FBC – S.C.A. (2018) Um disco tipo ocupação! Fugindo das bobagens competitivas do hype atual, o rapper apenas demarcou seu terreno com força!
Ocupar e resistir é palavra de ordem de origem anarquista, e artistas independentes emitem o mesmo enunciado quando produzem suas obras, mesmo que o desconheçam. O movimento de buscar um espaço próprio dentro de um cenário, segue de algum modo, essa coordenada de ordem estético-politica.
Obviamente que isso só é verdade para quem se propoem fugir dos esquemôes de compra e privatização de um terreno no star system. Produzir arte relevante é uma luta, lançar hoje é mais fácil, no entanto, manter-se é o trabalho fundamental nesse processo de produção fragmentada e diversa na cena musical atual.
A geração que cultua o hype hoje, deixam com frequência passar excelentes obras, de artistas que dão sangue para produzir, e que necessitam obviamente de uma recepção de mídia e público pra fazer com que seu trabalho vinge. Esse processo é complexo e não nos cabe nesse texto aqui, tentar delimitar quais os caminhos tortuosos – ou nem tanto – que produzem o sucesso de público e critica.
O fato é que o rapper mineiro FBC, lançou seu segundo disco com uma força tão grande que já em sua primeira audição, nos faz perceber através das faixas, o quanto de dor e potência o artista teve que dispender. Transmutar vivências em letras, em música, certamente só é algo fácil até a página dois. Fruto das batalhas, mas também instrumentista que já navegou em bandas de rock, FBC começou a alcançar maior notoriedade nacional após o estouro da DV Tribo.
Toda essa caminhada\ideias na música, mas também suas vivências estão impregnadas de modo inequivoco através das letras e da sonoridade do disco. Em S.C.A.(2018), podemos perceber facilmente como o artista conseguiu amalgamar criticas sociais, raciais, estéticas e politicas sem, em momento algum abrir mão de clichês. A começar pelo apelo visual, criado para o disco.
A capa de Sexo, Cocaína e Assassinatos (2018) é uma releitura do disco de estreia da banda mineira de metal extremo: Sarcofágo INRI (1987), uma das maiores bandas da história do metal brasileiro. Procedimento antes utilizado pelo seu parceiro de DV Tribo e vida, Djonga, que fez em seu disco Heresia (2017) de sua parte uma releitura do clássico disco do Milton Nascimento e Lô Borges, Clube da Esquina (1972).
Mais do que mero elemento de homenagem, justa diga-se de passagem, FBC se apropria dessa releitura ao percebermos o conteúdo do disco, que em muitos momentos nos alerta para o cenário violento em que vivemos em nossas periferias. Falando de algum modo do cemitério que são as nossas metrópoles, onde vidas são mortificadas pela crueldade da administração de nossas urbes, o mc mescla um discurso entre a vitória e a morte. O signo da morte é aqui muito bem distribuido através das faixas, sob diversas perspectivas. Há uma espécie de levante contra a administração da Barbarie que vivemos desde sempre, que por pouco que foi combatida, recebeu um golpe e nos colocou na presença do fascismo escancarado.
É exatamente contra esse sistema capitalista agonizante e fascista, que FBC erigiu músicas que servirão para construir seu território no cenário do rap nacional. Ao mesmo tempo, em que procede por violência e humor contra o status quo, tendo ao longo do disco uma variação muito interessante de ideias e tons.
Dentro de uma cena onde pagar por reacts, onde impulsionamento e propaganda dominam, FBC propõe um disco que vem funcionando como uma especie de ocupação estético-politica. Uma invasão que não estava prevista, mas que chegou pra ficar.
O disco conta com uma produção finissima da dupla Coyote Beatz & DJ Spider, e participações muito bem equilibradas de Chris, Lord, Doug Now, Hot e Djonga. Junto com essa gangue, FBC constrói a sonoridade e a poética que faixa a faixa vai diagnosticando, agrimensurando e cartografando os problemas que enfrentamos hoje.
Sejam problemas de origem secular no campo de nossa história que por não terem recebido o tratamento devido, nos trouxeram às coisas que estamos vivenciando hoje, num misto de espanto e terror. Ou mesmo problemas que surgiram nos últimos tempos e de que somos contemporâneos. Abrindo espaço ainda para cantar a liberdade e o amor, sem contudo abrir mão de diagnósticar com precisão problemas numa estética gourmetizada para o rap, fruto de uma moda ridícula – tentativa de apropriação da cultura hip hop – para dizer o minimo.
Utilizando esses elementos, o artista vai criando seu próprio espaço musical de modo bastante consistente, demonstrando muita versatilidade, lírica, vocal e de flow. Fazendo com que sua produção em disco, seu segundo album, tenha de algum modo um sabor de verdadeira estreia (pra quem não o conhecia). Um tipo de sabor de casa própria, de quem passou perrengue no aluguel e depois de muita luta, conseguiu com as proprias mãos e suor levantar sua morada.
O álbum começa sob o signo da auto afirmação com o disco se abrindo pro ouvinte com muitas messagens de progresso e força, de algum modo deixando claro de saída, qual o propósito essencial da arte. Buscar a melhoria constante das formas, sejam elas musicais, esteticamente pensando, mas sobre tudo através da apresentação de uma postura existencial firme e cada vez mais rica e combativa.
Dignidade e igualdade como substâncias fundamentais podem ser ouvidas aqui como afirmaçôes da busca de uma visão do rap como música de combate – original hip hop. As duas primeiras faixas do disco trabalham nesse território, em dois beats de trap muito bem dosados. falando sobre essa busca de seu próprio lugar e porque não, de seu movimento de superação histórica, com muita fé e foco.
Tanto em Frank & Tikão quanto em Não Duvide feat Lord (ADL), a pegada é a busca de vitórias individuais que ecoem num coletivo, mesmo que restrito ao círculo principal das próprias relações. Ao escutar essas duas faixas que abrem o disco, o ouvinte pode ter a impressão de que o disco poderia caminhar para uma visão meritocrática. Mas existe uma diferença fundamental em descrever caminhos percorridos e incentivar outros a segui-los sempre ao seu proprio modo e se auto vangloriar, o artista prefere seguir a primeira estrada discursiva. Até porque, como o mesmo esclarece em outro momento não é discurso, é práxis.
A necessidade de gourmetizar o rap é a tônica atual de uma sequência grande de produções, inclusive com mc’s muitos bons, mas que sabe-se lá por que – dinheiro? – entram nessa barca furada. Rap acústico é uma das excrescências que essa década nos apresenta juntamente com o nosso novo presidente.
Uma engrenagem complexa que envolve uma série de problemas que dariam um outro texto, Fabricio conseguiu condensar em poucous minutos na faixa 17 Anos. Escutem e entendam que quem leva violão pra festas tem lugar assegurado no inferno, mas quem produz rap com violão, tecladinho de churrascaria e cajon, esses ainda não encontraram seu destino pós vida.
Sempre me pergunto diante de músicas como Superstar, como faixas como essas não viram hit em rodeios, festivais de sertanejo universitário, carnaval, micaretas e etc? A acidez presente nessa música é talvez uma resposta, e a produção de uma narrativa como essa que o FBC nos coloca é auto explicativa. Entre o máximo que o capitalismo produz como simbolo de conquista para a periferia e o lugar onde a pobreza é a mais cruel, contrapostas de modo ironico e até cinico. é uma pequena peça de genialidade presente em S.C.A.(2018). Há na sequência uma ode a maconha que se faz com muita qualidade nas analógias brincantes com as relações amorosas em Ela é Green.
Se no disco do Djonga foi o FBC quem lhe mandou um salve para o seu parceiro de correria, o “favor” é retribuido aqui numa narração improvisada emocionante.
Participação que serve-nos para nos fazer entender que o que de fundamental hoje acontece na arte mundial, vem dos pretos e dos pobres. Aliás,sempre foi assim né, pelo menos em tudo de mais relevante da música do sécu. XX e XXI a origem está nos pretos e dos pobres, ou alguém ai duvida?
Toda essa preparação feita até aqui, não nos encontra prontos para a trinca final que fecha o disco, com o peso do disco alcançando seu máximo de potência. As três faixas que encerram o disco conseguem por um milagre nos fazer compreender de onde saiu as questões anteriores, Uma recapitulação ao final e ao cabo, que termina por abrir o disco de traz pra frente.
Faz um tempinho que não escutamos algo que termine tão forte, mostrando que o disco foi pensado como tal, algo raro hoje. Num momento em que há certo esforço pra terminar alguns discos, S.C.A.(2018), termina pedindo seu reinicio, nos empurrando nessa direção.
Quando escutamos Contradições, já estamos entre amigos, e entendemos facilmente as criticas ao inominavel e as suas tropas que o mesmo quer dar aval para matar. Já percebemos rapidamente também que precisamos estabelecer estrategias para viver pelas ruas que compoe nossa cartografia comum, precisamos estabelecer o ethos da maladragem. Saber driblar o aparelho do estado que nos quer como estátiscas, e os riscos presentes na faixa são muito representativos, tanto musical, quanto culturamente.
Música que nomeia o disco Sexo, Cocaína e Assassinatos, coloca as coisas nos seus devidos lugares quando se trata de entender como funciona o combate as drogas. É pokas, para quem acredita que os peões do jogo são os verdadeiros culpados do caos – e aqui seu Filho Bastardo nos avisa – que isso é papo de X9. Entederemos um dia talvez que todo o discurso proibicionista e todos aqueles que o compraram são os responsaveis pelas milhares de mortes, que decorrem do combate às drogas.
Encerrando o disco, aquela que pra nós é a melhor música do disco, e isso novamente é algo novo pra nós. Pelo trajeto de compreensão que narramos até aqui, não seria de se pensar que uma faixa que dialoga com o fracasso, com a morte e com a ilusão que nos assombra seria a eleita. Mas, algumas questões que se nos colocam de modo muito forte, asseguram essa afirmação.
De modo fragmetário o segundo disco pós Caos (2013) do rapper FBC, consegue construir com sua própria vida e com sua obra, uma ocupação muito relevante dentro da cena hip hop nacional. Já é um sucesso, para alguém que veio de onde vem, com as oportunidades que teve. O S.C.A.(2018) se constitui numa ocupação para nós, exatamente pela resistência que conserva, ao mesmo tempo, em que consegue explorar o territorio conquistado expandindo-o, seja no trabalho de dobra com Djonga, seja na conquista mesma desse lançamento.
Em Poder part. 2, o esclarecer de como a máquina capitalista que destroça corpos e subjetividades está plena de potência, desvendando de que modo as exigências de sucesso afligem preferencialmente os pretos e pobres. Meninos e meninas que embarcam atrás do coelho de Alice, acreditando em mitologias irlandesas, e recaindo num sem sentido que custa-lhes muitas vezes a vida.
É importante dizer isso hoje, não vai haver nada lhe esperando no final da bala, ou da prisão, somente mais indiferença e discriminação ou sete palmos de terra. Nossos jovens precisam dessa música pra ontem, aqueles moleques que estão na facção acreditando que não poder sair de seus guetos é vida. Vida é movimento, e o movimento que FBC estabelece em seu album, é vida, persistência e foco visando real melhoria de vida. Uma busca consciente pelo bem comum e ao mesmo tempo pela felicidade.
O rapper FBC em seu segundo disco consegue nos entregar uma obra necessária e que é capaz de apresentar para os mais novos quais os caminhos que precisamos enfrentar. Ao mesmo tempo apresenta para os mais velhos um disco que representa realmente um rap com “conhecimento”, algo que também está em falta.
Papo de quem viveu as ruas, as ocupações, agremiações estudantis, o rap e o hip hop de sangue e alma, e que venceu, já venceu, independente dessa merda de melhor disco do ano. Ao que parece, pelo que podemos perceber: Puta Que pariu Fabricio, o vilão não vai morrer no final e vaai conhecer várias favelas do Brasil.