Ao longo de 16 faixas Tássia Reis demonstra toda a sua amplitude como cantora/mc, e toda a sua luta transformada em poesia, em seu novo disco
É curioso como o machismo/racismo opera no Brasil dentro do mercado do rap e da música em geral. Tássia Reis é uma das maiores vozes do rap nacional atual, uma mc que também canta com excelência, e que acaba de lançar um disco que nos traz uma mistura de gêneros. porém mesmo assim permanece não sendo reconhecida em sua grandiosidade artística!
Quando falamos em grandiosidade aqui não pensamos em exagero algum, em um período onde muitxs buscam cruzar referências e estilos, desencavam conceitos mirabolantes do inferno branco ocidental, que – diga-se de passagem – não correspondem ao que se entrega na música, o talento amplo de Tássia Reis deveria fazer muitas bochechas corrarem.
Enquanto uma leva de cantoras brancas são abençoadas pelo hype de alternativamente geniais, e uma outra leva de mc’s brancas ficam puxando treta em redes sociais em busca de atenção, a amplitude artística de Tássia desfila íncolume. Desde o seu surgimento no rap nacional com o clipe RapJazz (prod. Esquina da Gentil), já nos parecia estarmos diante de um artista completa músicalmente, precisando apenas de espaço.
Com um timbre vocal incomum e sensual, rimas certeiras (fruto de sua vivência real das ruas), flow malemolente, Tássia vem caminhado de uma forma muito bonita em sua carreira. Logo após ao clipe que teve boa repercussão nacional, seguiu-se o lançamento dos Eps Tássia Reis (2014) e Outra Esfera (2016), que apesar de pequenas obras são deliciosos disquinhos, onde podemos perceber seu flerte músical com diversas sonoridades e o progressivo assentamento, de uma das melhores vozes da música brasileira. Além de participar de um projeto histórico que é o Rimas & Melodias.
Aliás, é importante ressaltar que o EP Outra Esfera é na nossa e na opinião do nosso compassa Rafael Gaijin um das obras mais subestimadas do Rap/R&B nacionais, senão a mais subestimada, nos últimos anos. A versatilidade de Tássia Reis, como cantora e como mc, é como estamos tentado ressaltar aqui, uma das qualidades mais subestimadas da artista. Em época de artistas que atiram pra todo lado buscando cair naquele nicho de mercado que se faz mais “enriquecedor”, com a atenção de curadores dos festivais indie, e o agradar os ouvidos ecléticos do pessoal do hype, Tássia é rainha que já faz esse trânsito entre gêneros naturalmente. Não necessita forçar a barra.
Seu primeiro disco cheio, Prospéra (2019) pontua com a força e o tamanho de 16 faixas a importância de seu flow e de sua voz, do R&B ao Trap, a artista afirma com a doçura e suavidade de sua arte, a potência óbvia que carrega em seu corpo. Seja através do amor, seja da ironia, da auto afirmação de sua negritude, a artista nos propoem um disco para colocar os pontos nos is definitivamente.
Corpo negro que é militância só em resistir na existência, e que no fazer arte transcende uma maré de opressões rumo ao ser, a verdade última das coisas que nos cercam, e que ela propaga em sua composições, rimas. Tássia Reis, é daquelas poucas artistas que consegue transitar sem dar pinta de descolada, é como uma Elizeth ou uma Clementina no disco da moçada do Clube da Esquina, ou no disco do experimental a força do Milton. Guardiã da raizes mas também capaz de dançar no ritmo que vier, desde que esteja a sua altura. Aliás, o próprio Milton que ao que parece anda ouvindo coisas que lhe desagradam, poderia ouvir a Tássia!
Em um momento onde os discos seguem a linha do minguar, de correr pros ouvidos sendo condescendente à preguiça do público, ela aposta em 16 faixas, e não erra. Em entrevistas Tássia Reis ressaltou a intenção de apresentar ao público um disco onde o “cuidar” seja o norte, em um momento politico como o que estamos vivendo onde corpos negros e femininos, assim como toda e qualquer diferença flagrante, se tornou alvo a ser abatido.
E a artista começa pelo cuidado exatamente ao propor um disco que é fundamentalmente Rap e R&B com o tamanho acima referido. Precisamos cuidar da nossa atenção, e isso deveria ser bastante óbvio, já deveríamos estar atentos a necessidade de uma política da percepção, uma ética dos afetos.
É preciso estarmos cuidadosos e dispostos para ouvirmos as 16 faixas que compoe Prospéra (2016) e sermos capazes de recolher em nós mesmos, as mensagens que o album contém. Através de uma míriade de sensações, ritmos, sonoridades, chaves de interpretação, composições diversas, Tássia Reis abrange uma gama ampla de “cuidados necessários” nesses tempos bicudos.
Há quem tenha achado que o disco cansa ali pelo final, e que algo mais enxuto seria mais palatavél e convincente. No entanto, esse diagnóstico nos parece exatamente fruto da preguiça e dessa percepção fast food da música, hoje tão em voga. Pois ao ouvirmos as 16 faixas sem pegar no celular, sem desviarmos a atenção com as tantas solicitações que recebemos hoje em dia, perceberemos que as ideias que atravessam o disco, chegam ao fim com o mesmo vigor inicial.
Técnicamente, a cantora beira a perfeição, rimando tranquilamente em beats diversos, e técnicas diversas, das divisões econômicas do trap até o speedflow no meio de R&B. Sua projeção vocal – sempre um show a parte – encontra em arranjos cheios de balanço, em faixas como a canção que titula o album, uma força fantástica. Composições que apresentam também uma letrista/mc de um talento grande, e que precisa ser reconhecida como uma das melhores de sua geração.
As participações dão sua contribuição, num trabalho de omplementaridade muito bacanadentro de um trabalho com uma autoralidade tão forte. A cantora recrutou Froid, Preta Ary, Frabiccio, Melvin Santhana e Monna Brutal fazem excelentes contruibuições em suas inserções ao longo do álbum.
Um excelentíssimo disco de estreia dessa artista que consegue com excelência expor uma série de problemas que afetam mulheres negras e perifericas pintando sempre as pontuações com cores belas, pois como dizia o poeta o negro é a raiz de todas as cores, e Tássia Reis guarda toda a aquarela no peito.
-Tássia Reis, a rima e o canto de uma mulher preta Próspera!
Por Danilo Cruz