Quareterna Serigy, The Baggios de pé na luta coletiva!

Quareterna Serigy, The Baggios de pé na luta coletiva! Novo single da banda aponta posições e possíveis caminhos para o próximo disco

Quareterna

A história do rock sergipano já reserva um lugar especial à banda da cidade de São Cristovão: The Baggios, que foi quem levou o cálice do rock serigy mais longe até agora, prestenção. O pequeno estado de Sergipe guarda tesouros e bandas das mais inspiradas e inovadoras de suas respectivas gerações: Lacertae, Snooze, Plástico Lunar, Karne Krua, The Renegades of Punk, entre várias outras que marcaram com muita força e qualidade seus nomes e nome do rock sergipano, em qualquer um que conheça a nossa história.

Numa caminhada de mais de 15 anos a The Baggios através de muito trabalho e da força da verdade presente no coração de Julico – Julio Andrade – guitarrista, compositor e vocalista que foi um dos fundadores da banda,  eles se firmaram com muita força e originalidade no cenário. O formato duo foi o escolhido, ou  imposto aos caras pela ausência de uma “cena” efervescente em sua cidade natal. Depois de ter dois bateristas na formação: Lucas (cofundador) e Elvis Boa Morte, que tiveram importância nos primeiros anos da banda, finalmente Julico encontrou o seu prometido Gabriel Perninha, com quem empreendeu um casamento sólido, duradouro e prolífico.

A dupla Julio Andrade e Gabriel Perninha gravaram os excelentes primeiros discos da banda The Baggios (2011) e Sina (2013), e o The Baggios que em certa medida conseguiram plasmar algo há muito tentado pelo rock em seu estado. O fato é que esses dois discos excelentes, aliado a muita correria, parcerias, e um trabalho muito consistente, martelou a música dos caras por todo o Brasil.

Através de um sólido terreno construído nas origens do noise, no surf rock e na psicodelia, misturando tudo isso em uma chave hard blues rock, os caras aos poucos determinaram uma pista de decolagem musical. Os dois discos seguintes, Brutown (2016) e Vulcão (2018) possibilitaram experimentarem flertes com a história da mpb e do rock nacional até aos poucos e definitivamente incorporarem essas influências ao seu som.

Além desses incrementos que de modo algum descaracterizaram o Punch arrebatador deles, os caras acrescentaram um outro integrante na formação, Rafael Ramos (teclas, contrabaixo elétrico) trazendo novas sonoridades e sabores a sua música.

Diante dessa pandemia o The Baggios como alguns outros brasileiros, desobedeceram as desordens do fascista mor da república e permaneceram em casa. O isolamento deu origem a faixa Quareterna Serigy com as participações de Alex Sant’anna, Diane Veloso, Luno Torres, Arthur Matos e Sandyalê. Um coro cheio de um pathos necessário nesse momento, a saber: empatia e rebelião. O The Baggios segue de pé na luta contra o momento atual em que vivemos, e com o seu novo single “Quareterna Serigy” nos insufla boas vibrações musicais para enfrentar a quarentena. 

Trocamos uma ideia com os caras para entender melhor o trampo e o momento deles em meio ao isolamento social, confira abaixo

Oganapazan – Júlio, gostaria de começar lhe perguntando como nesse momento de pandemia você redimensiona a carreira do The Baggios? Depois de tantos momentos incertos na história da banda, depois de um período onde o trabalho conseguiu visibilidade internacional, essa pausa pré Lolapalooza, funciona como na sua cabeça? 

Julio Andrade – Estamos seguindo o fluxo natural do rio, se não podemos fazer turnês buscamos outros meios de nos ocupar e continuar alimentando a alma através de arte, mais precisamente da música. Estamos acostumados com o “cai e levanta”, a nossa história foi um exercicio de nos fortalecer para não baixar a guarda facilmente. Claro que, tudo isso que estamos passando é lamentável, estamos sentindo falta de nos ver, de viajar, tocar por ai, mas o que quero dizer que como criaturas que ama o que faz sempre estaremos por ai dando um jeito de fazer as coisas acontecerem

Oganpazan – Rapaziada, a solidão me parece um traço constitutivo da carreira de um músico, de artista entendido como quem devota sua vida a produzir arte, mas não o isolamento. Nesse momento de pandemia, como vocês têm lidado com o isolamento/solidão, e o que tem feito nesse tempo para se manter bem? 

Julio Andrade – Tenho desenhado bastante, e lido mais que minha média. Mas continuo ouvindo muita música, garimpando sons através de programas de youtube, blogs, documentários também tem sido massa pra salvar esse tempo. Uma outra parada que tem me tocado muito é compor e pré produzir novas músicas, até como uma forma de aprender mais sobre produção caseira com softwares e poucos hardwares em mãos. 

Gabriel Perninha – Acho que é um momento que tá trazendo várias reflexões, em que as emoções e sentimentos se acentuaram bastante. Assim como a maioria das pessoas com quem converso, me sinto sempre entre altos e baixos emocionais. Sobre o que tenho feito, tocar sempre é uma terapia maravilhosa, então continuo estudando bateria, tenho gravado bastante e me arriscado mais no violão.. vendo filmes e séries, tentado me disciplinar na leitura, as vezes jogo uma bolinha com meu irmão no quintal, jogo um truquinho online, essas coisas… ah e um beijo pra minha terapeuta que me salva sempre das minhas nóias! 

Oganpazan – Durante o isolamento social que vocês vem respeitando adequadamente, quais são as obras que vocês tem descoberto e como elas estão funcionando para vocês?

Gabriel Perninha – What Kinda Music (2020) – Yussef Dayes e Tom Misch (resenhamos aqui). Já acompanhava uns vídeos do Yussef Dayes (mais aqui), curto muito a linguagem dele na bateria… e esse álbum com o Tom Misch foi um tiro certeiro demais, tenho ouvido bastante.  

Sonho 70 (1970) – Egberto Gismonti: gosto muito desses primeiros álbuns do Egberto, mas não sei por que demorei pra chegar no Sonho 70. Eis que a hora chegou e tenho viajado demais nele.

Umoja (2020) – Skinshape: Julico que me apresentou esse disco e tenho escutado sempre. Já conhecia a banda de nome e de ter ouvido algumas músicas soltas, mas esse último álbum foi o que mais bateu em mim. É um disco massa pra começar o dia. 

Oganpazan – Em Quareterna Serigy vocês tomaram uma posição política bem forte e ao mesmo tempo há um ethos que busca o cultivo da empatia e da solidariedade, que sabemos ser bem importante nesse momento. Comentem por favor.  

Julio Andrade – Foi uma forma de refletir por alguns caminhos que trato como necessarios, a música surgiu em meio a esse momento de tensão, de medo por esse presente e  futuro nebuloso que existe no aspecto sociopolitico brasileiro, além da pandemia que nos deixa ainda mais preocupado pelo despreparo descarado de toda a equipe do lastimável presidente, o que aumenta ainda mais os números de mortos e deixa incerto o prazo de começarmos a flexibilizar o nosso confinamento e quando sairemos dessa bad.  Ao mesmo tempo que estava falando da falta que me fazia socializar com os amigos, do afeto em carne e osso com pessoas queridas,  me via pensando nas pessoas que não tem nem com quem contar, como por exemplo os moradores de rua, que se mantém na mesma condição de antes e ainda com mais risco. Está tudo conectado, com uma mão protestamos contra esse retrocesso politico  do país, e com a outra estendemos para ajudar, através de ações independentes, pessoas que precisam de um força, seja próximo ou não da gente. 

Oganpazan – Quareterna Serigy traz um movimento muito bonito ao nosso ver, de unir artistas sob o “nome” dos Baggios. Todos os artistas de Sergipe são sempre um pouco o Baggio? 

Julio Andrade – Acredito nisso, pois via Baggio como um sonhador, ele pensava além das suas terras, queria que sua arte fosse reconhecida, que seus pensamentos e sentimentos em forma de música fosse difundido. A arte sergipana no geral tem uma dificuldade de circulação e uma exposição frequente em mídia nacional, o que é lamentável, pois temos grandes artistas e na música temos recentes discos maravilhosos como o “Baião Amargo” do Alex Sant’anna e “Árvore Estranha” de Sandyalê. 

Oganpazan – A participação do coro, traz para além do discurso uma forma que impacta quem tem o mínimo de sensibilidade. Nesse momento, onde dezenas de milhares de corpos são desprezados e rapidamente aceitos como perdas inevitáveis, qual a importância desse gesto na opinião de vocês?

Julio Andrade – Estatísticas invadiram todos os jornais, redes sociais, junto delas vieram o medo, a revolta e outros sentimentos sombrios. Houve o momento que as pessoas se tornaram apenas números, quantos números morrerão amanhã, quantos se salvarão… é louco pensar que por trás de cada morte existe uma história interrompida, muitos ainda jovens, outros já idosos que poderiam viver muito mais. Talvez usem números por ser um meio racional de maquiar o horror que é ter tanta gente sendo vítima de algo que pode nos pegar a qualquer momento, às vezes me pergunto se não é uma forma das pessoas não assumirem esse risco que o vírus nos trás e tentar diminuir o medo. Falta sensibilidade, falta assistência médica, faltam leitos, é muita falta que essa pandemia tem nos trazido. Por outro lado, muitas reflexões estão aflorando, o lado humano pode ganhar mais força no pós pandemia, assim desejo.

Oganpazan – Esse single é um real prenúncio de disco? Nos últimos anos o The Baggios tem lançado discos em nossa humilde opinião merecedores de serem aclamados pela crítica mundial. Como vocês vislumbram um lançamento agora nesse modelo de pandemia e isolamento que pode e parece que vai durar pelo menos mais um ano?

Julio Andrade – Creio que Quareterna Serigy é meio que um indicativo da transformação natural da Baggios, que sempre tá em movimento. Não sei se é um prenúncio do que vai tá no próximo disco porque é um recorte de um momento atual em que estamos vivendo, vejo um pouco como algo isolado mesmo. Mas aos poucos e de uma forma totalmente nova pra gente (cada um gravando da sua casa), estamos começando a trabalhar numas demos que poderão ser possíveis músicas para um próximo álbum. 

O processo de produção desse single como também de outras coisas que estamos lançando vez ou outra nas redes sociais (sessões a distância, criamos um programa de entrevistas no nosso instagram chamado ‘Zunido’, videoaula..), tem sido bem natural e até tem funcionado de forma terapêutica pra gente… Claro que rola também uma cobrança de nós mesmos de não ficarmos totalmente parados, mas sempre conversamos sobre como cada um está se sentindo e temos o cuidado de não forçar a barra.      

Oganpazan – Na letra vocês falam sobre empatia, o que é muito bem vindo e necessário nesse momento. Porém, diante de todos os fatos que temos presenciados, esse sonho mencionado na canção não é na verdade um pesadelo? 

Julio Andrade – Se nos colocarmos nesse presente nebuloso  para sempre vamos pirar na real, eu tento manter o que me resta de esperança e otimismo para que o próximo passo, que será de reconstrução, seja dado com consciência, e colocar em prática os aprendizados dessa doidêra toda. Quando falo em sonhar, falo em desejar um futuro que pa massa que se pareece inalcançável, utopico se colocado nesse momento atual, mas penso como eu escrevi numa canção recentemente “Morrer é não sonhar,sofremos  pra nos encontrar”, em outras palavras,  precisamos passar pelo caos para encontrar a harmonia, ou pelo menos desejá-la.

Oganpazan – A Quareterna Serigy na força da verdade de uma união que produz uma bonita e abrangente canção, fala sobre uma pós pandemia desejada por todos nós, mas os dados do real não parecem nos apontar isso. Como podemos equacionar os apelos e tentativas de agenciamento da arte e essa cruel realidade que se nos apresenta agora?  

Julio Andrade – Tenho meus raros momentos de deslumbramento, o meu lado sonhador, mas na maior parte do tempo estou lidando com o presente, e esse presente tem sido duro pra quem vive de arte exclusivamente. No meu caso, além do fato de não exercer o principal ofício que é de  fazer shows, que era o meio mais regular de ganhar uns trocados, e  acredito que tão cedo teremos de volta como era antes. Podemos ainda fazer uma apresentação no instagram vez em quando para matar a saudade de interagir com o público de alguma maneira, a verdade é que isso não o suficiente nem para nós e para o público, mas é massa poder compartilhar esses momentos. Pode ser que essa cultura de live ajude e até dure para amenizar a falta dos palcos, mas não alimentará a rede de pessoas que vivem de  eventos, roadies, técnicos de som, iluminador, produtores, vendedores ambulantes e por aí vai… Até agora não fiz uma live que me rendeu grana, fiz algumas para ajudar ações de instituição de caridade, e outras que fiz  por espontânea vontade de tocar para as pessoas que curtem minha música, mas diante o fato continuo na pilha de continuar interagindo com as pessoas seja através de lançamento de vídeos, clipes, música etc… Por enquanto o que tem mantido a esperança de conseguir um trocado são os editais que surgem hora ou outra oferecendo um valor simbólico para artistas. E assim vamos levando, como diria Sérgio Sampaio : “O que pintar, pintou”

Oganpazan – Gostaríamos de agradecer a conversa, e para finalizar e firmar esse desejo de ver essa bosta de presidente descer pelo esgoto de onde nunca deveria ter saído, gostaríamos de perguntar o seguinte: O rock ainda tem a potência de mobilizar as pessoas como outrora? Se não, como vocês veem a finalidade social e política do rock hoje?

Julio Andrade – Quando falam a palavra “Rock”  às vezes me lembro de algumas pessoas que eram super roqueirões revolucionários e hoje são um monte de coxinha azeda no canto daqueles botecos mais sebosos soltando excrementos fascistas e reacionários. O tempo muda, o ser muda, as vezes evolue, as vezes se enterra. A real é que o rock, aquele antigo que se tornou um grande  movimento, não era apenas música, era forma de pensar, agir, vestir, mas hoje em dia não é bem por ai, ele tá diluído em várias formas no dia-dia, por vários meios musicais como na música popular, no jazz, no blues, no samba, enfim, não vejo esse segmento musical como um velho cansado e conformado, mas sim como uma criatura que se multiplicou e continua aventureiro buscando se conectar com a arte contemporânea e se engajar com os novos tempos. Então pra mim ele continua sendo música e vejo na música o infinito, inacabáveis direções, temas, texturas, porém a pessoa que utilizar essa ferramenta poderosa precisará ter juízo e não ser um doente de merda que levanta a bandeira do Brasil gritando volta de ditadura,  ou com discurso racista, homofóbico, xenofóbico .

-Quareterna Serigy, The Baggios de pé na luta coletiva!

Por Danilo Cruz

Foto destacada por Felipe Diniz

 

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