Sagaz das Atalaias e Zoe Beats em O Ano Mais Violento (2020), uma mixtape pesada, musicalmente impactante e 100% nordestina!
O título da mixtape já deveria ser-nos bastante óbvio e certamente não é fruto de uma jogada de marketing para se aproveitar do momento em que vivemos, apesar de ser bastante adequada essa atribuição a 2020. Mixtape do sergipano Sagaz das Atalaias e contando com a produção do Zoe Beats, O Ano Mais Violento (2020) é o resultado também de uma caminhada muito real, verdadeira, marginal, rueira de verdade e de um nomadismo formativo do artista. Fruto também de suas vivências pelo Recife, que o levou a ser parte da Chave Mestra e se desenvolver também naquela cena extremamente prolífica.
As seis faixas desta mixtape transparecem ao ponto de materializar em nossa frente os cenários, os momentos, os personagens, o clima de uma trilha que vem sendo seguida pelo artista. Tendo morado por dois anos no Rio de Janeiro, mas também tendo sido apoio do Diomedes Chinaski em SP, a expressão espiritual do disco é nordestina. E é interessante notar como a concepção musical dirigida pelo Zoe Beats, apresenta um nordeste que está infinitamente a frente esteticamente de uma boa parte dos trappers do hype, Só pra variar.
Sagaz não faz o cosplay de bandido, não rima as obviedades de lean, xota, ice, e todas esse vocabulário esvaziado pela moda. Diríamos que é trap de gente grande, de quem realmente vive o que canta, e “Sincero” abre a mixtape, exatamente falando sobre a distância da família. Desses corres que levam os artistas que lutam para sobreviver a enfrentar dificuldades que após vencidas vão rechear as linhas com o tutano da vida, com a essência daquilo que chamamos hip hop!
O corre é obviamente também pelas notas e “Milhões” implica tanto as conquistas, os bens, mas também as experiências que “fazem isso aqui ser real” e que um artista precisa ter para não vestir a roupinha de Cosplay de trapper. A direção musical do Zoe Beats é fundamental para a qualidade do trampo, os beats de trap apresentam sempre timbragens, samples, efeitos, que se diferenciam bastante do que o mercado tem oferecido. Tendo firmado seu trampo em Recife e trampado com grandes nomes locais e de projeção nacional como Davzera, Diomedes Chinaski, Chipan e Lucas Sang, hoje o mano está residindo no RJ. Já tendo produzido o episódio 70 da Pineapple Storm, atualmente faz parte da produtora/selo musical ILLEGAL CORP.
Na faixa título “O Ano Mais Violento”, Sagaz convida dois cabra brabo paporra daqui do nordeste, Doiston e Mirim ZN, são duas figuras com um trabalho muito especial e que já figuraram nas páginas do Oganpazan. O trio manda na faixa homônima um ataque real nordeste, pesado na união de três estados: Sergipe, Pernambuco e Ceará, a track tem um toque de mestre do Zoe Beats, que mete enxertos de percussão do pagodão, para tornar o bagulho ainda mais característico.
E na sequência um grime, que tem no nordeste o pioneiro dessa estética no Brasil, e que se deixa daqui a pouco as pessoas esquecem, e Sagaz não faz feio, muito pelo contrário, apresenta com versatilidade no flow, linhas de peso. O piano nos dá um tom meio melancólico em “Sessenta e Nove”, onde as rimas do Sagaz tratam de amor e sexo e como salientamos acima, criando imagens poéticas muito bem elaboradas. A Mixtape chega ao fim com a faixa “Tão Raro”, dando ao ouvinte estar diante de um artista original, que escreveu essas músicas nadando num mar de experiências, atravessando mares bravios e ou calmos, em braçadas firmes. E nessa maratona aquática que o trouxe até aqui, não sentimos sinal de misoginia, nada fake é expresso nas linhas, não absorve nenhum cacoete do que está na moda e ainda consegue denotar com força singular apenas as suas experiências.
Toda a produção exala a força do rap nordeste, autor, produção, participações, e isso é também parte da política que o disco exprime, auto valorização necessária. Sagaz das Atalaias bota na rua seu trampo mais sólido até o momento e já deixa aqueles interessados do que de melhor se tem feito no rap br, ansiosos pelos próximos lançamentos.
-Sagaz das Atalaias e Zoe Beats em O Ano Mais Violento (2020)
Por Danilo Cruz