Vandal é um dos maiores inovadores da história da cultura Hip-Hop nacional, e isso já antes da TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH!

“Eu me adaptei, mas não gentrifiquei
Eu me adaptei, mas não gourmetizei
Eu não sou aquele preto de vocês
Pro capitão do mato, bala e fogo é ser a minha lei”
A pedra de toque para que se perceba a singularidade de um artista é a construção de sua obra. Videoclipes, singles bombásticos e mesmo discos, por vezes não se sustentam ao longo de uma trajetória. Somente com o passar dos anos, e o desenvolvimento estilístico e estético vão certificar as obras como parte de um conjunto que se diferencia dos demais. Ao longo da história, não são poucos os casos de artistas que lançaram trabalhos que apontavam novas direções mas que não puderam levar a cabo esse caminho.
Implosões pessoais, escolhas de estilos mais palatáveis, pressões de gravadora para adequação a um modelo de produção, não foram parte da caminhada de Vandal. Neste sentido, os 10 anos da TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH são um marcador de um processo muito anterior, mas um gradiente do mais alto quilate para que se avalie o tamanho deste artista no cenário da música baiana e brasileira. Assim como, o tamanho da grandeza de sua contribuição para a música Rap no Brasil.
-Leia no site a resenha que publicamos sorbe a TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH de Vandal em 2015
Dentro do território nacional, Vandal se destaca como um dos grandes pioneiros de novas estéticas sonoras, porém ao contrário de muitos de seus pares de “mercado”, ele nunca se apossou do seu quinhão de reconhecimento. As ruas sabem, as trincheiras apoiam, no entanto, muitos dos artistas do mainstream tem medo e apesar de beberem da fonte, escamoteiam a referência. Vandal possui um primeiro registro de um artista da cultura hip-hop no Grime, em 2007 na Mixtape Fayaka Steppaz do Lord Breu, uma das figuras de proa do riquíssimo começo do Ministereo Público Soundsystem.
-Leia no site, nosso artigo sobre a Fayka Steppaz Mixtape do Lord Breu meets Ministereo Público
Algo imperdoável dentro do regime xenofóbico da cultura Brasileira, o Rap feito na Bahia sempre possuiu uma cara própria, inclusive com suas singularidades plenamente ancoradas na tradição dos blocos afro. Dentro dessa construção histórica, o Ministereo Público foi parte essencial para a pesquisa e absorção de outras rítmicas sonoras e linguagens poéticas das quais Vandal é parte integrante das clássicas sessões de estudo, no famoso e pouco conhecido DUBCÍLIO.
O DUBCÍLIO foi uma incubadora contra cultural que se iniciou por volta de 2005, localizado na casa de Russo Passapusso, no bairro da Boca do Rio, e onde colavam Papão, Pablo Dinada, OZ (Afrogueto), TheFrance, Fael Primeiro, Russo, Edbrass, Dudoo Caribe, DJ Raiz e DJ Pureza. Além de Dimak. Grafiteiro, MC, Tatuador e dono da marca Arte Bastarda, que foi o grande responsável por apresentar Vandal ao trabalho do Mc inglês Dizzie Rascal. Sobre essa apresentação e o desenvolvimento da arte de rimar no período Dimak nos conta:
“Estávamos todos tentando nos encontrar nos beat e riddims de várias sonoridades que pesquisamos, Dancehall, Steppaz, Drum’n bass, Jungle e quando eu ouvi o Grime pela primeira vez, senti que Vandal iria se identificar porque combinava muito com o jeito duro que ele rimava, ele sempre teve um flow mais peculiar, que não deslizava e isso casava perfeitamente com o Grime.”
-Leia no site, artigo publicado sobre a importância do mestre Dimak no Hip-Hop baiano
Perceba, estamos falando de um artista que passa pelo menos dez anos, se preparando, se testando – Fayaka Steppaz Mixtape – até lançar o seu primeiro trabalho solo. E obviamente, a TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH já traz em seu bojo diversos outros tipos de beat que já não apenas olham para fora, como já incorporam toda a efervescência da música eletrônica e popular na Bahia. Apresentando desta forma, um trabalho único em termos nacionais e mesmo internacionais, com uma cara totalmente nossa, sem por exemplo se fazer de marionete da estética Trap.
Muitos dos “grandes pensadores de internet” no que tange ao rap, entendem que trazer uma estética sonora de fora do país é comprar todo o pacote, em uma espécie de “mimese” – imitação – que não apenas cancela o aspecto criador do artista, como muitas vezes, erram na tradução porque se inserem em contextos sociais e políticos, completamente outros. Dessa forma, o frescor e a violência que Vandal apresenta no início de sua carreira, se apropria de estéticas como o grime, o trap e o drill por exemplo, com toda uma gramática própria.
Uma breve audição da música $ALCITYH, lançada no dia 19 de janeiro de 2014, junto com ESSEKARATEMH, nos mostra como a discussão sobre “Trap e Rap de verdade” é no mínimo estúpida e está sempre ancorada ou na ignorância ou no gosto, particular. A faixa que se ancora ritmicamente na estética do Trap, é apropriada líricamente por Vandal que não apenas insere diversos elementos próprios da geografia do Hip-Hop e da cultura baiana como citações ao pixador e grafiteiro Sinal e o capoeirista Besouro, sem mistificações.
Trazendo também citações a elementos da nossa cultura nacional, a exemplo da dupla sertaneja Milionário & José Rico e da cultura pop mundial como o clássico filme “Se Meu Fusca Falasse (1968)”. Tudo isso em uma vibe original e dentro de uma estética criminal, esta sim real, sem utilização de réplicas de armas e ou de vivências como a estética do Trap naturalizou, a citação a Feira de Santana é exemplar neste sentido.
Todos esses blocos de sensações, referências e afectos nos levam durante a audição a percber como o artista baiano, desde o início se sua caminhada se construiu através de procedimentos artísticos VERDADERUZH. Em momento algum $ALCITYH se converte em uma visão unidimensional e se afasta das bobagens mal refletidas ditas a respeito do Trap em uma pseudo oposição ao Real Rap, pois sempre se tratou de uma estética sonora, e não da má qualidade de meros imitadores:
“Ah, se todo preto voasse, vivesse nessa vida livre sem dificuldade, É sim, eu penso que se todo preto pensasse assim, vê que a vida não é novela, ela faz nada por mim, quando eu rimo emocionado, ela não chora, mas ri.”
Muito pelo contrário, a música trabalha as ambiguidades entre o luxo inalcançável para a maioria da população negra e os destinos trágicos imputados aos mesmos para a realização destes desejos que não podem ser atingidos com o mero trabalho “honesto”. Longe de moralismos baratos, Vandal chama atenção para a necessidade de prudência que aqui é representada pela Arte. Esta nossa interpretação, se ancora nos primeiros versos da música:
“A vida é puta mas segura essas broncas, que a cena é a fazer dinheiro tipo bonde da Stronda, mas não, se liga não parceiro que é só citação, pois o rap já faz dinheiro sem entrar os playsom.”
Música lançada no mesmo dia 19/01/2014, “ESSEKARATEMH”, um boombap produzido pelo grande mestre do rap baiano Diego 157, traz um exemplar único na carreira do artista. O sample inserido por Diego, retirado da faixa “Esse Cara” (composição de Caetano Veloso) presente no disco Deixa Eu Dizer (1974) da Claudia, é uma auto reflexão sem filtros. Algo que notabilizou Vandal desde o começo de sua carreira no rap baiano foi o fato dele não se colocar como modelo moral – “Vandal não presta, pra início de conversa” – mas que ao longo dela se tornou notório, foi que ele se manteve lutando pelo território e pelos seus.
“Neve no coração, eu não tenho religião, minha droga minha medicina, enquanto a puta segura minha mão, meu cortezano é meu Don Pérignon, se eu tô brindando todo dia é porque nunca tá bom”
Aqui, novamente há uma subversão das estruturas habituais que ligam o tipo de rima a sonoridades específicas, quando reais MC’s inovam pelo flow, pelas construções líricas e pelos temas e a forma de abordá-los. O boombap no Brasil sempre foi ligado – pelo menos para o grande público – ao termo vazio “rap consciente”, e o que Vandal apresenta no único boombap que já gravou é uma faixa onde o seu processo de exegese, de auto exame de si mesmo, é uma coleção de afectos. Em um dos versos Vandal se auto questiona:
“Eu tenho cama mas eu durmo no chão, olho pro teto ele girando, eu ando sem direção, porque, emocionado nunca pega visão, ando sismado, o que esse cara tem então”
Além da confissão o que há neste verso é uma apropriação muito original do sample recortado por Diego 157, e que o MC Vandal toma como deixa para ao mesmo tempo em que se auto questiona, expressar algo como uma mitologia própria:
“Nome Vandal, TIPOLAZVEGAZH vida real, nome Vandal, letra foda tipo Sinal”
Muito longe de ser um mero Braggadocio, o que há na resposta, nesta construção de “si mesmo”, por parte de Vandal para o homem Sidney, é a confirmação de um topos artístico, vale ressaltar, totalmente ancorado no Hip-Hop baiano e na certeza de que vai vencer o jogo. Enquanto a referência a Las Vegas como cidade dos cassinos é óbvia e remete imediatamente ao “Game Life” do rap, Sinal é um dos grandes nomes do pixo e do grafite baiano, infelizmente assassinado, alguns anos depois das duas músicas que o citam serem lançadas.
O apego ao nome de Sinal, além do óbvio reconhecimento artístico remete a sua própria inserção dentro da Cultura de Rua e do Hip-Hop que deu através da Pixação. E que encontraria no lançamento da faixa “40L” um ode a pixação muito bem representada na própria estética do clipe. Lançado no dia 14 de junho de 2014, é notoriamente o primeiro drill gravado no Brasil e trazia em sua construção lírica mais afetos e signos que seriam trabalhados e sedimentados ao longo da carreira de Vandal.
Apesar de sempre citar ao longo dos anos, e como o fez em “ESSEKARATEMH”: “Tem um ditado oh, Puta só, Ladrão só”, em “40L” tem o seu título retirado da gangue de pixação “40 Ladrões” da qual tanto Neghet quanto Vandal, faziam parte. Além de trazer seus irmão de vida Super Afro (que figura no clipe) e Core que dirige o trabalho sob a alcunha de Phodismo (sua assinatura no audiovisual e nas artes gráficas).
Seu primeiro trabalho oficialmente vinculado a UGANGUE, após a explosão do drill do Brasil, nunca foi devidamente reconhecido como o primeiro registro do gênero no país. No audiovisual, captado nos escombros de uma casa toda riscada, vemos o letrado de Dimak, do SuperAfro e do próprio Vandal. Na lírica, a economia em termos de versos é sobrepujada pela capacidade de sínteses violentas como na semiótica desse verso:
“Vamo pra cima caminhar com os Verdaderuh
Nunca foi fácil não tem que matar primeiro
Pego pelo dinheiro, eu vejo vários inimigo
Eles pintavam quadros de Romero Britto”
Remetendo a um só tempo, à força da arte de rua, da subversão do pixo diante de uma nulidade artística como a do trabalho de Romero Britto, juntamente na contraposição entre os verdadeiros da caminhada e os rendidos pela força da grana, entendidos como inimigos. Importante ressaltar que essa crítica ao Romero Britto ocorre 6 anos antes do artista presentear o fascista e admirador de torturador que ocupou a presidência do Brasil, chamemos de pioneirismo nesse caso também?
Para qualquer que seja a expressão artística e ou campo das ideias, o pioneirismo é algo essencial para demarcar período, prover reconhecimento de propriedade intelectual e dentro de uma cultura preta pode ser remetido a noção de ancestralidade, de respeito a quem veio antes.
Em artigo ao portal Mangue Jornalismo, o doutorando em Filosofia pela UFS, Marcos Roberto, demonstra que essa prática é bastante comum no que tange a imprensa e público brasileiro, como o mesmo apontou no artigo: “O pequeno mundo do rap: colonialismo cultural e o erro do discurso pioneiro.” Neste embalo destacado pelo sergipano Marcos Roberto, toda uma farsa em viés de marketing pessoal foi amplamente utilizado por nomes como Ebony e Raffa Moreira, que se autoproclamaram como pioneiros do rap sujo feminino e do Trap, respectivamente, sem que este pioneirismo possa ser aferido dos fatos históricos.
-Leia aqui o artigo publicado no portal Mangue Jornalismo, do filósofo Marcos Roberto
A pertinência da análise desse tríptico inicial lançado por Vandal em sua carreira, mostra-nos com pouco esforço que o artista já desenhava uma singularidade toda própria e que seria desenvolvida ao longo dos próximos anos. O pioneirismo de seus singles, sejam estilísticas como em “$ALCITY” e em “ESSEKARATEMH”, seja em forma e conteúdo como no caso de “40L” foram uma marca inicial, mas sobretudo, assim como a “Seaway” um signo que permaneceu como sua marca característica.
Desta forma, apesar da importância do reconhecimento, o seu trabalho no últimos 11 anos, o coloca como um dos 5 MC’s mais importantes da história do Rap Nacional na última década, e se o mainstream xenofóbico, os empresários e curadores racistas, a mídia de meme, o algoritmo e o público gado não o sabem, pior pra eles.
-Vandal e os 10 anos da TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH, uma introdução ao pioneirismo!
Por Danilo Cruz