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Rap Nova Era na trilha da Renovação do Gangsta

Em seu terceiro disco o Rap Nova Era chega com um disco de Renovação que traz 13 faixas muito pesadas de uma força necessária nesse momento.

O terror de Salvador chega no seu terceiro disco, pavimentando um caminho que é único no rap da Bahia, com uma construção rebelde que nos expôs desde os seus primeiros momentos, a uma leitura poético musical da cidade que sempre gritou: “Salvador tá barril”. Mas não apenas leu, como agiu, e vem agindo contra as opressões que o nosso povo preto e pobre sofre. Com forte participação nas quebradas e nas cadeias, o grupo Rap Nova Era se tornou um dos mais importantes pilares da cultura hip hop soteropolitana!

Uma caminhada que incorpora a verdade e a insubmissão na teoria e na prática, como os principais signos de sua arte, e que traz nesse novo disco, uma Renovação para o que se costuma chamar rap gangsta. O Rap Nova Era e as ruas de Salvador são simbióticos, suas letras atravessam todas as quebras de uma “cidade túmulo” que encontra nos graves de suas batidas o ânimo para aqueles corpos que resistem e tem a luta como ideal de vida.    

Do lançamento da primeira mixtape Não Tente Contar Com a Sorte (2011) até o disco Brutality (2015) o grupo completa no ano que vem uma década de muita luta e arte e todos deveriam saber o quanto isso representa uma vitória, deles e nossa. Tal trajetória é comemorada agora com renascimento e amizade. O cerne mais antigo do Rap Nova Era, Moreno e Ravi Lobo, encarna a parceria com muita propriedade, na relação entre eles e a cultura hip hop.

A trilha artística e a militância do trampo os levou ao longo desses quase 10 anos de carreira, a conquistar aos poucos os palcos de sua cidade, e começar a voar mais alto em direção a meca: Capão Redondo. Por lá fizeram contatos e se aproximaram de um dos locais de origem nacional do estilo que eles vem lapidando. Da CDP até os palcos do país, curiosamente foi nesse ano de 2019 que a comunidade da Cidade de Plástico viu sua comunidade ser revitalizada, agora chamada Comunidade Guerreira Zeferina.

Se na primeira mixtape, os caras chegavam numa crueza que faria então os olhos e ouvidos começarem a prestar atenção, com Brutality o estilo gangstar se consolidaria e tomaria corações e mentes em Salvador. De 2015 pra cá, os caras seguiram tocando, soltando singles, participações, militando nas cadeias, pelas ruas, e fazendo suas músicas grudar de um modo inequívoco no rap ba. Um salto na carreira que os levaria a ter alguma capilaridade em diversos pontos do país e tudo isso está presente em Renovação

Renovação é de fácil percepção, trata-se de um disco que aborda toda essa história do modo mais digno possível, levando a frente toda essa construção, todo esse esforço, e deixando evidente a evolução artística do grupo. A trinca: Moreno, Ravi e Dj Kbça apresentam um trabalho maduro e o seu disco mais bem resolvido esteticamente, ao mesmo tempo em que amplia o alcance de suas temáticas e as sonoridades abordadas. 

Do período de 2018 até o presente momento, o Rap Nova Era lançou alguns singles todos com clipes muito bem produzidos. Fomos presenteados com os audiovisuais de  Treta Truta, Vai Cair, Terror e Verdade e esse excelente Poesia Marginal.

Aqui temos um excelente exemplo da Renovação que o Rap Nova Era propõem nesse novo disco, pois capta muito bem um movimento muito importante que ocorre atualmente na cidade. Quem vive Salvador no dia a dia sabe a quantidade intensa de poetas de buzu, e no clipe temos Felzem Mc, e Shoock Mc como personagens da vida real. Esses clipes com produções muito boas, representam também uma estratégia de trabalho muito necessária.

Todos esses singles, são hoje em Salvador verdadeiros hinos e ao mesmo tempo mascararam o esforço hercúleo que o grupo Rap Nova Era teve que despender para finalizar o seu terceiro disco. Reunindo um time que compõe essas alianças fruto de um reconhecimento local e nacional, o disco abre com a mensagem que vai atravessar todo o disco, “Renovação”, e conta com a participação da afiada e swingada Yzalú e do grande DJ CIA nos riscos numa produção do Plinelson.

É difícil selecionar uma faixa entre as treze que compõe o disco, como uma favorita, mas “Vou Seguir”, uma das produções do DJ Gug que trabalha com referências da capoeira, e a participação do mestre DaGanja é uma das nossas preferidas. Aqui como em outras, a mensagem é a de superação, onde manter o proceder é tão fundamental como as brutais denúncias anteriores. Porém, Ravi não perde de vista que parte dessa superação – talvez a mais importante – se dá na luta. 

“Revolução sem peça, Pensamento sem atitude, se não for  nem me interessa, falo pela negritude”

Numa parceria com o paranaense Godines, a faixa O Bizarro e o Inexplicável vem com a produção do Dactes que fez um beat bastante atmosférico. Reflexões fundamentais que o gueto precisa fazer sobre as mudanças e permanências ao longo da história, as tecnologias que passaram a fazer parte da vida do povo pobre e o contraste com a perseguição secular ao povo preto é o tema de Mundo Moderno (prod. Coelho Beats).

Vagabundo também ama, e não é naquela pegada clichê tão em alta hoje em dia, Love In Crime deixa isso evidente, o amor é aqui linha de fuga da morte, não contaminação de neuroses. O bate cabeça é a maior parte da sonoridade do disco e a vida na linha, na trincheira é também uma constante, e DBS Gordão Chefe escurece as ideias mostrando que a exceção apenas confirma a regra e junto com Lord (ADL) chegam na contenção em “Aquela Paz”

“Vida Longa minha família é sem maldade, semi longa é fogo no judas e bala nos covardes, Vida longa UG Ugangue é sem massagem…”

Um incursão da UGANGUE num trap pesado do Dactes, que vai ser sem dúvida alguma o próximo hit dos bate cabeça onde tocar. Vandal, Moreno e o Lobo, cuspindo sem massagem como aqui é de praxe, é o tema de “Vida Longa”. Mas do que um mero feat é a personificação de uma irmandade que está na luta suando sangue para levar a luta adiante.

A curtinha Sem Refrão numa produção Coro de Rato, é aquela boombapzera onde Ravi desfila sua pistola automática de palavras em forma de rima, com todas as balas revestidas de fortes ideias. E fechando o disco outra parceria UGANGUE, outra irmandade de rua e um dos mc’s mais talentosos do Brasil, infelizmente pouco conhecido. Oração vem com a produção do Jumar Paralelo, e Galf A.C. abrindo sua caixa de ferramentas e junto a Ravi, levando a poesia de combate para um excelente nível.

O rap gangsta segue sendo uma forte vertente dentro do rap nacional, ao contrário do que muitos imbecis, articulistas de última hora e o público do hype quer nos fazer crer. O Rap Nova Era segue dentro desse cenário, e em Renovação nos mostra que essa vertente possui diversas possibilidades, Ravi Lobo, Moreno e Dj Kbça levam a bandeira a frente com o seu trabalho, com muita dignidade e sobretudo bastante talento.

O grupo baiano representa nesse trabalho não apenas as pautas que sempre defenderam, mas a força que o gueto deve ter diante da vida: lutar e resistir às dificuldades que sempre nos são impostas. Manter a chama da luta viva, buscando sempre e sempre a Renovação pelo amor daquilo que acreditamos. Vida Lona!


Rap Nova Era na Trilha da Renovação do Gangsta

Por Danilo Cruz

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