Trevo Lock voltou groovando, trocamos uma idéia sobre sua participação no Underismo, Saúde Mental, gastronomia e seus próximos lançamentos!
Tivemos a honra de receber em primeira mão uma parte do novo projeto musical do mano Trevo Lock. Acompanhamos o corre desse mano desde que ele surgiu no bojo e junto aos manos do Underismo e de lá pra cá pudemos seguir suas trilhas em coletivo ou solo, como no excelente disco de estreia Nada de Novo Sob O Sol (2018).
Na impossibilidade de colar pra comer um salgado frito na hora ali na Boa Vista de São Caetano, ou algum dos quitutes que ele tem preparado e ensinado a preparar no seu instagram, trocamos uma ideia no virtual mesmo. Respeitando a pandemia mas sem conter a curiosidade pelos novos caminhos do MC e cantor Trevo Lock, batemos um papo sobre suas novas ideias musicais, sobre saúde mental, gastronomia, influências artísticas e seus próximos planos.
Leia abaixo:
Oganpazan – Mano, em 2018 você teve um ano bem intenso, ainda fazia parte da Underismo e lançou junto a tropa o EP Resíduos, a Demotape e como se não bastasse um dos melhores discos solo daquele ano. Conta um pouco pra gente como você vê todo aquele processo e como ele foi importante pra você
Trevo – 2018 foi uma era fértil, acho que não só pra mim, nesse ano eu vi grandes obras acontecerem, “O menino que queria ser Deus” do Djonga, Astroworld do Travis no mesmo mês em que lancei o “Nada de Novo sob o Sol, foi um ano contagiante, fui agraciado por conseguir me conectar com essa energia que pairava nesse ano, tive grandes nomes ao meu lado que puderam fortalecer esse laço que ali acontecia, Filipe Mimoso, Mayara Ferrão, Filipe Duarte e também toda a Underismo, sou muito grato a todo esse processo juntos, foi um grande passo na carreira onde pude imprimir mais um pedacinho da minha história no mundo, é sempre mais uma oportunidade de poder se conectar com as pessoas que se identificam.
Oganpazan – Ano passado você saiu do grupo e começou o empreendimento do Larica’s Trevor, o que é isso?
Trevo – Nós aqui da cena artística baiana sabemos de todas as dificuldades que é viver/sobreviver do que tanto gostamos de fazer, é muito difícil ser um criador de arte e ao mesmo tempo se manter quando não se parte de um berço de ouro, então abri o meu próprio negócio, o Larica’s Trevor no bairro da Boa Vista de São Caetano, onde moro. O Larica’s é uma lanchonete onde vendemos salgados fritos na hora, fonte de sustento minha e de Adriele, minha companheira, que também toca o negócio junto comigo. Quando estava na Underismo já tinha o empreendimento, inclusive recebi ajuda do grupo para inicia-lo.
Oganpazan – Também no ano passado você anunciou em seu instagram que não faria mais música. Fala um pouco desse momento e porque desse anúncio
Trevo – Me considero um tanto inconstante e expressivo… A mesma sensibilidade que me serve de ferramenta para minhas criações, onde capto coisas externas e transformo a partir do meu eu, meu ponto de vista, também me leva a lugares inimagináveis internamente, dentre eles alguns momentos de angústia em que passei na caminhada, um dos picos foi momentos antes da minha saída da Underismo, ao tocar em espaços do Pelourinho onde a presença ancestral é bem impactante, onde muitos dos nossos foram massacrados pelos brancos, me peguei chorando enquanto voltava pra casa depois de shows incríveis, corpo aberto, banzo… Tudo isso me levou a anunciar isso nesse contexto desesperador desse momento.
Oganpazan – Vivemos uma realidade adoecedora sobre diversos aspectos, inclusive nessa carga histórica que vivenciamos no presente com toda “herança” de mecanismo oriundos do longo período da escravidão. Qual a importância de falarmos sobre saúde mental com os nossos em nossas quebradas?
Trevo – Eu como homem negro e de periferia sinto um alívio muito grande em ter o direito de poder chorar e poder discutir sobre minhas fragilidades. É naturalizado entre nós o pensamento de que precisamos ser fortes e “aguentar”, é de extrema necessidade levar esse alívio para os nossos, essa fantasia que criaram pra nós gera revolta, gera angústia e nos adoece, cito Mano Brown quando penso nesses fatos: “Duas vezes melhor como? Quem foi o pilantra que inventou isso aí? Acorda pra vida rapaz!”. Só pude ir no psicólogo quando chegou ao extremo de uma coordenadora do colégio em que estudei chamar os meus pais pra conversar sobre o meu comportamento depressivo, antes disso as minhas dores eram consideradas uma “frescura”, os meus pais também não puderam ter esse amparo e isso só vai passando de geração em geração enquanto os brancos gozam de toda a assistência desde sempre.
Oganpazan – Uns dois meses atrás mais ou menos você publicou nos seus stories uma vaquinha para o financiamento coletivo de um novo EP de… Pagodão! Acredito que muitos não sabiam dessa sua vertente. Porque não seguir com o rap onde você já tem um nome e uma trajetória, porque caminhar pro pagodão? Por questões mercadológicas ou existem outras motivações? Explica isso pra gente.
Trevo – Um primeiro motivo é que acredito na ligação entre qualquer vertente da música negra, mesmo quando não consciente, lá no âmago a gente balança, vem de lá! Aposto muito na ideia de que o público que se identifica com o meu trabalho no rap irá vibrar e balançar com o trampo que estou preparando no pagode, prova disso é que deixei bem explícito na vakinha o que eu estava fazendo e bateu a meta bem rápido. Um segundo motivo pra isso é trazer ainda mais essa valorização do pagode como música, existe uma desvalorização do ritmo nesse âmbito quando se trata de pessoas mais velhas e conservadoras, frases como essa: “Isso é música?”, ali existem ótimos músicos, a percussão do gênero é pura arte, acho essa negação inadmissível. Trago junto com esse trabalho a crítica de que pessoas negras da periferia de Salvador sobrevivem disso, gera renda, sustentam famílias, certo que existem letras problemáticas nesse universo, mas penso que ao invés de tirar de homens e mulheres pretas a conquista de poder viver da sua arte, levar certos tipos de discussões que ainda não chegaram nas periferias. Além do mais, é comum que apareça na música temas como o sexo também, independente do gênero musical, mas é bastante nítido que a crítica é seletiva e se utiliza de padrões sociais.
Oganpazan – O EP vai ter quantas músicas, quem são os manos que colaram no projeto? Quando vai ser lançado, fala um pouco de como está o resultado desse projeto.
Trevo – Tem 6 faixas, inclusive, complementando a pergunta anterior, vai rolar uma mistura também, além do pagode raiz. Acharam que eu deixaria meus fãs do Rap desamparados? (risos) LIPHS (produtor musical) vem aí com 3 Pagotraps bateno teno, o EP conta também com a participação de “A Paulilo”, fundadora de um dos paredões mais badalados de Salvador, o “Paulilo Paredão”, Iury Cairon “O Astro” (ex dançarino e filho do cantor Chiclete Ferreira), que está se lançando também como cantor e compositor nesse trabalho, Alisson Santos (backing vocal) Maria Mariana (artista visual) responsável pela identidade visual do EP, Lucas Waber que colaborou muito na construção de todo o conceito e Cristiano Soares (captação). Estamos trabalhando no lançamento do selo pelo qual irá sair o EP, como sócios, eu, Lucas Waber e Maria Mariana, mas só poderei revelar mais detalhes em breve. (risos)
Oganpazan – Você é muito conhecido por quem teve acesso ao seu disco solo e aos trampos com a Underismo por ser dono de uma lírica pouco vista. Quais os temas, qual o tipo de “pagodão” podemos esperar? O bagulho vai ser em que chave de groovadeira, você já pode nos contar?
Trevo – Pode esperar o que já está posto por aí em termo de pagodão mas com a identidade original Trevolock, essa marca será facilmente vista por quem já me acompanha de trabalhos anteriores, não pretendo descaracterizar, sou um grande admirador da nova geração do pagode, gosto muito do Helder Marcos, “O biruta” da banda A Invasão, O Poeta, A Dama, O Metrô e etc, a crítica que quero trazer virá com o meu protagonismo nesse universo. Eu que lancei trabalhos com a Underismo com rimas ácidas e técnicas de escrita como letrista, e Nada de Novo Sob o Sol que teve um grande alcance entre um público “cool”, quero que vejam essa minha vertente, eu também sou isso, os guetos de Salvador, os paredões e etc. Esta é a minha história! Umas das minhas primeiras oportunidades trabalhando com música foi pelo pagode fazendo cobertura de shows com apenas 14 anos e completamente independente, às vezes era até barrado em eventos quando descobriam a minha idade. Quanto aos temas vocês vão encontrar nesse trabalho a reafirmação do que é ser periférico em Salvador, por hora só posso ir até aí. Quanto ao groove, apostei em reduzir o bpm levando a um ritmo cadenciado que eu acho gostoso de ouvir, onde as dobradas da bateria desenham uma ponte mais longa e esplendorosa da parte da música que no pagode costumamos chamar de “história” até o refrão, isso é uma mudança do novo pagode pro antigo que me instiga.
Oganpazan – Como tem sido esses dias de isolamento social para você, que é empreendedor e também artista. Como tem sido o seu dia a dia? O que tem feito nesses dias tão confusos e catastróficos e qual o papel da arte nisso tudo nesse momento?
Trevo – Prezando pela saúde pessoal, a saúde da família e da minha comunidade eu e Adriele decidimos fechar o Larica’s durante o período, tenho tentado me descontrair de algumas formas em casa pra passar o tempo, além de realizar trabalhos que posso fazer de casa mesmo como a construção do selo por videoconferência/ligação com Maria Mariana e Lucas Waber, tenho movimentado o instagram pra manter essa conexão com os fãs através dos stories mostrando o dia a dia, trevolock na cozinha e vídeos descontraídos.
Apesar de todas as dificuldades durante o período na produção de arte ela exprime e expande o nosso pensar, proporciona experiências e liberta, é pelo que clamamos no momento, liberdade vai cantar!
Oganpazan – Quais são as suas inspirações na música? E em outros campos da arte como a literatura, a pintura, o cinema, o que te tira do lugar, o que mexe mais fundo com você?
Trevo – O que me tira do lugar é o mundo, o que me toca mais fundo, a ancestralidade! Daí tiro a matéria prima pra minhas construções. Se eu disser que consigo transpor elementos de obras diretamente estarei mentindo, não são nada além de citações soltas que se encaixam, claro, do que considero importante, nunca vazias. Minha inspiração na música, Gilberto Gil, além de todas as atribuições que lhe cabe é um ótimo letrista, me agrada muito, amo história e gosto mais de documentários do que de filmes, no teatro, Grotowski.
Curioso é que nesse trabalho em específico me “aproximei mais do Jacob Miller, a alegria dele com a Inner Circle no palco me lembra muito o pagode, gosto de como ele se comporta, das suas expressões corporais.
Oganpazan – O que você tem projetado para o futuro? Quais os planos depois desse EP na vida e na arte? Você pensa nisso, ou vai num passo de cada vez?
Trevo – Tenho tentado ir como um rio, numa direção e com fluidez, na época das cheias aproveitar o máximo da fertilidade, em outros momentos ir devagar, assim a gente não se cobra e não se machuca, respeitando o nosso momento… Além do EP terão grandes coisas a se cumprir, veremos em breve.
Oganpazan – Meu mano, é sempre um prazer trocar uma ideia contigo, mesmo assim de modo remoto. Ficamos muito felizes de poder bater esse papo. Como sempre deixamos essa última pergunta em aberto para que você possa “responder” algo que não perguntamos.
Trevo – O prazer é meu, irmão! PJL pros irmãos e irmãs em cárcere! Sigam no instagram @iagorachora pra acompanhar as façanhas de perto, um abraço a todos e todas!
-Trevo Lock voltou groovando, trocamos uma idéia
Por Danilo Cruz