A compilação I’m Just Like You: Sly Stone’s Flower: 1969-70 resgata um período criativo, porém caótico, na vida de Sly Stone.
Nos últimos anos o brilhante Sly Stone voltou para a mídia. Foram décadas imersos no crack, na cocaína e qualquer outra droga que se movesse, era só ver que dava barato que o negrão se esbaldava e enterrava um dos maiores poderios técnicos e criativos da história da música, no fundo de um pipe.
Em 2015 o americano foi parar em todos os meios impressos em virtude de ter atingido o fundo do poço, algo que, acreditem, não aconteceu apenas uma vez. Sly vendeu discos a rodo nos anos 70, tocou em Woodstock, teve uma sobrevida comercial no início dos anos 80, mas viveu sua vida canalizando sua próxima criação em sincronia com o próximo pega.
E aí deu no que deu, depois dos anos 70 ele literalmente queimou toda sua fortuna em drogas, não comparecia mais aos shows da Family Stone, se distanciou dos membros e como último ato, acabou indo morar dentro de uma van, no bairro do Bronx em 2011.
É até um pouco desafiador seguir essa linha do tempo. Como que um dos maiores multi instrumentistas do groove saiu de Woodstock e foi parar dentro de uma van? Como Sly foi capaz de criar uma estética que começou no Gospel e chegou até o Funk Psicodélico – com uma banda interracial – e luxuriantes doses de overdub? Como que todo esse talento foi desperdiçado entre as décadas de 60 e 70, a tal ponto que durante toda a década seguinte o norte americano gravou apenas UM disco de estúdio?
“Ain’t But The One Way”, lançado em 1983, foi o décimo e último disco de estúdio do Sly & The Family Stone. O plano inicial era que o trabalho fosse uma parceria entre Sly e George Clinton, mas em função de uma briga, o disco quase não saiu do papel. George deixou a Warner Bros e, nessa confusão, coube ao produtor Stewart Levine (Minnie Riperton/The Crusaders), a difícil missão de finalizar o disco.
O resultado final resume muito bem a vida do senhor Sylvester Stewart na época. Ele estava mais interessado em chapar com o baterista do Gun’s N’ Roses (Steven Adler) do que gravar um disco.
É claro que tudo isso não aconteceu do nada, mas em miúdos foi exatamente essa a ordem dos fatos, até que em 2015 a lenda deu sinais de real recuperação. O multi instrumentista se reaproximou da família e voltou a se reerguer após ganhar um processo de 5 milhões de dólares contra seu ex-agente (Gerald Goldstein), devido ao pagamento de royalties.
Esse ”retorno”, além de resgatar o trabalho praticamente esquecido de uma banda essencial para a história da música norte americana, rendeu interessantes lançamentos que com certeza ficariam mofando em estúdio, caso Sly não conseguisse um novo respiro. São edições especiais e takes que nunca viram a luz do dia, afinal de contas o responsável está finalmente estável o suficiente para coordenar tudo isso.
Mas se você pensa que isso ainda vai acontecer, saiba que no mesmo ano que esse processo de royalties foi encerrado, o reverendo Sly já resgatou um belo pack de gravações.
Foi com ”I’m Just Like You: Sly Stone’s Flower: 1969-70”, que o multi instrumentista relembrou o selo ”Stone Flower”, ramificação da banda para efeitos de cortes de gastos – com LP’s distribuídos pela Atlantic – que infelizmente, teve vida curta, com apenas dois anos em atividade.
Track List:
”Little Sister: You’re The One (Parts 1 & 2)”
”Sly Stone: Just Like a Baby”
”Joe Hicks: Home Sweet Home (Part 2)”
”6ix: I’m Just Like You”
”Little Sister: Somebody’s Watching You (Full Band Version)”
”Joe Hicks: Life & Death In G & A”
”6ix: Trying To Make You Feel Good”
”Little Sister: Stanga”
”6ix: Dynamite”
”Little Sister: You’re The One (Early Version)”
”Sly Stone: África”
”Joe Hicks: I’m Going Home (Part 1)”
”Little Sister: Somebody’s Watching You”
”6ix: You Can, We Can”
”Sly Stone: Spirit”
”6ix: I’m Just Like You (Full Band Version)”
”Sly Stone: Scared”
”6ix: Dynamite (alternate version)”
Sly Stone – I’m Just Like You: Sly Stone’s Flower: 1969-70
Levando em conta que todo esse legado entrou para a história, essa é uma bela compilação. Temos aqui 5 compactos e 10 registros que nunca haviam sido lançados. Todos devidamente remasterizados diretamente da fonte, com uma qualidade e nitidez surpreendente e participações que apenas apimentam a cozinha.
Temos aqui nomes como Little Sister, Joe Hicks, 6ix e o próprio criador de todo esse universo, Sly, mas dessa vez, sem a família Stone. O maior legado desse disco, além de nos mostrar bastante material inédito, é evidenciar o trabalho livre de uma mente sem limites para a criação.
O Sly dessa compilação está apenas improvisando no estúdio, os outros só acompanham, de resto ele sola em todas as posições, brinca com todos os elementos possíveis, desde timbres até as ácidas talk-box, isso sem contar, é claro, o Wah-Wah que o cidadão comia com farinha.
Sly & The Family Stone
Temos aqui o elo perdido entre o clássico ”Stand” (1969) e a revolta política de ”There’s A Riot Going On’‘ (1970). Quando o Little Sister entra na jogada o requinte fica como bônus nos backing vocal de ”You’re The One”, ”Somebody’s Watching You” e ”Stanga”.
Quando Sly entra para se consagrar sozinho, o som chega com um frescor que aponta para o futuro. Sem Sly não teria Prince e o Funk psicodélico de ”África” e a faixa que encerra as composições inéditas (”Scared”) – e seu estonteante arranjo – deixam isso claro.
Eis um disco para se entender um dos maiores expoentes da música negra. Trabalhando sozinho, apenas no instrumental ou com o 6ix e Joe Hicks a tira colo, Sly reinava soberano e foi um cara que poderia ter feito ainda mais pela música.
Suas gravações são relíquias, mas todos sabem (incluindo o próprio Stone), que se ele não tivesse ficado no underground dos rehab’s por tantos anos, os tempos seriam outros.