O Taste lançou um dos maiores discos ao vivo da história do Rock e você provavelmente nunca ouviu falar da banda.
Power Trio de cidade pequena. Um dos atos mais explosivos da pequenina Cork, sul da Irlanda. Definitivamente, o Taste merecia mais. Formado em agosto de 1966 e fadado aos insucesso, o trio que revelou Rory Gallagher para o mundo não apareceu do nada – com John Wilson e Richard McCracken – para tomar o The Isle Of Wight de assalto.
Antes do apogeu do fim, o Taste caminhou firme para ser um das maiores bandas da história. A primeira formação foi para o papel com Eric Kitteringham no baixo e Norman Damery na bateria. No começo a banda rodava a Irlanda e fazia algumas gig’s pelo restante da europa, em países como Alemanha, por exemplo, até começar a trabalhar como banda residente em algumas casas ao norte da Irlanda, após o trio se mandar para Belfast.
Com o tempo, o som foi se espalhando e finalmente, já em 1968, o trio começou a tocar no Reino Unido, justificando a efervescência da invasão britânica. Assim, o gatilho para a segunda formação da banda (o chamado MK II) foi puxado.
Foi só marcar algumas datas no Reino Unido que o manager do trio, Eddy Kennedy, agiu sem pestanejar. Na época, ele argumentou que um guitarrista como Rory Gallagher precisava de uma nova banda e, para tal, ele indicou 2 músicos que estavam sob sua batuta (Wilson & McCracken), veja só a coincidência).
Foi assim que a base rítmica do The Axils, a banda anterior da dupla, acabou consolidando um dos maiores combos do planeta.
Na hora não pareceu armação, afinal de contas foi com John Wilson e Richard McCracken que um contrato de gravação com a Polydor foi assinado. Só que essa mudança (que foi ótima para a banda), além de fixá-la em Londres, foi uma amostra do que acontece quando o talento é usado como laranja para esvaziar cofres.
Rory tinha 18 anos quando formou o Taste em 1966. Ele sabia que o cenário de sua pátria não era promissor: na Irlanda, ou você tocava nas showbands (uma espécie de circuito de bandas de baile, como Rory fez desde os 15 anos), ou fugia da agitação política do período no Marquee Club. A cena não chegava até você, o Maomé precisou pegar um ônibus até o Everest do underground.
Em novembro de 1968, o Taste, junto com o Yes, abriu o Farewell Concert do Cream, no tradicional The Royal Albert Hall. A subida e sua respectiva afirmação dentro do mais alto escalão do Rock era nítida. Foi questão de tempo até os Estados Unidos entrarem na rota – e quando isso aconteceu – o Canadá veio de brinde, junto com uma tour como atração de abertura para o Blind Faith.
Em abril do ano seguinte, a banda liberou seu primeiro full lengh, o primeiro de dois clássicos. O autointitulado ”Taste”, sendo sucedido por ”On The Boards” no começo de 1970. Comprovando uma avassaladora evolução instrumental, com o segundo LP marcando, principalmente, pelas influências advindas do Jazz – algo que demonstra como a banda era uma das mais completas e originais do cenário – seja trabalhando com peso na cozinha hardeira/blueseira ou com insights sonoros de Rory no saxofone.
Está aí, resumidamente, como foi o caminho do Taste até o anonimato. Esse trio não foi só um dos maiores de sua geração, como também fez tudo que os mitos da época conseguiram: criou uma sonoridade ímpar e claro, bastante particular.
O entrosamento entre o guitarrista e sua sessão rítmica foi o elo que manteve os fundamentos de improvisação do Blues, em termos de estrutura. Assim, ele poderia seguir qualquer linha, improvisando e guiando improváveis jams com a voz. Foi exatamente isso que aconteceu, o som do Taste podia ir do Folk ao Jazz com a mesma naturalidade de um aristocrata britânico durante o chá das 16:20.
Deu no que deu, o Taste tocava qualquer coisa. Os três solavam, se acompanhavam, se perdiam no flow supersônico e brilharam sob a luz do luar dos slides de Gallagher, justamente para conseguir 50 minutos de fama. Foi em Isle Of Wight que o Taste provou sua força, foi depois de decretar o fim da banda no backstage, que o mundo viu um dos maiores shows de todos os tempos, concretizando uma ida sem volta que, entre atritos por falta de dinheiro (levantando suspeitas, pois o disco vendia bem na zona do Euro), conspiraram para implodir uma das sonoridades mais originais dos ’70.
De alguma maneira, chega a ser praticamente surreal observar como o Taste não teve mais exposição. O grupo foi tão brilhante musicalmente como muitos de seus contemporâneos. As influências do Blues, Jazz e Folk não se assemelhavam aos experimentos do Cream ou Traffic, por exemplo. No Cream o Ginger Baker e o Jack Bruce trouxeram a improvisação para a música psicodélica, junto do Blues de Eric Clapton. No Led, Jimmy trabalhou o exoesqueleto do Rock, à partir dos riffs do Blues, com influências até da música indiana. O Traffic contava com o Stevie Winwood tocando guitarra, cantando – isso quando ele não tocava piano/órgão com o pé – e o restante do grupo segurava no rabo do foguete e improvisava com influências numa veia Progressiva, temperada com R&B, Psicodelia, além de insights Jazzísticos.
Cada um a sua maneira, todos foram geniais. O Taste infelizmente cai naquela lista de bandas épicas, que apesar de breves, deixaram uma marca indelével na histórico das distorcões.
É engraçado que no fim do show, Gallagher apresenta a banda toda em duas oportunidades, mas mesmo quando se despede de maneira definitiva (após o terceiro bis), ele jamais menciona seu próprio nome.
Parece que ele sabia que voltaria, mas de outra maneira. Depois que a banda cumpriu as últimas datas agendadas no calendário, a sessão rítmica do Taste formou o Stud (no começo de 71), junto com remanescentes do Family, enquanto Rory montava um novo trio.
Foi com Gerry McAvoy (baixo) e Wilgar Campbell (bateria), que isso aconteceu, e culminou no lançamento dos 2 primeiros discos solo de Rory Gallagher. O primeiro o auto intitulado (lançado dia 03 de maio de 1971) e sua sequência, ”Deuce”, liberado em novembro do mesmo ano.
Só que quem fez história primeiro foi o trio. Que show! Eles colocaram um público de 600.000 pessoas no bolso e quem estava na plateia, mal poderia saber que logo no maior show da vida do grupo, o fim já tinha sido decretado antes mesmo do Taste subir no palco.
Line Up:
Rory Gallagher (guitarra/gaita/vocal)
John Wilson (bateria)
Richard ”Charlie” McCracken (baixo)
Track List:
”What’s Going On”
”Sugar Mama”
”Morning Sun”
”Sinner Boy”
”I Feel So Good” – Big Bill Broonzy
”Catfish”
Assistindo as imagens agora, é possível ver algo que antes era apenas ouvido. O tesão do trio é absurdo e a apresentação, impecável. É uma química que poucos músicos já conseguiram presenciar e a força dessa performance comprova sua mística. É válido ressaltar que os fãs suplicam pelo lançamento desse show em vídeo há muitas décadas, porém isso só aconteceu em 2015, quando saiu uma edição em DVD com o show completo e um documentário, além de alguns boxes comemorativos, reunindo toda a discografia da banda.
Rory virou um sinônimo para a guitarra elétrica. Talvez o irlandês não seja respeitado como deveria, mas fez seu nome, mas e os outros? Depois de gravar 3 LP’s, o Stud encerrou as atividades e a dupla John Wilson e Richard McCracken sumiu na obscuridade da cena de Hard setentão.
Nesse mítico disco ao vivo (lançado no dia primeiro de dezembro de 1971), temos pouco mais de 50 minutos, 6 temas e muito suor. A abertura da apresentação (com o single “What’s Going On”) já mostra a força do repertório autoral do trio, com uma menção honrosa aos vocais de Rory Gallagher, que desde o começo mostra a grande capacidade de sua traquéia.
Se o Led Zeppelin teve “You Shook Me“, (do Willie Dixon e J. B. Lenoir), e o Cream teve “Spoonful” – também do Willie, o Taste fez miséria com “Sugar Mama“. Assim como as faixas citadas, esse também trata-se de um standard do Blues. Apesar da autoria incerta, a composição já foi gravada por lendas dos primórdios do estilo, como John Lee Hooker e Sonny Boy Williamson.
São dez minutos dedicados a este tema. Cada um dos 3 está dando tudo de si e é notável perceber que por vezes eles tocam apenas o corpo da canção, o resto aconteceu na hora e o resultado ainda plana por este plano de bends cortantes.
Eles bem que tentam diminuir o ritmo, entrando com algo mais sereno e com pinta Folkeada, mas “Morning Sun” só engana, em segundos o palco explode e o acompanhamento brilhante do baixo e bateria sustenta a pressão da guitarra de Rory, que ainda guarda uma surpresa na manga para a sequência do set.
É com o slide de “Sinner Boy” que o guitarrista mostra seu arsenal completo, como se antecipasse a coqueluche de “Too Much Alcohol”, muitos anos antes. É impressionante como a performance não perde seu vigor em momento algum, aliás é louvável como o trio chega até o final do cronograma sem diminuir o ritmo.
Na versão de Big Bill Broonzy para o clássico ”I Feel So Good”, o Taste mostra mais um pouco de sua fluência no Blues, destilando uma música revolucionária para a época, enquanto Rory Gallagher revela-se prodigioso.
Mais do que um grupo blindado por talentos individuais, o Taste foi um momento histórico rápido, inspirador e intenso. Um feixe de luz atemporal que nos faz lembrar de uma época onde a música sustentava uma magia praticamente messiânica.
Ouvindo esse disco é possível se recordar da sensação de ser desarmado pela força da música. Pela avassaladora performance de por um trio de guitarra, baixo e bateria. Para encerrar o play, os 3 branquelos ainda guiam uma cavernosa viagem rumo ao Blues do Delta, com uma versão no mínimo sinistra de “Catfish”, mais um atandard, dessa vez com autoria de Robert Petway.
Diz, ai, o Taste merecia mais, não merecia?