Um Concorde chamado Trem da Alegria

O Trem da Alegria passou pelos anos 80 e adentrou os 90 de forma contundente, estabelecendo com O Balão Mágico , a hegemonia da children music daquele período. 

Da Turma do Balão Mágico ao Trem da Alegria

Tem da Alegria
Capa do álbum Trem da Alegria do Clube da Criança

Na minha primeira coluna para o Oganpazan, eu falei sobre toda a bonita historia e do poder midiático e sonoro que foi A Turma do Balão Mágico  (1982-1986/1988-1990). Mas confesso que era muito bebê quando o grupo viveu seu auge e assim, sobressaindo a última fase dos seus originais (lê-se “Simony & cia”) e uma segunda formação com gene nenhum dos primórdios, o Balão foi apenas um eco não vivente em mim, como se tivesse reminiscências dum tempo que não vivi, mas devo ter herdado nos genes musicais de outrora…

A grande children band da minha vidinha infantil com certeza foi o arrasa-quarteirão da música infantil brasileira, aquele grupo com verve moderna para a linguagem de criança oriundo de todo avanço dum público infante pós-Nova República (e também embebido das new waves comportamentais juvenis): os incríveis Trem da Alegria.

O Primeiro Festival Internacional da Criança e o início do ‘Trem’

Voltando nossa máquina do tempo para 1983, pararemos no 1º Festival Internacional da Criança, organizado pelo SBT-TVS, atração dominical sob a batuta do (mah ôê, hihi !!!) Silvio Santos. Era um festival musical que dentre os muitos candidatos vamos considerar a Patrícia Marques e o Juninho Bill (atuantes de clássicos programas de auditórios, como Show de Calouros e Programa Raul Gil), além do Luciano Nassyn (na época Luciano Di Franco), garoto-propaganda de fama e já com dois LPs gravados na época.

Trem da Alegria
Capa do primeiro álbum Trem da Alegria

Deste Festival originou-se um disco, lançado no mesmo ano, onde Patrícia grava a faixa “Mãe Natureza”, Juninho Bill “O Incrível Hulk” e Luciano “Rock da Lanchonete”. Após isto, os dois mais velhos (Patrícia e Luciano) são chamados pela RCA-Victor para gravar um álbum denominado simplesmente de Clube da Criança, homônimo do programa infantil da Rede Manchete apresentado pela modelo e inicial apresentadora Xuxa Meneghel. Juntando-os no mesmo combo com o palhaço Carequinha (que também tinha na época um programa no canal) e com participação de Emilinha & Robertinho de Recife, Roupa Nova, Vanusa, Sérgio Reis, Abysintho, Martinho da Vila, Sérgio Mallandro e até do Rei Pelé (na época crush da Xuxa).

Produzido por Miguel Plopschi, o disco popularizou e alavancou a duplinha para o sucesso, chegando a vender 350 mil cópias (disco de platina) e eternizando hits como “É de Chocolate” e “Carrossel de Esperança”. Em 1985, a RCA propõe a criação de um grupo musical de fato à Patrícia e Luciano, juntando-os ao Juninho Bill, assim nascendo o embrião já maturado do que viria se denominar Trem da Alegria.

Ainda vinculado ao programa da Xuxa, o Trem da Alegria do Clube da Criança conta com participação de, além do shippado XuPé (Xuxa + Pelé), Gal Costa, Moreno Veloso (ainda criança), Lucinha Lins, Fevers e da boy latin band Menudos cantando em português a faixa “Coqui” (inclusive um dos brindes deste LP seria um cupom para passar um final de semana com o grupo em Porto Rico!!!).

Destacando os arranjos e regências do magistral Lincoln Olivetti (1954- 2015), além das produções de Mariozinho Rocha e Michael Sullivan, o disco vende mais 400 mil cópias e traz sucessaços como “Uni, Duni, tê”, “Dona Felicidade” e “ABC do Bicho Papão” (anos depois imortalizado por uma campanha publicitária de Pelé contra o analfabetismo infantil, registrado perenemente pelo reformulado “ABC, ABC/ toda criança tem que ler e escrever…”).

O sucesso e a consolidação da banda 

Trem da Alegria
Segundo álbum do Trem da Alegria, lançado em 1987.

1986 foi marcado pelo fim do Balão Mágico (vide artigo “Chega Mais Juntinho, que o Balão já vai subir…”) e, também, pela formação mais clássica do Trem com o ingresso da Vanessa, que tinha a mesma idade da Patrícia e do Luciano (12 anos), além de também participante do 1º Festival Internacional da Criança.

Com experiência de outros discos já gravados, Vanessa veio pra engrossar e temperar mais o caldo do antes terceto, dando aquele equilíbrio de gênero quiçá necessário (duas garotas e dois rapazes). Este seria o primeiro disco “independente” do grupo, chamado unicamente de Trem da Alegria (pensar que naquele mesmo ano a Xuxa deixaria a Rede Manchete e se transferiria para a Rede Globo, para apresentar o Xou da Xuxa).

Com apadrinhamento agora ultra alicerçado da Rainha dos Baixinhos, eles ganham também a parceria eterna da dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas, dois verdadeiros Midas de sucessos populares dos anos 1980-1990. Vale também realçar o talento de compositores como Ed Wilson, Chico Roque e Carlos Colla, lapidadores de hits em suas riquíssimas obras.

Misturando esta gostosa inocência infantil com a saliência doce da puberdade, o quarteto acerta na fórmula e encanta multidões com o talento de cada membro do quarteto (Juninho Bill neste critério é sensacional: dono duma anárquica energia, dum indômito comportamento de criança levada, pestinha no sentido maroto das literalidades…) misturado com a safra de clássicos-bombas: são deste disco a iconoclasta “He-Man” (primeiríssima do repertório de “músicas de heróis” que o grupo iria nos apresentar), “Fera Neném” (composta e cantada em parceria por Evandro Mesquita), “Zeppelin” (com Roupa Nova), “A Patinha da Vovó” (“Pata, Peta, Pita, Pota, Puuuuuuuxa…”), “Na Casca do Ovo” (com Xuxa e Sylvinho Blau-Blau) e “Tic-Tac do Amor” (com Joe).

Trem da Alegria
Terceiro álbum do Trem da Alegria, lançado em 1988.

Tendo a força dum presidente “Fera Neném”, chega à marca de mais de um milhão de cópias e selam seus nomes pra sempre na história da brazilian children music. Um ano depois e o disco de 1987 seria marcado pelo primeiro desfalque da patota: a pré- adolescência é cruel pruma children band e assim Patrícia, no maturar dos seus 13 anos, sairia do grupo para embrionar sua carreira-solo de sucesso.

No desfalque, a RCA prepara a entrada de Fabíola Braga, num mister até curioso: por ter faixas gravadas com a Patrícia (destaque para “Abra a boca e fecha os olhos” – que a pr´pria usaria em seu disco solo do mesmo ano) e outras também com a Fabíola (voz fofíssima, solo encantador em “Mamãe me faz um cafuné” e dueto encantador com Juninho em “Cegonha sem vergonha”), ambas aparecem na capa, sendo uma na frente e a outra na contracapa.

Tá neste disco a (pra mim) “mais completa tradução” do Trem da Alegria: “Piuí Abacaxi”, de Mendes Jr, faixa-síntese do que eles vieram a ser na minha vida musical, música com gosto de bolo confeitado de aniversário, de brincar nos recreios escolares, num sabor de biscoito wafer do Fofão e Fanta Uva… Também foi sucesso “Orquestra dos Bichos”. “Thundercats” (mais uma hero music !!!) e “Dança do Canguru” (com participação de Elizeth Cardoso… sacanagem: é da Xuxa mesmo, pra variar…), com vendagem de 850 mil cópias. Mas havia algo de podre no reino da Dinamarca, irmão… 

Tempo de mudanças

Fabíola não duraria tanto e em 1988 uma nova integrante agrega-se ao Trem: nosso bombom Amadinha, aquela que foi meu primeiro amor platônico (ai, ai…). Vinda do grupo infantil Dó-Ré-Mi, a baixinha era doida pelo Trem e após testes acabou entrando na trupe, mas cantando somente nas quatro primeiras faixas do lado B do quarto álbum de estúdio, lançado naquele ano.

Trem da Alegria
Quarto álbum do Trem da Alegria, lançado em 1989, agora apenas com Juninho Bill da formação original.

A maturidade notória de Luciano e Vanessa já indiciava ser aquele o disco de despedida destes. Faixas como “De Repente Califórnia”, com Luciano solando, era o sinal desta próxima mudança. O quarteto ganha um ar total de pré- adolescência, com duplinhas falando de namoros primaveris em “Pique-Pega, Pique-Esconde” (Luciano-Vanessa) e “Pra Ver se Cola” (Juninho-Amanda) ou sinuosos duplos sentidos como em “você é a culpada do meu banho demorado, Xuxa…”, versos trovados por Juninho em “Xa-Xe-Xi-Xo-Xuxa”.

Neste trabalho (de 500 mil cópias vendidas) temos também “Iô-Iô”, ultra  powerhit que tocou venetas, tendo neste o que considero melhor riff de guitarra da história da MPInB (Música Popular Infantil Brasileira). A premonitória saída  dos mais velhos acontece em 1989, entrando então Rubinho e fazendo com que o Trem da Alegria voltasse a ser um terceto, elenco que permanece nos próximos dois discos vindouros. Destes podemos destacar faixas como “Jaspion-Chengeman”, “Pula Corda”, “Macarrone” e “Jandira” (com Ultraje a Rigor), além da overdose de lambadas do disco de 1990, com “Lambada da Alegria” e “Lambada Danada”.

Foi neste período também que o Trem fez sua única excursão internacional (para Angola, na África). Integrantes e fãs ficando mais velhos e 1991 temos o sétimo e último disco de inéditas do Trem, marcados pela entrada de Ricky Bueno como um provável substituto de Juninho Bill e músicas como “O Lobisomem”, “Tartaruga Ninja”, “Acorda Pai” e “O Passarinho” (estas últimas fizeram parte da trilha sonora de “Carrossel”, bem sucedida novela mexicana exibida pelo SBT entre 1991 e 1992).

Seguindo-se para 92 e o ano seria marcado pelo fim de duas eras muito  amalgamados desde suas gênesis: o Xou da Xuxa, já com formato desgastado, público envelhecido e sua apresentadora se aportando para o mercado internacional, e o próprio Trem, que apresenta no ano um disco com coletâneas de seus maiores sucessos e inclusão de quatro músicas inéditas (apenas de destaque a faixa “Alguém no Céu”, que fez parte da trilha sonora nacional da novela De Corpo e Alma (1992-1993)).

No final do ano ambos  encerram seus ciclos, com cada alguns indo pra carreira musical ou cênica (como Amanda Acosta, de notório trabalho também em teatro – especialmente musicais). Um revival aparece entre 2002 à 2005, com dois trabalhos lançados, mas de pouquíssimo destaque – os tempos eram outros, o consumo de música por parte das crianças estavam no revés do antigo mercado consumidor infantil, não havia enfim aquela azeitada dum Luciano, Juninho, duma Patrícia, Vanessa, Amanda… O Trem da Alegria dos alegres anos 1980-90, dos holofotes de Chacrinha, Bolinha, Gugu Liberato, dentre outros, o trem das nossas infâncias, este foi a todo lugar, fez a gente cantar e o mundo inteiro sonhar…

Leia mais da coluna Super fantástico, assinada por Mateus Dourado. 

“CHEGA MAIS JUNTINHO, QUE O BALÃO JÁ VAI SUBIR…”

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