Thiago Elniño e algumas reflexões em torno de Atlântico (Calunga Grande), música que abre o último disco do artista carioca
O rap é um estilo musical com grande importância no mercado fonográfico brasileiro. Tornou-se produto rentável que possibilita ascensão financeira de muitos negros e negras. No entanto, o rap não se resume a “pretos no topo”, pois o estilo musical é um dos cinco pilares da cultura hip-hop. Essa é uma manifestação urbana artística-política-poética.
O Thiago Elniño é um rapper, Griot, pedagogo e educador popular. No dia 10 de setembro de 2019, o rapper carioca lançou o segundo álbum intitulado de “Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos“. O álbum narra a trajetória de um homem negro que ciente da sua ancestralidade e espiritualidade africana nutre sua fé pelo direito de sonhar.
A primeira faixa do álbum é “Atlântico (Calunga Grande)”, canção a qual dedicarei minha análise. Por que analisar essa faixa do álbum? A canção “Atlântico (Calunga Grande)”, reviveu a sensação de “não lugar” ou “não pertencimento” que atravessa os corpos negros em diáspora, ou seja, o mal estar provocado pela maafa que destruiu a possibilidade de humanidade africana e pertencimento aos territórios que foram obrigados a viverem.
Ao cantar “o mais próximo de casa que eu estive foi o mar/boto os meus pés na água e me lanço a pensar/como é a vida aqui, como é a vida lá/sinto que eu não sou daqui, pra casa eu quero voltar”. Thiago Elniño evoca esse mal estar da maafa e também a consciência de ser um homem africano.
A ideia de retorno dos negros à África é oriunda de ativistas negros, como por exemplo: o jamaicano Marcus Garvey. Thiago Elniño quando coloca na sua canção “é como se faltasse um pedaço meu”, questiona esse lugar de identidade nacional que é construído na margem de cá, do Atlântico Negro. O rapper compreende o poder do território como um lugar de cura. A partir dessa concepção de Elniño, notamos um paradoxo com a ideia do sociólogo Paul Gilroy ao compreender que a diáspora rompe com o poder do território para determinar a identidade.
Compreendemos a dificuldade material dessa dinâmica de regresso ao continente africano, por isso, o rapper abre outras perspectivas sobre a importância da “ideia de que todo preto/deve ter um lugar para chamar de seu”. A construção desse lugar ocorre a partir da consciência da sua ancestralidade e espiritualidade africana, pois tal postura reconstrói simbolicamente e subjetivamente os sujeitos negros, onde eles irão transmutar “a dor em força” construindo “ponte […] voltar pra casa”. Apenas essa compreensão de sermos homens e mulher africanos, mas, principalmente, a compreensão que somos um povo cujo o centro é África que a “fé em nós” será “alimento e farol!”.
Assim, com essas complexidades e diálogos nas letras das suas canções, Thiago Elniño não assume apenas a alcunha de rapper. Ele é um Griot e educador, principalmente, por tratar “como missão o que chamam de dom”. O rapper é um instrumento de regresso e construção de lugar que podemos chamar de “casa”, ainda que esse lugar seja “um reino pra família que eu chamar de minha”.
Asante Sana!
-Thiago Elniño e algumas reflexões em torno de Atlântico!
Por Alan Felix