Rap Nacional Janeiro de 2020 em 8 EPs

Rap Nacional Janeiro de 2020 em 8 EPs que nos dão um bom mosaico do que é e do que pode ser a cena nacional na virada do século, inclusiva?? 

Fazer esses recortes é um trabalho muito grande mas é bastante satisfatório quanto percebemos que essas selectas, que esses paineis cumprem uma função importante. Fazer as coisas de modo intuitivo e entender que a intuição é também uma forma de pensar, muitas vezes trazem bons resultados. Esses mosaicos que o Oganpazan vez por outra solta, vem sempre naquela vontade de abraçar um conjunto de trabalhos que o tempo escasso por conta do “amadorismo” do nosso trabalho não permite desenvolver resenhas e notícias individuais.

Essa escolha intuitiva tem se revelado muito produtiva, se não em termos de views, no que de fundamental buscamos com o nosso trabalho, que é apresentar bons artistas para as pessoas realmente interessadas em conhecer a produção nacional. Recebemos algumas mensagens nos últimos meses que confirmam isso. Ao mesmo tempo, com o trabalho que o Oganpazan vem desenvolvendo nos últimos anos, o recebimento de material do país inteiro tem crescido bastante, assim como a nossa pesquisa que não para nunca. 

Desta forma, vamos começar o ano, com 8 EPs que vão do Trap ao rap underground, que atravessam o país literalmente de norte a sul, e nos dão uma boa ideia do que se produziu em Janeiro, apesar de um dos trabalhos ter sido lançado em dezembro de 2019. São estreias, obras que vem se fortalecendo e se expandindo, parcerias, continuidades, enfim, reunimos aqui trabalhos com estéticas diversas e que representam caminhadas diferentes. Se você curte realmente descobrir sons, formas de compor e produzir diferentes, sonoridades próprias, se você gosta de conhecer novos artistas realmente do rap nacional, você está no lugar certo. 

Porque se não for assim a gente nem começa!

INDXXS

Diretamente de Palmas no Tocantins, os caras do INDXXR soltaram seu segundo EP em dezembro de 2019, no dia 20/12 mais especificamente. Já na primeira música os caras citam o FBC e foi utilizando a estratégia do Padrim que eles mobilizaram a turma e fizeram barulho no twitter ao ponto de chegarem como indicação pelo RAP TV, que foi como descobrimos o trampo dos caras.

Há três anos na caminhada, o grupo formado por CEO, Dallag e Lunar, produzem dentro da estética do Trap, assumindo o lifestyle do subgênero e apresentam um trabalho muito competente em N.F.C. (2019). Nacionalidades, Formas e Cores, conta também com a participação do mano Bereta e ao longo das faixas os caras destilam efeitos alucinógenos sintéticos e orgânicos. Seguindo a risca as linhas estéticas propostas pelo Trap, são comentários sobre uma vida de correrias, festas, sexo e a busca pelos hits que poderiam mudar suas vidas. BapLadrão é o responsável pelas batidas que fazem as paredes sonoros onde os caras rimam. Se você curte Trap, esses caras merecem ser ouvidos. E sobretudo, o INDXXR mostra como o norte é potência em qualquer gênero que se propõem. 

Jonas de Lima – Fortaleza (CE)

A estrada que Jonas de Lima tem trilhado o têm levado a um caminho estético muito singular, atualmente um dos produtores de ponta no BR, tocando um projeto com muito potencial como o Margem Now, e agora com mais um trampo solo em alto nível. Em Sob O Sol no Jardim Diamante (2019) é um trabalho “leve”, amoroso, sério na medida em que faz músicas de “amor e paixão”, sem recair em clichês machistas. Até onde conseguimos perceber, são linhas pesadamente libidinosas mas que não recaem nos aspectos mais baixos ao se remeter ao sexo oposto. Pelo contrário aqui se trata de troca, de dar e receber, com honestidade e maturidade.

As produções fruto da parceria com Edgar Marques, Stix Beats e do próprio Jonas, são completamente originais, e as 7 faixas trabalham também suas visões sobre o jogo, sua humildade e segurança em si mesmo e no próprio trabalho ficam evidentes em “Minas no Meu Quarto” e em “Pedo”. Ao longo do EP que é uma das coisas com mais qualidade lançadas esse ano até aqui, Jonas de Lima apresenta mais uma vez a foça da cena de Fortal. Quem tem ouvidos para ouvir que o faça.  

Dartha – Aracaju (SE)

A cena de Sergipe tão pouco falada, é uma cena rica pra caramba, com agentes no interior também, mas na capital Aracaju é uma cena pequena como a cidade, porém muito intensa quando se trata de rap underground e com minas que fazem trabalhos com muita qualidade, além de trapstars respeitáveis. E nesse ecosistema Dartha aka Darthanyan que já fez parte do lendário Alquimia Solar, é uma das canetas mais nervosas e originais da cena. Eu particularmente já tava com saudades de seus trampos, e aquela sincronicidade gostosa que o trouxe a minha lembraça encontrou o lançamento de Taciturno (2020).

Contando com 4 faixas, com três beats chapados do Davzera e uma produção do Apolo 808, que também mixou e masterizou, eu dividiria esse epzinho em dois singles duplos. Nas duas primeiras faixas Super e Blackskin, vemos o mano destila sua lírica sobre a chaga do racismo e com uma forte auto afirmação de sua negritude. No que nós consideramos a segunda parte do seu EP, em “Bullets” e “Haux” vemos o Dartha extrair o sumo de suas observações da realidade, toda originalidade de seu flow serigy, o peso de suas ideias e de seu sotaque, que vem carregado de singularidades… Dartha é peso tio, um dos que precisam ser mais vistos nesse Brasil, procurem seus outros trabalhos também, e confirmem o que estou afirmando.

U7r33M – Salvador (BA)

Esses pretos vem lá do Calabetão, quebrada de Salcity e foi numa investida nessa favela que descobrimos esse novo grupo da cena soteropolitana. Os manos são muito pesados nas linhas e nas produções, e fazem algo que nos surpreendeu em seu show que conferimos in loco, que é a capacidade de ser criminal, critico pra caralho e ao mesmo tempo fazerem refrões que grudam na mente no mesmo instante em que se ouve. Conseguem também fazer músicas pesadas sobre curtição e os rolês pelas quebradas com autenticidade.

Realmente como U7r33m, os caras atropelam em 7 faixas que relatam as vivências e as ideias agrvantes de Grafi MC, Bolado e Dj Fael, ativistas sociais e arte educadores, sendo o Dj Fael um dos dj’s da cena formado pela grande escola do mestre DJ Jarron. Vida Bandida (2020) tem a produção finíssima de Jader Beatz e conta com participações de parcerios da banca Karma: KBÇÃO e Digs Driller, além do mano Trampo Raro (Estilo Solto gang). Escutem esses manos com muita atenção, porque aqui não é de boca não viu! 

nabru x gvtx – 

Aqui temos 11 minutinhos do purosuco do underground, numa parceria entre nabru e gvtx, que podemos nesse caso chamar carinhosamente de Bruxa e Gato. Produtores como GVTX fazem valer a pena utilizar o termo artista, pois o que ele entrega aqui é o fino do que pode o rap quando foge das fórmulas fáceis, quando não busca utilizar artimanhas para grudar nas orelhas. Fazendo-nos buscar o exercício da escuta de samples e cadências instrumentais que são muito suas e que só se tornarão nossas nessa disposição de compreender o que ele produz e a admiração surge automaticamente.

De sua parte a lírica da NABRU se mantém viva e disposta para a luta que é se manter num cenário super machista, e que possui em suas estruturas as mais diversas armadilhas e estratégias para invisibilizar mulheres. Seu fluxo mental/poético/respiratório casa numa chave gostosa e autêntica demais, com toda a doçura que o seu flow entrega, É como se ouvissemos a conjunção ou disjunção da antológica cena em que uma hippie coloca uma flor no fuzil do guardinha, e ao mesmo tempo presenciassemos a luta de mulheres negras como Angela Davis, e outras pretas revolucionárias. A lirica e o flow da nabru seguem delicadamente sujo, uma rua totalmente caótica que nos encontra através da delicadeza de suas palavras, imagens e voz. 

E dessa união encontramos um exemplo “menor” da grandeza do que pode realizar a junção Ritmo e Poesia, escutem 0701 por Bruxa e Gato (2020). 

Synestesia – Jaguariúna (SP)

Já no clipe de Trevas que foi colocado como a primeira faixa do EP, os manos do Synestesia apresentam uma tese bem simples e que de algum modo levanta uma das questões primordiais: “Ou você joga o jogo ou você é jogado fora”. A resposta proposta por Beiço, Leozera e Anauê, os três mcs que compoem o grupo de Jaguariúna (SP), é a busca por refletir os problemas suscitados pelo jogo e o enfrentamento dos mesmos. Hipocrisia, Falsidade, Palavras de ordem que não condizem com as práticas são alguns signos da M.H.O.R.T.E (2020). Produzindo Motivação Hostil e Rumo da Tua Existência, segundo EP que os caras soltam e que precede o V.I.D.A. (Viagem Instável Doce e Amarga), lançado há dois anos atrás.

Aqui ao longo de 8 faixas os caras cultivam o respetio e o amor pelo hip hop, sem nenhum ressentimento de estarem produzindo de modo independente e no underground. E contam com as participações do Siloque, e com beats produzidos por DJ TFX, pelo Silasman (Siloque) e pela MilGrauTape Studio. Vale muito a pena sacar esse trampo, e a correria dos caras, rap pesado com sabor de comida caseira. 

Jeh Preto – São Paulo (SP)

https://www.youtube.com/watch?v=bAjmYd0ZJMc

Entender-se como aquilo que se é, aprender a não viver de expectativas externas e fora do seu próprio controle, viver pela arte e com a arte. Artistas independentes padecem muitas vezes da ilusão de que um mercado onde as aparências, jogos escusos, personagens montados por marketing e publicidade vai absorver a todos. “Um dia eu vou estourar e vou ser enorme, serei o maior sucesso, serei um astro nas paradas de sucesso”. Essa talvez seja uma das maiores ilusões que atravessam as vidas de quem dedica uma verdadeira batalha para viver da arte. A verdade é que isso nunca foi assim, e dentro do mercado e da indústria cultural nunca será.

O rapper paulista Jeh Preto soltou o EP O Pequenino (2020) e talvez o grande ponto alto desse trabalho seja essa reflexão que o seu trabalho apresenta. Junto a questões que remetem a solidão, depressão, relacionamentos problemáticos e perdas. O cálice que precisa ser afastado é o de que se você não tem números gigantes você é pequenino. Poderia citar pelo menos 20 artistas de qualquer gênero musical que desmentem essa falácia. E poderíamos já começar citando o próprio Jeh Preto, que produziu um “disquinho” onde produz uma reviravolta em sua carreira e se afasta nesse trampo do Trap, apresentando algo diferente dos seus trabalhos anteriores. As produções ficarama cargo de Guiiga e Leal enquanto a mix e master foram feitas por 27 Change, Malcom GDN e Teagacê.  

Teu Dindo – Porto Alegre (RS)

Começamos pelo norte num EP de Trap, e fechamos no Sul com um outro EP dentro dessa estética, e com o Teu Dindo. O mano que vem de Porto Alegre, soltou três singles desse trampo ainda em 2019, fechando com a quarta e última faixa e disponibilizando o trampo completo esse ano. Apesar de uma longa caminhada no rap, onde participou do grupo Madonamia e hoje fazendo parte do D’lamotta grupo que tem o albúm Dádiva da Vida (2017) lançado pela 1 Kilo.

Em 100 Problemas (2020) ao longo das quatro faixas Teu Dindo canta e rima sobre a luta para ganhar grana na cena, sobre curtição, sobre a força pra continuar fazendo arte, sobre amizades reais e hipocrisias. As produções são do Dj Borest, que também foi o responsável pela mix e pela master. Trabalho coeso e uma boa introdução para conhecer mais da cena gaúcha! 

 

Articles You Might Like

Share This Article