Quem Vai Me Parar? é o EP de estreia da cantora TAY que mescla R&B com Rap chagando pesada em suavidade e beleza.
Entrar em contato com novas expressões e novos artistas é uma das razões de ser de quem se dedica a ouvir música e transforma-la em texto. Mas do que eleger o que é melhor, quem mais avançou e ou definir diretamente ou indiretamente os caminhos do mercado, se trata de descobrir o novo. Nos parece que fazer eco às sensações que sentimos ao vermos/ouvirmos novas e novos artistas é o principal desse trabalho.
Mulheres tem muita dificuldade para entrar nesse circuito por diversos fatores, mas talvez o principal deles seja o machismo, que não nos permite ouvir as coisas com ouvidos livres. E por conta do caráter estrutural do patriarcado, as relações de produção, divulgação e visibilidade é sempre um imenso obstáculo.
Exatamente por conta desse sistema de coisas, o status quo da música que se relaciona necessariamente com o todo o social, foi o Don L quem me fez ir atrás da TAY. Não porque um homem indicava a música dessa excelente artista, mas por conta da visibilidade que sua indicação tem, e fez com que a dica nos assaltasse. E não foi outra nossa surpresa quando entramos em contato com a música dessa cantora, compositora e artista visual.
TAY produziu um EP de estreia que é uma excelente amostra de sua qualidade como cantora, de sua força enquanto compositora e de como ela embaralha certos padrões de modo a produzir um trabalho singular. Quem Vai Me Parar? (2019) nos apresenta músicas de luta, dentro de um estilo que preza pela doçura, por temas românticos. Ao longo das cinco faixas que compõem o disco, TAY vai nos seduzindo a pensar sobre sua vivência enquanto mulher preta, sob perspectivas diversas.
A música de abertura dialoga com a ancestralidade, com a história de luta nos mostrando como todo esse passado de dor produziu as mais belas vertentes musicais e poéticas. Tudo isso, numa chave doce, “Ginga” para afirmar a reatualização de um fé que mantém pretos e pretas de pé. Atualizando também o grande Gilberto Gil: “andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”, TAY acrescenta a sua luta, a lutas das mulheres negras nessa fórmula.
Na música que intitula o EP, Quem Vai Me Parar? o papo é reto e ao mesmo tempo prenhe de muita sensibilidade. Percebendo-se em meio ao nosso coletivo racial, e as armadilhas que nos cercam, a cantora vai nos convidado a segui-la para além do horizonte. Abrindo mão das limitações que o sistema racista nos impõe.
E já precisamos aqui mencionar o trabalho de excelência do Nansy Silvvz responsável pela produção finíssima desse disquinho. O beatmaker que também mixou e masterizou o disco, conseguiu ao longo de todas as cinco músicas equilibrar e propiciar uma sonoridade bem única para um álbum que apresenta um R&B com essência rap/hip hop. A utilização do piano nas músicas é belíssima, ao mesmo tempo em que acrescenta percussões em “Ginga”, e não alivia nos graves em “Quem vai me parar?”. Sempre apresentando beats numa cadência muito acertada, com efeitos que geram os climas perfeitos para cada faixa. Mas um trabalho fantástico pra conta desse mano.
A construção de sentido, a busca por uma subjetividade sadia, todos os processos que são necessários para uma tomada de consciência realmente revolucionária e radical é o tema de “Nexo”. Na cadência de um beat finesse do Nansy Silvvz, TAY desfila seu flow cuspindo um encadeamento de ideias de colocar muito rapper que se considera profundo pra ver bicho.
Mas toda essa trajetória de combate, de contestação precisa e se completa com o afetivo, pois sim, o afetivo é eminentemente político e o nome da música não poderia ser mais adequado: “Eleva“. O violão junto com o beat foge do óbvio, num chamado bonito para um a dois que eleve a existência no modo privado. Dentro da narrativa que o EP apresenta é possível com tranquilidade inferir a importância de um companheirismo necessário para começar o dia, que em geral é sempre de luta!
Como ressaltamos acima, estamos aqui diante de uma cantora e compositora com um talento bastante singular. Na música que fecha o EP, TAY deixa-nos uma pequena amostra de que também pode caminhar para uma linha mais pop com a mesma qualidade lírica. “Como Mi Mama” vai nessa linha e acena para o mercado latino com a sua letra em espanhol, e se você encontrá-la em algum rolê numa boate, não se assuste, é só mais uma vertente possível dessa artista.
Acredito que depois dessas cinco faixas e do prazer em ouvi-las, constatando sua beleza e sua força a TAY vai fazer parte do seu radar. Estamos diante de um talento verdadeiro, que inclusive apresenta seu primeiro trabalho em disco se cercando de um produtor de ponta, o Nansy Silvvz. Parceria fundamental para que toda a sua qualidade vocal e de composição pulasse com força em nossos ouvidos.
Escutem esse EP!
– TAY lança um excelente EP de estréia: Quem Vai Me Parar?
Por Danilo Cruz
