O Liverpool lançou em 1969 um clássico do rock nacional, um disco que trabalhou entre a ingenuidade da Jovem Guarda e a iconoclastia do Tropicália!
Conta-se que o grupo estabeleceu um regime de operário para os ensaios, enquanto todos acordavam cedo para ir trabalhar nas fábricas e no comércio do bairro do IAPI, os rapazes se encaminhavam para os ensaios. O que deu um resultado facilmente notado na qualidade técnica dos instrumentistas e nas composições de Por Favor, Sucesso.
A estreia em disco da banda aponta para uma consciência pop ímpar e ao mesmo tempo plural em suas propostas, situado a meio termo entre o desbunde da tropicália e as ingenuidades pop da jovem guarda. Sem comprar as ideias mais radicais e vanguardistas da turma da tropicalista e desenvolvendo a influência dos Beatles e dos Rolling Stones presentes no iê iê iê, os caras fizeram um dos melhores discos do nosso rock sessentista. Ironia, temas sérios, psicodelia, romantismo, urgência, são alguns dos elementos presentes na poética das canções.
A ironia se faz presente na classificada do festival acima referido: Por Favor, Sucesso. A música alegre e de andamento rápido, brinca metaforicamente com a imagem de uma chaleira quente e o sucesso nas paradas, ao mesmo tempo em que o personagem corre atrás de alguém que ele perdeu. Na sequência temos mais uma boa dose de ironia: será que dá pra negar que a gagueira no começo de Mania, é também uma brincadeira com o sucesso My Generation do The Who?
As guitarras de Mimi Lessa e o vocal de Fughetti, junto com a bateria swingada e precisa de Edinho Espíndola, são um espetáculo na bossa-rock Cabelos Varridos. Deixando claro o quanto os rapazes dominavam com tranquilidade, linguagens diversas e o quanto eles conseguiram promover uma mistura deliciosa. Em 13º Andar aparece também a crítica de costumes e uma reflexão sobre a solidão a respeito da melancólica.
Blue Haway e Você Gosta, demonstram o vigor pop inconfundível deste disco, músicas que poderiam figurar tranquilamente nas paradas de sucesso e embalar bailinhos inocentes. As duas emulando as influências claras da invasão britânica e do r&b respectivamente, cantadas de forma doce e com letras suaves e pegajosas. A psicodelia da às caras com todo vapor em Olhai Os Lírios Do Campo e Voando, guitarras envenenadas, cheias de distorção e letras muito loucas.
Mais adiante surge outra bossinha rock, Planador, com outro show da bateria de Edinho Espíndola, mestre das mudanças rápidas de andamento e dos ritmos sincopados. A letra brinca com termos tecnológicos e com nossos sentimentos: “Em alta fidelidade eu vejo você, você nem ouviu o meu novo Lp, estéreo, eu sei que sou aéreo, planador”. Água Branca é a mais nervosa do disco, com um maravilhoso solo cheio de distorção, seguida da ultra psicodélica Impressões Digitais. Paz e Amor e Tão Longe de Mim fecham o disco em alto astral, deixando aquela sensação de paz e dever cumprido.
Uma pena essa beleza de disco ser tão pouco conhecido das novas gerações, pois é um registro exemplar de como é possível fazer pop rock sem superficialidade, uma vez que o Liverpool conseguiu passear com tranquilidade e competência entre as várias linguagens do rock da época e ao mesmo tempo da nossa música popular, sem se vincular propriamente a nenhum movimento especifico. Infelizmente a banda só gravou esse LP e depois conseguiram fazer a trilha sonora e aparecerem no filme Marcelo Zona Sul. Com o fim do Liverpool, eles fundaram a também excelente Bixo da Seda, junto com o baixista Renato Ladeira (ex A Bolha), mas isso já é papo pra outra Discoteca Básica!
Ouça o disco completo:
-Um clássico pouco conhecido do rock nacional, a gaúcha: Liverpool em Por Favor Sucesso 1969
Por Danilo Cruz