The Rise of Heresy – EP mostra todo o poder de fogo do The Troops of Doom

EM MEIO À REGRAVAÇÕES E NOVAS CANÇÕES, THE TROOPS OF DOOM REMONTA DIAS DE PESO E TREVAS DO METAL MINEIRO EM SEU PRIMEIRO EP.

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Capa de The Rise of Heresy da Troops of Doom!

Com todas as aspas, por conta da terrível fase que enfrentamos em 2020 (e continua em 2021), e pelo formato como nos foi permitido vivenciar tudo, o ano passado foi um grande momento para ser fã do Sepultura, em vista de que 3 dos maiores pilares do Sepulturaverso trouxeram lançamentos inesperados, e que acabaram por estar entre os destaques do ano, e dos nossos corações. Vamos relembrar. 

O Quadra é, sem dúvida, o melhor esforço da nova formação do grupo, e já ostenta uma posição de luxo entre os álbuns mais queridos e respeitados da banda. Sem falar que, aos 45 do segundo tempo, completamente de surpresa, Max Cavalera veio, com o pé da porta, para anunciar o segundo trabalho do seu supergrupo, Killer Be Killed, que também veio a impressionar com sua costumeira pluralidade sonora. 

Acontece que para os fãs “die hard” da era embrionária do grupo mineiro, não se falou de outra coisa: uma banda formada durante a pandemia por um verdadeiro ícone da história do metal nacional. Estou falando do ex- Sepultura Jairo “Tormentor” Guedz e o seu Troops of Doom. 

Paul McCartney ainda é o ex-Beatle, Roger Waters ainda é o ex-Pink Floyd, e por que Jairo se importaria com a alcunha, já que também foi responsável pela criação de tantos conceitos, e por influenciar tantas gerações de bandas com seu trabalho com o antigo grupo? E ele parece estar bem com seu título, e com o “Tormentor”, que volta ao nosso vocabulário, como sinônimo de Old School Death Metal. 

Como muitos sabem, o Sepultura é a minha banda nacional do coração, então, entrar nessa conversa, sempre foi bem complicado pra mim. É indiscutível que o Possessed Seven Churches, foi o primeiro lançamento de maior expressão, com ecos do que seria o vindouro Death Metal, mas ainda é um álbum de Thrash. O ofício aqui, no entanto, não é descobrir quem é o pai do que, mas entre tantas bandas se juntando para adicionar seus temperos na criação do tal estilo, nós brasileiros temos muito orgulho de ter o celeiro de bandas da cena mineira, com enfoque no Sepultura e o Bestial Devastation, com peso enorme na gênese do metal da morte. 

A chegada de Jairo à Casa Cavalera trouxe novas possibilidades e ainda mais agressividade e técnica, com o guitarrista encharcando o som dos irmãos com sua experiência e bagagem cheia de Slayer, Celtic Frost e Mercyful Fate, e o que Bestial Devastation e Morbid Visions causaram no metal mundial está muito além do que aqueles garotos poderiam imaginar, quando começaram esses projetos, ao lado da, então, pequena e destemida, Cogumelo Records. Voltaremos ainda a falar desse “estrago”. 

Após esse impacto, Jairo deixa a banda e segue por outros estilos musicais, com passagens pelo Overdose (com quem já tinha dividido o split em Bestial), Eminence, seu projeto The Southern Blacklist, e tendo como foco principal, o primoroso The Mist, que voltou agora em 2018/19, além de seu respeitadíssimo tributo ao Metallica. Apesar de tudo feito com muito peso, nada que chegasse perto da brutalidade do “Déti Metal” mineiro. 

Acontece que, de uns 4 anos pra cá, Jairo vinha nutrindo a vontade de retomar seu posto dentro do estilo, e foi ali que algumas conversas começaram com Alex Kafer, baixo (Necromancer/ Mysteriis/ Enterro), Marcelo Vasco, guitarra (famoso por suas icônicas artes das capas do Slayer, Testament, entre outros/ Mysteriis/ Pátria) e Shagrath, vocal (Dimmu Borgir/Chrome Division). No entanto, por conta dos conflitos de agendas, o supergrupo não foi adiante. 

Tempos depois, em um show do Enterro com The Mist, Alex convida Jairo para um cover de “Bestial Devastation”, e a coisa explode. O evento correu o mundo metálico, fazendo com que a chama daquele projeto antigo voltasse a queimar, no entanto, agora, em forma de algo mais pontual, e com diversas participações. 

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Jairo nos tempos de Sepultura.

Para esse projeto isolado, Jairo fez contato com o Dark Funeral, Mayhem, Nergal (Behemoth), entre outros, e a reação dessas pessoas para com o cara que influenciou toda uma geração da Escandinávia e do Black/Death em geral, foi de muita emoção, mostrando ao guitarrista que seu regresso ao meio era mais do que inevitável, e que não poderia acontecer apenas de forma tímida. 

Assim, Jairo retoma a ideia do supergrupo com Alex, grande entusiasta dessa volta (agora assumindo também os vocais), Vasco, e trazendo outra figura forte da cena nacional, Alexandre Oliveira (Tianastácia/ The Southern Blacklist), na bateria, e em meio ao auge da primeira onda da pandemia, começam, através de video calls e redes sociais, a criar o que seria a banda The Troops of Doom. Com total apoio da Nuclear Blast/Blood Blast, em outubro, colocam na praça seu primeiro EP, The Rise of Heresy. 

Eu já tinha tentado escrever essa matéria algumas vezes, no momento da saída do disquinho, que consumi feito louco, e ainda o coloquei como melhor lançamento nacional de 2020, ao lado do Quadra, em todas as listas que fiz. Acontece que, por todas as vezes, engavetei, por achar que não poderia deixar de lado a imagem do Jairo como um dos meus maiores heróis de infância, para fazer uma análise mais sóbria de uma banda que deve sim ser encarada como uma novidade na cena, e não apenas uma figura nostálgica. Agora, com o grupo bem mais consolidado, e com o trabalho de base super bem feito nas mídias sociais, faz-se necessário voltarmos a falar do Troops, já que este vem atacar, com mais um clipe impecável e o lançamento da versão em vinil do Rise of Heresy. 

Bem, apesar de novidade no meio, o EP, masterizado por Øystein Garnes Brun, do Borknagar, no Crosound Studio, na Noruega, é mesmo uma possante máquina do tempo, e sempre vai impressionar por parecer ter sido gravado nos anos 80, no apogeu dos cenários de trevas e ecos. E é o que conseguem aqui, com um mergulho não só na questão do “e se?” do Sepultura, tentando juntar as peças do quebra-cabeça dos caminhos que a banda poderia ter trilhado, caso Tormentor ainda estivesse lá, e se ainda focassem no som mais old school. E isso fica ainda mais evidente nos tocantes “easter eggs” que temos desde a capa, passagens das letras e até nas estruturas dos riffs. Tudo remonta o Sepultura clássico, mas acima de tudo, uma era mágica, e que não se precisava de tantas viagens de estúdio para definir o som que impactaria gerações. O recado deveria estar mesmo na qualidade das composições, e nisso, o Doom não falha.  

“Whispering Dead Words”, novo single, que acaba de ganhar clipe, já abre Rise com um ataque supersônico de guitarras. A música ainda revela outra arrepiante surpresa, o timbre e a interpretação de Alex, que sempre foi próximo da família Cavalera, e teve Bestial como um dos seus nortes musicais, fazendo com que sua voz traga aquele eco tão natural dos vocais do Max e de outros vocalistas da época, sem parecer um tributo ou algo assim. 

“Between The Devil and The Blue Sea” já nos traz aquele gosto dos primeiros esforços do thrash alemão, do Sodom, Kreator e Destruction, que tanto fazia a cabeça da cena mineira dos anos 80, e já nasce com cara de hit. Novamente, os riffs e o solo mostram exatamente porque o jeito de tocar de Jairo influenciou tanto a polêmica cena da Noruega. 

Com “The Confessional”, o disco já consegue apontar um novo e “belo horizonte”, e traz uma cadencia e uma tensão, que indicam mesmo um caminho que o Sepultura poderia ter tomado após o Morbid Visions, e conversa muito bem com discos mais lentos do Slayer, como o Seasons ou South of Heaven. A banda aqui chega a um som que revela muita maturidade para uma construção meticulosa, tanto, nas guitarras, como Jairo gosta tanto de fazer no seu inteligentíssimo The Mist, banda que sempre levou o thrash para um lado mais progressivo, quanto na construção das linhas vocais, que, nesse ponto, já podemos dizer, abraçam totalmente a proposta de cada canção. Ponto pra Alex! 

Se a anterior já dava um salto de complexidade em relação às velozes primeiras faixas, na música que empresta título ao álbum, quase como se fosse escolhida para representar todas as facetas do Troops, “The Rise of Heresy” mostra esse elenco de estrelas do metal/rock pesado nacional em seu total potencial, criando um verdadeiro cartão de visitas. “Rise” abre com bateria ensurdecedora, e mistura passagens de muita selvageria com momentos de groove do grupo, além de um entendimento bem melodioso entre as guitarras de Marcelo e Tormentor. É um exemplo de completo alinhamento de todos esses talentos, o que mostra que a banda domina perfeitamente o blackened death metal old school, mas consegue adicionar tons grandiosos, em contraponto com a urgência e a brutalidade, que pareciam ser os únicos desejos de Bestial e Morbid.  

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Troops of Doom

Passamos, então, às regravações, “Bestial Devastation” e “Troops of Doom”, que ainda se somam a uma belíssima versão de “Morbid Visions”, liberada como presente de Natal para os fãs. Em um ano em que tivemos tantas regravações “plásticas” de clássicos, como o In Flames fez com seu Clayman, por exemplo, aqui temos o único combo que se faz necessário. Ao atualizar o som, o Troops corrige os “erros” do passado, mas sem perder a atmosfera primal que uma gravação naquelas condições poderia proporcionar. E, no fim, a audição do EP se revela uma experiência etérea, chancelada por composições e performances magistrais, que mostram muito coração e respeito dos integrantes pela história do metal nacional, de um jeito que só essa experiência e bagagem que tem poderiam entregar.  

The Rise of Heresy é um trabalho de imersão e lapidação dos dias de luta da cena mineira, e que pode levar nossos olhos a marejar, lembrando dos momentos em que descobrimos aquelas obras que ainda tinham o poder e a oportunidade de forjar caráter, e que acabaram por nos trazer até aqui, ainda acreditando, ainda tentando manter a chama viva, seja na técnica, na produção, jornalismo, ou empunhando as guitarras mesmo. Aquele legado acabou sendo passado adiante por gerações de bandas europeias, e precisávamos mesmo de um representante nacional para agregar. Rise soa sim como se Jairo retomasse o seu trono, por direito, no primeiro time da música extrema, e nos faz, assim que a última nota de “Troops of Doom” padece, pensar: “Quer saber? O Death Metal é brasileiro.” 

Mais sobre o metal mineiro no Oganpazan: 

Documentário comemora os 35 anos da Cogumelo Records

Outras matérias de Tom Siqueira no Oganpazan você vê na coluna Menor Threta: 

 

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