Victor Xamã lançou o seu terceiro disco cheio “Garcia” e se reafirma como um dos maiores MC’s de sua geração, dando aulas de originalidade.
“E se eu não fosse eu, o que eu seria?
A morte é quando silencia a harmonia
E no silêncio mora a sabedoria
GARCIA
“Victor Xamã”
Garcia, o novo disco do MC manauara Victor Xamã já se destaca como um dos grandes lançamentos do ano. Se existe algo gratificante para quem escreve e ama música é acompanhar uma carreira como a do Victor Xamã desde o ínicio. Com 10 anos de caminhada dentro da cultura hip-hop, o manaura entrou em nosso radar quando lançou o seu disco de estréia Janela no já distante 2017 e desde ali não paramos de acompanhar o desenvolvimento artístico desse que é sem dúvida alguma o nome mais importante da história do rap do norte.
Ao longo de sua trajetória artística, Victor Xamã foi o responsável por começar o trabalho de abrir os olhos do país para a grande cena do rap do norte. E se obviamente não faz esse trabalho sozinho, com toda certeza foi um dos baluartes a despontar e nunca esquecer de onde saiu, sempre exaltando suas origens e dando aulas de geografia para um cenário que teima em olhar apenas para o umbigo de SP-RJ.
Atualmente morando em São Paulo, Victor Xamã soltou o seu trabalho mais importante até aqui, Garcia vem para alavancar uma caminhada que já conta com 3 discos e 2 EP’s além de diversos singles e audiovisuais que sempre se destacaram pela imensa originalidade. Não há nada parecido ao que VXamã desenvolveu em termos líricos nos últimos anos, em sua carreira solo e com o seu grupo Qua$imorto!
Neste novo trabalho, nomeado com o seu sobrenome – Garcia – a entrega que o artista nos oferece é algo completamente fora da curva, com um forte apelo soul, Victor Xamã demonstra com ampla facilidade não uma evolução, mas a mais pura extensão de todos os seus talentos. As duas faixas que abrem o disco, e que foram lançadas como single com um audiovisual incrível Garcia (intro) e Oito Correntes, servem ao propósito de nos mostrar o que vem pela frente!
Escrevemos sobre esse lançamento anteriormente e basta você clicar aqui para ter acesso.
O Duda Raupp participa de 4 batidas e co produz as 3 primeiras são instrumentais do Victor Xamã, além de coproduzir com RIFF & Janluska, restando Noshugah e Teo Guedx assinando as duas últimas músicas. O disco é muito rico musicalmente e os instrumentais grudam no ouvinte, nós que tivemos a honra de receber o disco quando ainda eram guias, pudemos observar um pouco do desenvolvimento do trabalho que é recheado de participações.
Já no single duplo das faixas Garcia (Intro) e Oito Correntes, a belíssima guitarra de Thiago Ticana e as vozes de Gabi Farias e MANDNAH, ajudaram a abrilhantar as músicas, porém em um disco de Victor Xamã o controle estético e conceitual passam necessariamente pela proposta que arquiteta a obra como um todo. Garcia (2023) é de fato um disco, em um momento onde muitos soltam trabalhos frágeis e muitas das vezes repetindo fórmulas no mainstream do rap nacional, VXamã segue sempre dando aulas quando se trata de conceito. Com trabalhos que apresentam um pacote completo de música e imagens, todas trabalhadas conceitualmente em um nível muito alto de criação!
Já na terceira faixa do disco a independência estética e o seu diferencial é apresentado na sua parceria já longeva com o grande Makalister, “Bússola Quebrada part 2” , remetendo o ouvinte ao seu disco de estréia: “Janela (2015)” onde o MC de Florianópolis também participou. A música é um dos grandes momentos do disco, em um beat finesse parceria do Victor com o Duda, onde rimas lúbricas e as líricas dos MC’s vão sendo costurados como alta costura ou como pinturas rupestres em 3D pela mente do ouvinte.
Com Garcia (2023) Victor Xamã se mostra como um dos grandes nomes da música nacional, já em “Pelas Ruas da Cidade” um dos seus imensos talentos veem a tona com uma qualidade muito grande: o seu canto. VXamã é também, além de um dos nomes mais relevantes do Rap nacional, um cantor de timbre e beleza em sua voz. Aqui com a parceria da grande cantora amazonense Karen Francis que manda muito cantando e rimando, o MC mescla o canto com linhas pesadas sobre seu papel no cenário.
Junto a Luedji Luna na faixa “Vigésimo Andar”, Victor Xamã produz uma ode muito bonita a esse novo momento e a esse novo eu que ele nos apresenta. Em um R&B que certamente levará alguns às lágrimas, o canto de Victor se junta ao da bela e potente voz da Luedji para criar um clássico contemporâneo. O cuidado com o instrumental dessa faixa é uma beleza à parte, muito bem construído e com o groove no ponto. Em “Flores Mortas & Algemas” a transmutação lírica de VXamã, sua assinatura lírica incomum e longe dos clichês, seu canto soul encontram-se em uma faixa que é uma excelente amostra da força desse trabalho.
O disco vai soando pelas caixas leve, com uma sonoridade única, e ao longo das músicas Victor Xamã vai construindo uma narrativa onde amor, a gana de vencer na música, com uma poesia que ultrapassa e muito o que atualmente ocupa o mainstream do Rap nacional. A temperatura das faixas não muda muito de uma faixa para outra, mas segue inoculando ideias e conceitos, imagens poéticas e flows no ouvinte de modo a fazê-lo fruir tudo com certa tranquilidade, atravessando ritmos diversos. Garcia é uma construção muito coesa esteticamente, sem em momento algum apelar para algo já dado no mercado, a sensação é a de estar diante de algo realmente novo e mesmo dentro da obra do VXamã.
Um outro ponto que vale a pena destacar diz respeito ao tamanho das faixas. Atualmente lançam-se discos que não são discos no que tange ao tamanho da obra, e é um costume hoje que as músicas não devem ultrapassar os dois minutos e meio. Garcia é composto de 9 faixas mais possui 33min e 6s, com muitas músicas que passam dos 4 minutos de duração, composições que realmente trazem algo substancioso, sem serem repetitivas.
No bloco final do disco composto por 3 músicas, “Vozes na Cabeça” é um dos momentos mais fortes de todo o álbum, com o MC alternando entre a primeira e a terceira pessoa, e elaborando uma forte crítica ao mercado. O sonho de ser um músico, um artista que não pausteriza sua arte para fazer sucesso, e que diga-se de passagem, Victor Xamã tem conseguido e muito bem, ao desenhar uma obra que vem não apenas sendo amada por quem realmente ama o rap e a qualidade lírica, é o tema da faixa.
Longe de querer ser aceito pelo mercado cultural que visa esvaziar a arte dos MC’s para que venda-se melhor e mais, Victor Xamã sabe que é o que ela – a indústria – precisa. E na faixa “Dias em Branco” traz um feat pesado com Gigante do Mic e o monstrinho Matheus Coringa em uma boombapzeira cortesia do Noshuga, instrumental sujo e recheado de linhas pesadas dos três MC’s. Uma declaração de que ele não está a venda mesma que queira números, mesmo que queira tocar em festivais grandes, mesmo que “o que considerava excessos, hoje considere pouco”.
O disco chega ao final, pasmem, com um drill com participações dos VND e do Big Bllakk, e aqui Victor Xamã mostra que é um MC que não encontra nada parecido consigo no game. Os dois artistas que participam da faixa são duas das grandes revelações do rap nacional, mas aqui a comparação vale por nos mostrar um artista que o manauara está no mesmo ou em nível superior ao que de mais novo surge no cenário. A faixa “Luz Acesa” é o gran finale de um projeto que certamente se escreve na eternidade da música brasileira.
No ano da graça de 2023, Victor Xamã se inscreve como um dos nomes mais importantes da história do rap nacional, como o MC mais importante do norte do país, colocando sua região no cenário, trazendo artistas de lá para os holofotes. Mas sobretudo, em Garcia (2023) temos um disco de um artista com amplo domínio de sua técnica, longe de toda a fake cena que emula notoriedade sem lastro estético para isso. Não existe nada parecido com Victor Xamã no rap nacional!
-Não há nada parecido com Victor Xamã no rap nacional, Garcia(2023)
Por Danilo Cruz