Pedro Pastoriz: uma troca de ideias enquanto seu Blues passa o chapéu solo
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O maior sonho de qualquer músico é estrar no estúdio, falar pra qualquer gato pingando apertar play nos rolos de fita e gravar um disco todo num take só, na mesma pegada do Moby Grape quando a banda brincou de esquentar os amplificadores para o que se tornaria o mítico ”Grape Jam”.
Toda a naturalidade, sentimento e improviso presentes, não só neste disco, também podem ser encontrados em outros clássicos, mas acredito que da mesma forma como a banda preferida de Robert Plant imaculou nesta gravação, poucos seres humanos conseguiram igualar o padrão.
Saindo dos clássicos obscuros e falando sobre grande público, o Neil Young é um dos grandes expoentes da música que defende todo esse primeiro contato com a energia do take inicial. O canadense gosta da pureza quando adentra o estúdio e valoriza os primeiros momentos, mas é óbvio que nem sempre dá pra chegar com os fones e gravar um ”After The Gold Rush” numa tacada só.
É bastante raro ver um cara que entrou de peito aberto na cabine para apertar play e apenas se libertar. Poucos fizeram isso e é por isso que o Pedro Pastoriz deve se orgulhar de sua façanha, pois ”1”, debutante solo do membro do Mustache e os Apaches, é um retrato puro, genuíno e sem frescuras sobre a essência da música. Nem o Neil Young gravou um bolachudo direto para o vinil num único take em alquimias de Direct Cut! É pai, esse cara não nasceu pra fazer figuração no showbizz!
Com um dos melhores discos nacionais debaixo do braço, Pedro também é responsável por um dos projetos mais interessantes que a cena nacional nos brindou para este ano. Com uma banda de um homem só, o feeling Blueseiro do músico teve que ser astuto para poder ordenar todas as performanes e soltar tudo sem erro, afinal de contas não existe corte no Direct Cut.
Em teoria isso poderia ser um problema, pois o nervosismo poderia surgir e levar linhas sem firmeza, algo que passou longe daqui. Durante todo o desenrolar das 8 faixas e seus pouco mais de 22 minutos de conteúdo, Pedro entra mais envenenado que o Woody Guthrie numa sexta de feriado para levar seus arranjos crus com uma vitalidade grandiosa.
Acredito que por ter gravado sozinho, sua música conseguiu atingir um novo status com essa gravação. É diferente abrir a porta do estúdio e ver seus companheiros de banda, se existe insegurança ela já cai pela metada da Down Jones, afinal de contas você sabe que seus comparsas jamais deixariam o groove cair em maus lençóis.
Sozinho são outros 500, é outra boca e por isso, outra negociação. Chegar de mala e cuia teve um efeito bastante benéfico dentro desses sons, as inseguranças (se é que existiram), viraram combustível e o resultado é uma gravação muito pura, cheia de sentimento e muita energia analógica, além, é claro, de sustentar a essência deste que é um grande músico, purista na medida certa e que faz questão de passar todo seu ideial trovadoresco quando sobe ao palco para poetizar.
Aqui o palco parece o Village Vanguard. A sensação que as músicas nos passam é muito concentrada e real. A concepção do disco nos brinda com a impressão de que Pedro está em puro frenesi numa performance ao vivo, enquanto a platéia é atordoado em suas mesas esfumaçadas pelos cigarros baratos e moscas de bar.
O caminhar das melodias é irregular, a viola é o puro néctar do feeling Bluesy e as letras justificam todos esses clássicos caminhos melódicos, recheando a prensagem com músicas coesas, criativas e letras de grande astúcia, como ”Lucros”, os dividendos que abrem o trabalho.
Também existe espaço para relatos do meio em que atua, como na dramática ”Figurantes do showbizz” e momentos de transição para a gaita em ”O Tambor”, um relato de peso que justifica todo esse trabalho, o improviso.
Tudo que forma esse debutante está nos mesmos padrõs ideológicos. A capa polaroid expressa isso com maestria, quem achar esse disco e observar a arte verá que seu conteúdo é a síntese deste disco veloz e apaixonante.
São temas curtos, ideias que exploram as nuances que chiam no vinil, entram cautelosamente no ambiente que o senhor estiver ouvindo o disco e tratam de enraizar seu corpo na poltrona enquanto os relatos do reverendo Pastoriz criam curtas metragem em sua mente, aliás as abordagens sutis de ”Bom Fim” e ”Aquela Casa” mereciam roteiros nos campos de algodão.
É um disco que vai pegar você meu caro e cada microdetalhe que o forma será admirado por sua pessoa. Os poucos segundos entre um take e outro são emocionantes, temas como ”Sheik” justificam os segundos grandiosos de espera e nos energizam da maneira mais correta do planeta: o Blues parece energia eólica.
Não foi um golde de ”Sorte”, esse disco foi matutado desde que o criador era criança e ouvia seus ídolos do Country-Folk-Blues depois da aula. É mais do que saudosismo, é a visão atual do estilo com métodos que caminham contra a superprodução e tentam apenas mostrar o artísta, sem mimimi nenhum, como deveria ser.
Tem de tudo, a oitava fecha, ”Chuva”, tema que marca pelo encerramento da viagem, além de ser um grande single, foi registrada em Nashville, Tennessee na mítica cabine da Third Man Records, a mesma base telefônica que foi palco de ”Letter Home”, disco de Neil Young lançado em 2014 e produzido pelo dono da base experimental, Jack White, o Sweeney Todd do Rock ‘N’ Roll.
O material foi lançado hoje (15/07/2015) nas plataformas virtuais. Você pode comprar o disco ou ouvir no Streaming do Spotify, Deezer e outros sites do gênero. No SoundCloud também é possível baixar o single “Lucros/Chuva”, takes que serão lançados em lo-fi, técnica onde o vinil é feito artesanalmente, nesse caso, na Vinyl-Lab, fazendo jus à famosa bola quadrada do Kiko, afinal de contas a prensagem deste em especial sairá num chapante bolachudo geometricamente quadrático! E ele, assim como o CD, ou o LP original da gravação, estarão a venda mais perto do lançamento físico que será executado no próximo mês.
1) A ideia do Direct Cut evidencia seu lado mais purista?
Eu gosto mesmo é de mistura e de bagunça. Esse disco/teste/experimento/direct cut foi mais sobre um fluxo de consciência, sobre uma “prosa espontânea” do que um resgate de uma pureza perdida ou algo do tipo. Me identifiquei muito com o Jack White quando li uma entrevista dele onde se falava sobre processos criativos, e ele falou que tinha necessidade de trabalhar com pouco pra conseguir produzir. Uma única cor, no máximo duas! Não interessa quantas cordas tem seu violão, se ele não te dá o que você quer, tire uma ou duas, e assim por diante. O direct cut eu vi como um processo criativo, tocar tudo em um take, tudo precisou ser arranjado, cantado para funcionar nessa coisa do momento ali, cru.
Experimentei isso pela primeira vez lá na cabine da Third man e minha cabeça fez BUM!BANG!POW!, é isso! É como se o “jogo” de fazer tudo num momento fosse algo a mais pra se pensar dentro da gravação, ajuda a tirar da cabeça coisas desimportantes, como “estou cantando bem?” “as pessoas vão gostar?” que tanto atrapalha as gravações.
2) Como foi a procura por um novo método de gravação que pudesse lhe aproximar do público? (Ou isso não foi planejado?)
De certa forma sim, eu já vinha com uma banda que estava prestes a gravar, que era o Felipe Faraco nos synths, o Tim Bernardes na bateria e o Arthur Decloedt no Contrabaixo. Era uma banda pesada, bem elétrica e a gente fez um punhado de shows cheios e quentes em São Paulo e a coisa estava indo bem. A questão é que eu preciso rodar, preciso conhecer outras cidades, estados, pessoas e estar sozinho é algo que aproxima gente nova.
Compûs por acaso um repertório pra violão/harmônica e voz enquanto viajava pelos Eua, nessa ida pra Third Man Records. Viajei sozinho, então o rolê era meio esse, tocar sozinho. Conheci muita gente que fazia esse som por lá também em New Orleans, Memphis etc. Muita gente vem de Austin, Carolina do Sul, Tennessee pra tocar na rua, são caipiras que sabem todas as músicas do Hank Williams/Woody Guthrie, coisa de louco. Isso me encorajou de “voltar pra rua” quando voltasse ao Brasil.
Pra quem não sabe, os Mustache e os Apaches começaram tocando na rua, minha escola é essa do músico na praça. Mas temos tocado cada vez mais em teatros, clubes maiores, etc. Então tive esse tesão por voltar pra rua, pros lugares pequenos, charmosos e quentes, onde o pessoal mais legal se encontra. E essa parada de tocar sozinho me deixa móvel, leve: estive nesses últimos dois meses em lugares que nunca chegaria com uma banda: lojas de disco, brechós, pubs, cafés e outros lugares que geralmente não tem música ao vivo.
Gosto especialmente desses lugares “reciclados”, brechós de livro/roupa, lojas de disco. Meu som é algo reciclado também. Enfim, falando em mobilidade, semana que vem vou pra Berlim pra tocar na rua, o verão lá tá bem quente! E os chapéus enchendo!
3) Houve um ganho de sonoridade diferente com esse conceito, você pensa em levá-lo para o Mustache também?
Acho que são coisas separadas mesmo, e com a banda estou em um processo diferente. Os Apaches tem um entrosamento de uma banda que toca toda semana já há 4 ou 5 anos, acho que a brincadeira ali é explorar texturas, arranjos, performance no palco, o público é um pouco maior e mais heterogêneo.
Tem a ver com os palcos que temos tocado no último ano e estamos com um disco pronto pra lançar em setembro com os Apaches, ele foi gravado no Estúdio Canoa, aqui em São Paulo. É um pessoal bem interessante, do selo Risco. E tá bem elétrico, te mostro em breve. hehe
4) Esse disco é calcado em ideias clássicos mas o considero bastante atual, pois nos mostra como a produção em excesso pode ser um problema. Qual sua opinião sobre isso, ainda mais em tempos onde os intrumentos eletrônicos parecem tirar a essência dos discos?
Quando tu tira uma foto numa câmera antiga, parece que de certa forma ela já “emoldura” uma imagem, enquanto com uma câmera hi-fi, com megapixels-nano-último modelo-tech, parece sem personalidade. Parece que precisa de um plug in, de um photoshop emcima pra parecer algo.
Eu gosto muito de instrumentos eletrônicos, corrigindo tua pergunta, acho que o que tira a essência ou a autenticidade é o excesso de opções que se tem dentro de um estúdio, plug ins, referências no youtube com wifi bombando. E o processo que se escolhe, geralmente por falta de verba para ensaiar uma banda (é caro juntar músicos), então geralmente se apela paro os overdubs, etc. Mas não sou purista, acho que é uma questão de empatia com processo A ou B. No momento a brincadeira está sendo conhecer novos processos C, D, E, F, X, Y.
5) Se você tivesse gravado esse disco da forma ”convencional”, que características você acha que ele não teria se comparado com o resultado que você possui em mãos agora?
Certamente o repertório seria diferente, e eu o faria com uma banda de apoio. Duas das músicas que entraram no disco, eu fiz um ou dois dias antes de gravar. É mais uma vantagem de se estar sozinho, você faz a música de manhã e se der na telha, a noite está tocando. O disco tem inclusive erros de execução que seriam limados durante a mix. Acho que haveriam menos erros, mas também menos autenticidade, sinceridade.
6) Com esse experimento e sua experiência em estúdios, o que você acha que muda em relação à atmosfera do trabalho, o que esse disco mudou dentro do seu entendimento sobre gravação?
Buscar bons momentos no estúdio e deixar em paz os caras que vão gravar. E desapegar. Acho legal buscar entender o que ESTÁ acontecendo quando se entra no estúdio também, não o que DEVERIA acontecer. Aceitar a limitação e brincar com ela, nem toda gravação precisa ter o bumbo do Led Zeppelin, as guitarras do George Harrison, um naipe de sopros no refrão, 78 canais cada um para uma participação especial no disco. Acho que tudo isso, esse mundo de referências sortidas acaba fazendo tudo parecer meio “A grande-orquestra-Kazoos -em-uníssono”. Nem toda gravação precisa tocar na rádio ou se adequar ao que já é/foi feito.
7) Pra finalizar, agradeço pela atenção e gostaria de saber se você não tem outras aspirações dentro da música, alguma ideia completamente diferente até mesmo deste disco e dos trabalhos com o Mustache.
Eu que agradeço Espir, é um prazer ser entrevistado por ti, leio teus artigos/entrevistas, gosto do jeito que tu escreve, só te entendi quando soube que tu é um famoso jornalista literário dos anos 80 que escreve por pseudônimo. hehe Enfim, ano passado eu li o “Como funciona a música” do David Byrne e me abriu bastante a cabeça pra processos criativos e maneiras diferente de encarar a música.
Música pode ser uma experiência religiosa, estética, de guerra, ou algo que se faz pra suportar um dia duro de trabalho em um campo de cana de açucar, dando ritmo ao corte. Conheci melhor dois discos específicos da Bjork e seus documentários, o Biophilia e Medulla. Acho legais por terem esse eixo conceitual, o primeiro só com sons da natureza, pra isso acontecer instrumentos foram inventados pela própria Bjork, coisa louca de se ver. O Medulla é debruçado sobre as vozes, enfim, não falo sobre esses discos especificamente, mas sobre esse tipo de processo onde o músico se coloca vulnerável, começar uma pesquisa do zero pra que isso vire um álbum é algo que me interessa cada vez mais. E conhecer gente nova, fazer as coisas girarem, é pra isso que a gente grava disco, faz show, inventa todas essas coisas, né?