O selo paulista Sheila Records vem soltando excelentes trabalhos desde o fim do ano passado, excelência do Rap Underground
“Tenta querer ser mas não é, viu? Tô querendo debater e tu quer views, eu não resolvi ser pra botar na bio, eu não vendo sexo na grade do perfil, não tô cantando o que o mercado decidiu…” Saskia
Artistas seguem se movimentando, buscando saídas, se unindo para não se curvar ao que é ditado pela indústria cultural e pelos algoritmos. O underground nacional não apenas respira bem como em alguns casos hiperventila de tantos projetos interessantes e resistentes. São muitos os nomes que você aí escravo do algoritmo deveria abrir-se para conhecer. Uma das iniciativas mais interessantes e produtivas dentro desse campo é a Sheila Records, criada pelos sócios fundadores Noshuga e Campoy beatmakers e produtores já com larga experiência e uma estrutura bacana em SP.
No final do ano passado, a rapaziada soltou o seu trampo de estreia, o EP Morfo (2021) que conta com 5 faixas e apresenta uma ambientação suja e politicamente agressiva. A partir de uma dupla formada por Matheus Coringa e Saskia, o trabalho se desenvolve no bate bola entre os dois e os reforços pontuais de Victor Xamã e Coronel. Para quem não conhece, a Saskia é uma mana do Rio Grande do Sul que lançou Pq (2019), disco de música eletrônica desafiadoramente inventivo, e que aqui se mostra uma MC fantástica.
Pros leitores do Oganpazan, Matheus Coringa é um velho conhecido, figura que encampa com bastante visceralidade um ethos underground em sua obra, assim como Victor Xamã e Coronel, que já estiveram nas páginas do nosso site. Toda essa trupe chega pesada no EP de estreia da Sheila Records, que funciona como uma carta de intenções. Foda-se o hype, vamos nos concentrar em ser o contra discurso alienante de como diz Saskia: corre por views, arrego para os temas que a indústria cultural valoriza e para o que o público branco classe média do rap determina como intelectualmente valido.
Uma característica presente em Morfo (2021) diz respeito a essa postura de afirmação do rap underground aqui dentro do espectro dos beats enjoados da dupla Noshuga e Campoy e de uma lírica ácida e agressiva dos participantes. Porém, como já se quer fazer entender título e sobretudo pela variedade de sonoridades trabalhadas pelos participantes, há que se estar atento para a versatilidade desses artistas, capazes de pular em qualquer estética sem esquecer o compromisso com a criação insubmissa.
“Quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio, quem mata mais inocente não tem sangue e nem sente” Coronel
No começo do mês de março viu o lançamento do segundo EP do selo, Dorsalgia (2022), desta vez capitaneado por Coronel e Matheus Coringa. Um dos objetivos do selo é exatamente a promoção de MC’s do underground em seus projetos, agenciamento auspicioso e que certamente tem dado certo a ver pelo resultados destes dois trabalhos. Coronel é um MC mineiro que possui um tom de voz agressivo assim como a sua lírica, aqui uma excelente oportunidade para adentrar na obra desse artista que precisa ser mais conhecido. Neste EP temos também a participação da 1Lum3, da Saskia e da MANDNAH, vozes femininas rimando e cantando com muita qualidade. Também composto por 5 faixas, aponta-se mais aqui para problemas sociais muito por conta das linhas do Coronel, mas sem perder a ironia e o sarcasmo do Coringa.
A participação da Saskia na faixa “Avassaladores” é certamente digna de menção, em termos de rima e flow, desenrolando agressivamente fácil e com muita qualidade. Assim como a 1Lum3 que mescla rimas com desenvoltura e o seu já conhecido e elogiado canto. Toda essa conjunção nos apresenta a riqueza da produção que se não deixa falha em termos de produção, nos mostra uma visão e estética e política que merece muita atenção.
O mês de maio viu dois lançamentos agenciando diversos nomes do Rap Underground nacional mostrando ao público que esse pode esperar que o que não está faltando é cartucho para trocar. Matheus Coringa e Matéria Prima, dividiram o single “BlockChain”, uma daquelas faixas que viciam o ouvinte que curte o requinte lírico do mestre Matéria Prima e que junto ao Coringa encontra um tempero que torna o alimento saborosamente fora da curva.
Fechando essa sequência de lançamentos até aqui, a Sheila Records soltou um Tri-Single: Mosaico (2022). Enriquecer a cena é uma das missões que o rap underground tem que tomar para si. Os dois primeiros EP’s do selo, nos dão a conhecer artistas do norte ao sul do país, implementando uma quebra do eixo na prática. Em Mosaico, essa escolha se mantém e nos traz os manos do Rancho Mont Gomer (Sergio Estranho e Msor), sódan e o João Alquímico (Qua$imorto), SP e AM. Ao mesmo tempo que em todos os trabalhos temos participações de mulheres, que aqui são a 1Lum3 e a MANDNAH. Isso nos mostra também uma outra questão: a diferença entre discurso e prática.
As três faixas apresentam produções da dupla Noshuga e Campoy, muito sample, loops, produções que geram uma ambientação sonora, uma paisagem na qual os artistas passeiam com desenvoltura. A Sheila Records é uma iniciativa, um selo que com pouco tempo na pista já mostrou a que veio, rap underground diverso, buscando alianças que quebrem o discurso e as práticas hegemônicas. Resta ao público underground o trabalho que falta: consumir com voracidade, incorporar toda a visceralidade que nos é transmitada nos trabalhos e passar isso a frente, indicar, compartilhar, colar nos shows, enfim, apoiar!
-Sheila Records, lançamentos do Rap Underground com excelência constante!
Por Danilo Cruz