Roy Ayers: o pai da neo-soul e do hip-hop instrumental?

Roy Ayers, uma das lendas vivas da música preta americana, foi e segue sendo uma forte influência para grandes artistas da black music

O site Who Sampled tem catalogado ao menos 745 samples, 78 covers e 32 remixes de Roy Ayers espalhados pelo mundo. Obviamente, a grande parte deles são de produtores e artistas de hip-hop. Isso vai desde Junior Mafia com Notorius B.I.G. em “Get Money” (1995) até o “Eu Te Proponho” dos Racionais MCs do álbum Cores & Valores (2014) no qual sampleiam a maravilhosa “Liquid Love” de Ayers.

Se você não é familiarizado com o trabalho musical de Roy Ayers, então, deixa eu te ajudar. Ayers é ninguém menos que um dos artistas mais influentes da música negra estadunidense, sobretudo nos campos do jazz, soul e demais experimentalismos da black music. Compositor, vibrafonista, vocalista e tecladista, Ayers com seu vibrafone e voz ao mesmo tempo animada e suave, tem uma musicalidade inconfundível que não por menos se tornou uma referência em gêneros posteriores como o hip-hop e o neo-soul. Sua carreira prolífica com mais de 30 discos lançados como artista solo, prova sua dedicação e paixão à música enquanto um dos maiores ícones do gênero.

Tendo feito parte da efervescente cena pós-bebop de Los Angeles, Ayers já começou suas primeiras composições com um ar “cool” tipicamente californiano. Em seu disco de estréia West Coast Vibes (1963), Ayers abre nada menos que com o estiloso cool jazz “Sound and Sense”. Em seguida, vem o clássico “Days of Wine and Roses” em versão bossa – como bem se sabe, um estilo brasileiro que bombou em terras gringas! – continuando o clima litorâneo e agradabilíssimo desse álbum. Antes de fechar, tem ainda o estrondoso bebop “Donna Lee”, diversificando ainda mais as texturas sonoras e gêneros musicais presentes nesse petardo jazzístico de Ayers. 

A onda jazzística prossegue durante a primeira década de Ayers como artista solo – antes ele havia acompanhado os jazzistas Herbie Mann, Curtis Amy e Jack Wilson como músico de apoio – até que em 1974 com o álbum Change Up The Groove, Roy Ayers engrossou o caldo migrando do cool jazz para o jazz funk. Então, no ano seguinte com Mystic Voyage (1975) Ayers dá as diretrizes para o que décadas depois seria chamado de neo-soul; trazendo texturas pouco exploradas pelo gênero como climas mais suaves e batidas menos enérgicas, com toques mais experimentais, ora rock, ora pop, mas nem por isso menos envolventes.  

Dois anos depois, após ter lançado mais dois discos A Tear to a Smile (1975) e Daddy Bug & Friends (1976), Ayers então atinge o que seria o seu ápice na consolidação de sua soul music sofisticada por meio do álbum Everybody Loves the Sunshine (1976). Óbvio dizer que nesse disco tem o hit homônimo que mais tarde foi reinterpretada por inúmeras artistas, inclusive os nossos brazucas do Almaz (formado por ninguém menos que Seu Jorge e os músicos da Nação Zumbi; Pupillo, Lúcio Maia, Dengue e Gustavo da Lua). 

Roy Ayers Depois disso, sua linguagem musical única já estava mais que definida e serviu de inspiração para artistas icônicos da música negra de diferentes gerações como Erykah Badu e Tyler, The Creator. Faixas como “Searching” do disco Vibrations (1976) deixa isso bem evidente e foi uma referência e inspiração explícita para Tyler, The Creator na música “Find Your Wings” do álbum Cherry Bomb (2015) na qual ele mimetiza os trejeitos de Ayers no palco no videoclipe da música, que, de fato, contou com a participação de Ayers na gravação do álbum de Tyler.

Bom, seria extenuante abordar toda a carreira de Ayers em detalhes, então vou dar um pulo na linha do tempo e ir para 1981, quando lança Africa, Centre of the World dedicado aos célebres músicos negros Bob Marley e o nigeriano, pai do afro-beat, Fela Kuti. O disco tem uma introdução que facilmente poderia estar no disco de uma artista contemporânea e experimental da black music como Badu. Inclusive, na apresentação de Ayers na NPR Sessions – sessões ao vivo na rádio nacional estadunidense postadas no YouTube – Ayers faz uma performance incrível da música “Black Family” do álbum Drive (1988) citando o nome de Fela Kuti diversas vezes na apresentação.

Seu disco mais recente Mohagany Vibe (2004) preserva toda a sofisticação e originalidade de Ayers, provando sua capacidade de continuar se reinventando e sendo fonte de inspiração para gerações diversas do mundo da música. 

Tá, e o que mais a carreira de Ayers tem a ver com neo-soul e hip-hop?

Beleza, depois de percorremos alguns pontos altos da intensa e extensa carreira de Roy Ayers que ainda está vivo e em atividade, queremos voltar ao título dessa matéria. Qual a relação entre Ayers com a neo-soul e hip-hop?

Bom, a começar pela neo-soul esse é um gênero que é definido por alguns como algo que começou com trabalhos de artistas negros estadunidenses como D’Angelo, Erykah Badu e a carreira solo de Lauryn Hill; só para ficar nos exemplos mais conhecidos. As principais características desse estilo é um caráter mais sofisticado, suave e experimental da soul music que se afasta dos grooves enérgicos setentistas de nomes como James Brown ou Curtis Mayfield. Portanto, não é arriscado dizer que Ayers foi um dos precursores desse gênero, sobretudo em uma época na qual os músicos de soul music estavam quase todos focados em grooves pesados ou baladas românticas intercaladas com esse ritmo dançante. 

Além disso, em 1996 quando DJ Shadow lança um dos primeiros trabalhos de hip-hop instrumental, o aclamado Endtroducing… com uma variabilidade de beats que vão desde breakbeats pesados como “The Number Song” até sons mais etéreos como “Changeling” com uma pegada bem jazz funk a la Ayers, fica clara a influência que gêneros mais progressivos da soul music teriam sobre o hip-hop instrumental. Quando nomes como J Dilla e mais tarde, Flying Lotus, despontam nessa cena do “rap sem letra”; isso fica ainda mais evidente. Por isso mesmo não é arriscado dizer que há um forte toque de Roy Ayers em toda essa evolução da black music.

Bom, essa foi apenas uma pincelada em tudo que Ayers já fez pela música negra estadunidense e além terra do Tio Sam. Agora, aproveita que já sabe disso e vá “cavar” um pouco mais a discografia desses grandes músicos que citamos aqui. Câmbio, desligo. Até a próxima, Oganautas! 

Gustavo Marques é pesquisador e produtor musical, doutorando em música pela University College Cork (UCC, Irlanda) onde desenvolveu pesquisa sobre o trabalho musical de Tyler, The Creator. @gustavomarquesinsta

-Roy Ayers: o pai da neo-soul e do hip-hop instrumental

Por Gustavo Marques 

 

 

 

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