situação, no mesmo espaço, mostrando que essa noção de falta de liberdade na verdade depende da perspectiva. A faixa trata de diversos temas, mas a política se sobressai logo no começo. 

“Respeitem os mais velhos menos os bolsonaristas

Tantos marginalizados de quem será a culpa?

Nas área deuses brincam sempre de par ou ímpar

E pra mãe viúva quem que vai pedir desculpa?”

Em tempos de milhares de mortos por dia, enquanto prefeitos, governadores e presidente promovem a reabertura da economia às custas da vida do povo, esses versos têm um peso enorme. V. Xamã crítica não só os políticos como parte do povo que prefere apoiar esse genocídio do que se enxergar como indivíduos que fizeram escolhas erradas e abraçaram uma mentira. 

A faixa Cobra Coral, que carrega o nome do disco, traz a participação de outros dois grandes expoentes do rap nacional, o baiano Davzera e o paulista Yung Buda. Xamã e Davzera que já colaboraram em outras faixas como Tropiqal e Sundown 30, se somam a Buda e incorporam aspectos da cobra coral para reivindicar um espaço mais do que merecido no cenário do rap nacional. Algo que chama a atenção é que os MC’s não utilizam flows agressivos, agem de forma sútil como a cobra, mas armam o bote em versos como “Desce dessa escada ela tá quase caindo… Essa vida fake tá te conduzindo” e “Problemas resolvidos na lata/ Ratos sempre vão tá no convés”. 

Em San Pablo, com produção de Neguin, Xamã expõe um pouco da sua nova realidade vivendo em SP. Infelizmente ainda é muito difícil se firmar no cenário de rap estando fora do Sudeste e rappers como Xamã, Don L, Zudizilla, entre outros, precisam migrar para alçar voos maiores e chegar aos ouvidos preguiçosos do Sudeste. O MC traz o refrão “Nada a perder Não tenho/ Tempo para o negativo/ Tempo pra viver uma mentira bem contada” para contradizer o velho mito de que de 2016 pra cá foi aberto espaço para rappers do Norte e do Nordeste. O rap Nortista. principalmente mas não só, continua bastante invisível e exceto pelo nome do próprio Xamã, não aparece em rankings, canais do Youtube ou páginas de fofoca do RAP, o que o torna invisível já que grande parte do público de RJ/SP utiliza apenas esses meios como forma de conhecer novos artistas. Aqui o MC novamente traz as referências à terra natal e utiliza o duplo sentido de “amar é Norte” como forma de reafirmar seus laços com sua área e com os que lá ficaram. 

A faixa bônus que encerra o EP traz os manos João Alquímico e Mayer Herrera em uma lovesong de respeito, beat de RVL$. É importante ressaltar que essa track é aqui “lançada” como um single da ReginaldoLoveTape(2020), que a dupla Alquimíco e Herrera vão soltar ainda esse ano.  Além da qualidade indiscutível da faixa, um ponto que precisa ser ressaltado é o fato do Victor Xamã trazer dois MC’s amazonenses, um deles da Qua$imorto, mostrando que sua mudança pode servir como ponte para outros artistas do Norte que também precisam de destaque.

O Norte possui uma nova geração de rappers como Nic Dias, Qua$imorto, Anna Suav, MC Super Shock, Bruna BG, Zion, Ian Lecter, Gabriel Daluz, entre tantos outros, com talento muito acima da média e que são constantemente apagados por preguiça, bairrismo e preconceito do público e de parte da mídia do rap do eixo RJ/SP. 

A pergunta que fica é quantos mais terão que migrar para que o Norte seja reconhecido como um polo importante do rap e não se resuma apenas ao nome do Xamã que vem há anos criando pontes com o underground do Brasil inteiro, brigando por espaço e mesmo assim não tem o devido destaque a nível nacional. Vide o excelente disco da Qua$imorto que não teve espaço nos “democráticos” rankings de final de ano.

-Cobra Coral (2020) EP novo de V.Xamã, isolamento e política! 

Por André Clemente de Farias

 

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