Um bate-papo com o multi-talento mineiro Gurila Mangani

Gurila Mangani conta da sua trajetória passada, presente e futura ao falar de rap, música alternativa e produção de beats.

Para quem mora em Belo Horizonte e faz (ou já fez parte algum dia) da cena musical alternativa e autoral da cidade, é praticamente impossível que nunca tenha ouvido falar ou trombado com o Gurila Mangani por um rolê pela capital das alterosas. Mangani é aquele cara que dialoga com artistas de diferentes nichos que vão desde o jazz experimental ao rock alternativo sem obviamente deixar de lado as suas raízes: o rap underground.

Gurila
Gurila Mangani

Sua trajetória é extensa passando por grupos de rap underground como o Casa B no início dos anos 2000 até o atual Terceiro Turno que conta com Castilho (MC da banda mineira de jazz rap Zimun) e o produtor e também MC; Cizco. Em sua caminhada, Gurila contribuiu ainda com vários artistas de renome da cena local e nacional como a Black Sonora, B Negão e Matéria Prima; só para citar alguns.

Conforme o próprio artista confirma, em seus primórdios na cena rap e cultura hip-hop local, ele foi obrigado a se reinventar enquanto rapper e produtor para poder encontrar uma forma de se expressar musicalmente. Nas palavras do próprio:

“O beatmaking (produção de beats) surgiu por necessidade. A gente era de Santa Luzia (região metropolitana de Belo Horizonte). Não tinha internet e o que tinhamos eram alguns cd’s de base vendidos na galeria praça 7. Porém, os cd’s que eram vendidos não tinham as bases na pegada que a gente curtia. Dos produtores que a gente teve acesso na época (era raro conhecer algum produtor), nenhum conhecia ainda o Boom Bap e o Rap Underground. Aqui em BH o rap era muito voltado ao gangsta rap, que apesar de a gente curtir, não era o que a gente queria fazer. Fora o preço que era para produzir uma música por completo, desde a base a masterização com voz era um valor totalmente fora da nossa realidade.

Comecei a produzir aproximadamente em 2001/2002, ainda sem ter computador em casa. Fiz muita coisa no computador de amigos que na época também estavam comecando a produzir. Para conseguir um software você tinha que ir na casa de quem tinha, levar um cd virgem e torcer pro computador dele ter gravador de CD (e pro cd não queimar, rsrsrs).  Fizemos muita coisa na casa do Alexandre Rato e também na casa do Ramon Martins. Naquela época era difícil alguém ter internet, acho que nem existia Youtube e Google ainda era escasso de informação”.

Gurila lembra também em como era trabalhoso (porém, extremamente inventiva e original) a forma como ele e seus comparsas utilizavam os equipamentos disponíveis para produzir beats. O processo descrito por ele lembra muito o que grandes produtores como Madlib fez em álbuns como o clássico Madvillainy (junto ao falecido e lendário rapper e também produtor MF DOOM; que não por menos é uma grande referência para o Mangani). Remete também aos processos mais que criativos que o recentemente falecido Lee “Scratch” Perry (uma das maiores lendas do dub jamaicano) fazia em seu estúdio. Nas palavras do artista:

“As primeiras produções mesmo eu tenho que agradecer ao Pankito, que na época era dj das bandas Bossal e Quebra Kbça (bandas de rock alternativo importantes na cena under de BH e região). A gente junto do Ramon criou um projeto que se chamava “Entre Aliens e a Terra”, que misturava coisas tipo Einstürzende Neubaute, Atari Teenage Riot, Funk Carioca, Rap, Miami Bass e tudo mais que a gente tinha acesso.

Ele tinha um toca discos, um mixer gemini com sampler, dois tape decks e vários discos. O processo era o seguinte: gravava um loop no sample, passava pro deck. Depois de gravado, passava a fita pro deck que ficava no segundo canal do mixer e ia adicionando os outros elementos, gravando camada por camada. Ficava naquela trocação de fita hora no deck do mixer, hora na master. 

Era um processo muito trabalhoso, totalmente analogico e artesanal, mas foi uma base muito importante pra bastante coisa que eu já fiz e ainda faço hoje em dia. Desde técnicas de gravação, a calcular tempo, bpm, afinação (era feito no pitch do toca disco ou no sampler do mixer) e dinâmica de música, a hora que entra só o sample, quando vem o groove, o baixo, refrão e por ai vai”.

Não por menos, com tamanha dedicação ao fazer musical e intensa pesquisa a diferentes estilos; ainda hoje são muitas as referências de Gurila. Todavia, ele destaca a trinca J Dilla, Madlib e MF DOOM como a “Divina Trindade do Rap”. Gurila explica:

“Minhas influencias passam por Wu Tang, Tortoise, Radiohead, até Nação Zumbi, Racionais, R.Z.O, Ratos de Porão e mais uma porrada de som. Realmente tento escutar e entender de tudo, principalmente músicas dos anos 70, 80, 90 e 2000.

Gosto muito do Dilla, pra mim é o Hendrix da MPC, o que ele fez é absurdo, a forma como ele humanizou a máquina é algo que você vê em praticamente todos dos beatmakers gostando/conhecendo (ou não) hoje em dia.

Madlib me trouxe o experimentalismo, a sujera, os timbres totalmente diferentes do que existia no geral. O trabalho que ele tem com os loops me infuenciam até hoje. Ele tem o lance de se aventurar em vários estilos musicais e eu me identifico muito com ele nisso. 

MF Doom me influenciou na forma que eu faço rap até hoje. Os beats dele têm essa pegada humanizada do Dilla e o experimentalismo do Madlib, porém ele faz algo dele e tenho certeza que Dilla e Madlib também tinham influencias do Doom em seus beats. 

Aqui no Brasil também tem bons beatmakers, sempre estou na escuta do que eles estão criando. Munhoz, Parteum, KL Jay, Marechal, Enece Beats, Drunk Sintatra, Slim Rimografia, toda a cena de CWB entre outros me infuenciaram bastante. Hoje em dia estou atento aos trampos do Sono Tws, Drumah, Kamau, Makoto, Lumbriga, os mano do Elo da Corrente e menção honrosa ao meu irmão mais novo Coyote Beats e ao meu parceiro de grupo Cizco Beats.

Voltando ao que destacávamos no início dessa matéria, a vida artística de Gurila Mangani não se resume apenas à música e à cultura hip-hop. Hoje, ele trabalha como luthier e guitar tech na Solsete, uma das principais lojas de música em Belo Horizonte. Isso permite a ele que “consiga tirar um som” (como o próprio Gurila descreve) de diversos instrumentos como “guitarra, baixo, teclado, violão, escaleta, glocknspiel (metalofone) entre outros instrumentos de percussão”.

Gurila destaca também que essa proximidade com o fazer musical por meio de instrumentos, enriqueceu sua visão enquanto produtor. Nas palavras do mesmo: 

O fato de você ter elementos orgânicos e equipamentos fora das DAWs (softwares de produção musical) naturalmente te fazem ter um som mais humanizado. Acredito que influencia bastante também na descoberta de uma sonoridade mais autoral. Poder misturar instrumentos analogicos com pedais de efeitos, compressores e samplers analógicos pra mim é meio que uma alquimia, saca?

E o multi-talento mineiro não para em seus desbravamentos pelo universo artístico. Atualmente, ele não só mantém um canal no YouTube no qual faz beats de forma espontânea e aberta demonstrando como todo o processo acontece, como também tem lançado comercialmente kits para confecção de beats; ampliando sua atuação ainda mais no meio do rap. Gurila explica melhor todos esses rolês na resposta a seguir:

O Youtube veio como uma renovação, uma nova forma de fazer arte. A plataforma, se você for parar pra pensar é voltada a troca de experiências, aprendizado e ideias. É um espaço criativo interessante quando se entende o funcionamento.

Venho buscado mostrar esse processo focando principalmente nas maquinas analógicas. É realmente artesanal, longe de ser perfeito e isso é justamente o legal de se trabalhar dessa forma. Pra mim, vem sendo um baita aprendizado musical e visual, já que também estou aprendendo também a editar vídeos, roteirizar, iluminar ambientes e afins. Muito além de views e likes (não que não seja importante), é uma forma de manter toda uma cultura viva para todos terem acesso.

O processo de criar beats com maquinas analógicas aqui no Brasil é algo que temos que nos adaptar constantemente, já que é muito caro importar. Se você pesquisar em sites nacionais, vai notar que quase não tem samplers para venda, MPC’s são raras e infelizmente muito caras. Então temos que ir atrás de outras maquinas que estão disponíveis e com preços acessíveis.

Venho também desenvolvendo algumas séries de drum kits e sample packs em parceria com a Lofiers. Samples extraído de vinil e de samplers e baterias eletrônicas antigas, com a sonoridade orgânica. Tento deixar os timbres com o mínimo de edição no computador. Já assinei 2 drum kits e venho trabalhando nesse momento em uma série de texturas e em um drum kit com bastante influencia no boom bap.

E aí, ainda não conhecia em detalhes a carreira de Gurila Mangani e quer sacar mais os trabalhos do cara? Então, acesse as redes sociais do mesmo e tome um tempo para desbravar os diversos projetos desenvolvidos por Mangani. Câmbio, desligo. Até a próxima, Oganautas!

LINKS DO GURILA MANGANI:

YOUTUBE: https://www.youtube.com/user/GurilaMangani

SPOTIFY: https://tinyurl.com/y9v73g8e

DRUM KITS: https://drumkitsandsamples.bandcamp.com/

BANDCAMP: https://gurilamangani.bandcamp.com/

INSTAGRAM: @gurila.mangani

TERCEIRO TURNO: https://tinyurl.com/y7c5mw28

MERCHANDISING COLAB55: https://tinyurl.com/y8vmslrf

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