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Pavões Misteriosos a Odisseia da Música Pop no Brasil

Pavões Misteriosos a Odisseia da Música Pop no Brasil

André Barcinski apresenta em seu livro Pavões Misteriosos o alvorecer da música pop brasileira   

Em Pavões Misteriosos: 1974–1983 a Explosão da Música Pop no Brasil, André Barcinski faz um importante trabalho de pesquisa sobre um período obscuro da música brasileira, carente de informação e ainda pouco estudado se comparado a outros movimentos como a Bossa Nova, o Tropicalismo entre outros que já foram melhor destrinchados ao longo do tempo.

O livro narra com detalhes a explosão da música pop no país entre as décadas de 70 e 80 e mostra como astros e estrelas, hoje em grande destaque ou segregados ao ostracismo, foram importantes para alicerçar o mercado fonográfico brasileiro que se encontrava em expansivo crescimento e começava a despontar entre a camada mais jovem da população, cansada da já engessada MPB. Os pavões misteriosos do título, portanto, são aqueles artistas que entre as décadas de 70 e 80 transformaram a cena musical brasileira influenciando diversos aspectos da nossa cultura. 

Com o chamado milagre econômico da década de 70, um novo público consumidor surgia no Brasil, possibilitando um maior acesso aos bens de consumo e tornando o acesso à compra de discos algo mais democrático. Também foi nesse cenário histórico que os televisores se popularizaram, tornando-se comuns nas casas das pessoas, mudando de vez a forma como a população iria se comportar diante de seus ídolos, uma vez que eles ganharam um rosto e deixaram de ser apenas mais uma voz nas ondas AM. Aliás estas também perderam espaço entre os mais jovens, que migraram justamente para onde ocorreu a invasão dos “pavões misteriosos”, as FMs.  

A disputa por espaço nas rádios fez também proliferar a prática do jabá, que nada mais é do que um incentivo financeiro por parte do artista, ou de sua gravadora, para os radialistas da época que dedicariam maior espaço a determinado artista em seu programa, ajudando assim a dar uma levantada na carreira de alguns ídolos. Dizem que o termo surgiu quando um famoso locutor de rádio associou a prática do suborno como uma ajuda para que ele pudesse comprar a famosa carne boi seca para seus filhos.

Barcinski escolhe o ano de 1974 como ponto de partida do seu livro por ter sido naquele ano a primeira vez que um disco de um artista estreante ultrapassava a marca de 1 milhão de copias e desbancava Roberto Carlos como maior vendedor de discos do ano. Ousando no visual e causando furor por onde passavam o Secos e Molhados, liderados por Ney Matogrosso, marcaram história pela qualidade do seu disco de estreia, assim como pela monstruosa quantidade de discos vendida. Em meio a uma grande crise da indústria petrolífera, a gravadora teve que recolher discos encalhados  nas lojas para que pudessem ser reciclados e reutilizados na produção de novos LPs da banda dos rapazes de cara pintada.

Segundo nos conta Barcisnki em Pavões Misteriosos, o amadorismo das primeiras gravadoras do Brasil possibilitou uma efervescência criativa nunca vista até então, havia uma liberdade criativa muito maior do que nos dias atuais, geralmente sem tantas pessoas controlando o processo autoral dos artistas, o que proporcionou o surgimento de uma série de novos artistas com características distintas num mercado que se mostrava cada vez mais competitivo.

Em meio a tudo isso surgiram, claro, os ídolos pré-fabricados que atendiam previamente as demandas do mercado. Com a popularização da TV surgiu a necessidade de buscar personagens que fossem capazes de chamar a atenção do público. Foi nesse filão que apareceram no cenário musical artistas como Sidney Magal e Gretchen.

O primeiro aparece na mídia encarnando a figura exótica de um cigano cabeludo que entoa ritmos cheios de sensualidade e com danças pra lá de provocativas, levando as mulheres a loucura. Mas, como o lado masculino não podia ficar sem uma representante surge para os marmanjos a Gretchen, figura controversa como Magal, que terminou preenchendo uma lacuna dentro das necessidades de mercado da época.

Ambos tiveram suas carreiras alavancadas nos palcos do Chacrinha, Silvio Santos e no Globo de Ouro, programas de TV muito populares naquele período. A lógica era muito simples: os telespectadores seriam mais facilmente fisgados com o rebolado e sensualidade de Gretchen do que com um João Gilberto sentado em um banquinho tocando violão.

Porém, não me parece que o objetivo do livro seja alçar essas figuras ao status de ídolo cult, mas tentar nos fazer entender que esses artistas atendiam a necessidade que o cenário daquela época impunha, onde o visual precisa chamar atenção para que alguns artistas se mostrassem notáveis ao público.

Odair José, que sempre foi adjetivado como brega e cafona, ganha uma análise muito mais oportuna em Pavões Misteriosos. Sem preconceitos, o autor se despe da vaidade comum aos críticos musicais e procura analisar esse personagem como parte de um processo importante para música brasileira. Se os artistas estavam alcançando camadas cada vez mais segmentadas da sociedade, figuras como Odair José permitiam que as gravadoras mirassem nas grandes massas, ao invés de tentar colher elogios da crítica especializa, condicionada a elogiar determinados tipos de arte que estivessem num quadrado comum de possibilidades.

O sucesso de Odair José era tão grande que a Rede Globo ensaiou uma tentativa de assinar um contrato no qual o cantor ficaria impedido de aparecer nos programas da concorrência. No entanto, o acordo com a emissora carioca não foi para frente, pois alguns executivos do canal achavam que isso iria ferir o tal padrão de qualidade almejado pela família Marinho e seus diretores.

Em outro capítulo de Pavões Misteriosos vemos o sucesso da música disco no Brasil que, como no resto do mundo, teve seu sucesso impulsionado pelo rebolado de Tony Manero, personagem de Jonh Travolta no filme Os Embalos de Sábado à Noite, que marcou época com seu terno branco e ocupou lugar no coração das garotas, servindo de modelo para os rapazes que tentavam repetir seus passos na pista de dança. O fato de Tony Manero (um homem branco e heterosexual)  ter virado o símbolo de um estilo musical criado por negros e que foi a primeira vertente da música pop a dar voz aos desejos de libertação de gays e mulheres, diz muito sobre como o mainstream absorveu e desvirtuou a discoteca.

Em Pavões Misteriosos Barcinski também lembra de outros artistas que movimentaram as discotecas da época, como é o caso das Frenéticas e Lady Zu. As Frenéticas começaram como garçonetes da famosa Frenetic Dancing Days do produtor Nelson Motta, que teve a ideia de vestir as funcionárias de maneira provocante e no final da noite encerrar o expediente cantando algumas canções. O sucesso foi tanto que o público pedia por mais apresentações e elas se tornaram a grande atração da casa, possibilitando a formação em definitivo do grupo depois do fechamento da discoteca.

Em mais uma vertente bem interessante, Pavões Misteriosos aborda a questão dos falsos gringos. Fenômeno curioso aonde artistas nacionais adotavam nomes e repertório estrangeiros, na tentativa de cair nas graças do público, que na maioria das vezes acreditava realmente se tratarem de artistas internacionais. Músicas cantadas em inglês se popularizaram nas rádios nacionais.

Atentos a esse modismo e querendo surfar na nova onda, muitos cantores mudaram radicalmente seu estilo com o objetivo de ganhar um pouco de destaque no cenário musical. Alguns exemplos são apontados pelo autor, como o caso de Dave D. Robinson, que na verdade se chamava José Eduardo Pontes de Paiva, também conhecido como Dudu França, que fez um relativo sucesso com participações em trilhas de novelas da Globo.

Contudo, Dudu França não foi um caso isolado, o hoje consagrado Fabio Jr. atendia pela alcunha de Mark Davis e Uncle Jack. Barcinski lembra também do cantor Jesse, que procurou seguir a mesma tendência e em 1975 regravou uma balada do argentino/britânico Chris de Burgh intitulada Flying, utilizando o nome artístico Christie Burgh. A gravadora do Burgh original, reclamou, obrigando o brasileiro a trocar de nome, assim ele passou a ser conhecido como Roger Shapiro. 

Não há dúvida de que, apesar de duramente criticado pelos especialistas na época, esse fenômeno serviu como termômetro para avaliar a crescente demanda por material estrangeiro entre os brasileiros. O autor ainda nos lembra que títulos em outras línguas costumavam passar mais facilmente pela censura vigente, que barrava qualquer coisa que os censores entendessem como uma afronta ao governo militar.

As trilhas sonoras de novelas da Globo também alcançaram grandioso êxito nesse período, alavancando as vendas da Som Livre, principalmente por conta dos discos com as faixas internacionais. O fato das trilhas internacionais venderem mais do que as nacionais se devia ao critério de escolha dessas faixas. Enquanto a trilha internacional era composta de sucessos já consagrados de artistas de grande alcance mundial como Elton John, Stevie Wonder e Michael Jackson, os discos com o repertório nacional eram geralmente compostos por músicas inéditas, o que dificultava o seu sucesso. 

Uma grande exceção a essa regra foi a trilha nacional da novela Pecado Capital, que atingiu vendas superiores a 300 mil copias, graças ao sucesso de músicas como Moça de Wando e Pecado Capital de Paulinho da Viola. 

https://www.youtube.com/watch?v=KcSTSsBiOlE

Barcinski, também relembra a descoberta do mercado infantil pelas gravadoras. Os artistas quem exploraram essa fatia do mercado se tornaram minas de ouro para a indústria e foram responsáveis por lucros estratosféricos, algo nunca visto até então. A Turma do Balão Mágico, fenômeno que vendeu mais de 10 milhões de copias entre as décadas de 70 e 80, foi um dos primeiros grupos brasileiros formados por uma larga pesquisa de mercado e uma grande campanha de marketing da gravadora que explorou com sucesso o carisma de Jairzinho e Simony.

Além disso, Pavões Misteriosos ainda mostra como essa época assistiu à ascensão de Xuxa, que surgiria na Rede Manchete e alcançaria o estrelato nas manhãs da Rede Globo, dando origem a um novo formato de programas infantis que dominaram horários importantes na programação da TV aberta no Brasil.

Mesmo não sendo precisamente uma cantora (seu talento vocal é bastante questionável) o executivos das gravadoras viram em Xuxa uma máquina de vender discos, algo que se confirmou com números expressivos de dezenas de milhares de álbuns vendidos.

O título do obra de Barcinski, Pavões Misteriosos, homenageia a música Pavão Misterioso do cantor nordestino Ednardo, que junto com outro contingente de conterrâneos foi responsável por mais uma invasão de nordestinos na música brasileira.

Nomes como Fagner, Amelinha, Zé Ramalho, entre outros, aparecem como destaque desse novo segmento. Trazendo características próprias e transpirando regionalismo, essa excelente leva de artistas despontou para o sucesso seguindo o caminho pavimentado por outras gerações de músicos nordestinos bem sucedidos no sudeste.

Não obstante, essa nova geração apresentava um trabalho muito diferente do apresentado pelos também nordestinos Gil e Caetano, artistas com trabalhos consolidados em esfera nacional. O próprio Fagner, que faria sucesso com características próprias, terminou cedendo às investidas das gravadoras, que, diferente do que acontecia no início da década de 70, intervia cada vez mais no trabalho de seus contratados. Assim, Fagner precisou ser “lapidado” para se tornar o queridinho das trilhas de novela da Globo.

Mas Pavões Misteriosos não para por ai. O livro também apresenta as raízes do rock brasileiro, mostrando Raul Seixas como o seu grande expoente. Barcinski procura enquadrar uma fase específica da carreira de Raul: o momento em que ele abandonou os contornos extremamente americanizados de sua proposta e passou a incorporar mais um certo tipo de brasilidade. Sua lendária parceria com Paulo Coelho (uma das mais importantes duplas do cenário musical desse segmento) rendeu obras de grande sucesso, que entraram no imaginário popular como Gita.

Porém, o nosso rock and roll não se limita apenas à figura de Raul Seixas e outros roqueiros também dão as caras em Pavões Misteriosos, como é o caso de Rita Lee em sua fase pós Mutantes. Foi nesse momento da carreira que ela consolidou uma das carreiras femininas de maior êxito no Brasil, sempre aparecendo nas paradas de sucesso com algumas pérolas da nossa música, que a alçaram ao título de rainha do rock brasileiro.

Outro elemento importante nesse caldeirão foram os Novos Baianos, que transformaram de forma significativa a maneira de se fazer música na época ao utilizar instrumentos típicos da cultura brasileira com forte influência do rock, trazendo letras carregadas de lirismo e entregando ritmos envolventes.

Em Pavões Misteriosos Barcinski presta homenagem a essa fase da música brasileira que entre a década de 70 e 80 produziu uma grande quantidade de discos fabulosos, abarcando uma variedade surpreendente de estilos. Nesse período foram lançados, por exemplo, discos do quilate de Racional do Tim Maia, Tábua Esmeralda do Jorge Ben, Loki do Arnaldo Batista e Acabou Chorare dos Novos Baianos, além de ótimos discos da fase solo da Rita Lee como Fruto Proibido e Baila Comigo, mostrando que nossos pavões misteriosos não estavam preocupados apenas com a beleza de suas plumas, mas também com a qualidade de suas obras; o que levou ídolos da MPB como Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso a desenvolverem trabalhos com uma pegada mais pop.

Um dos grandes méritos de Barcinski em Pavões Misteriosos foi fazer da leitura um exercício prazeroso, com um texto que, mesmo recheado com dados históricos relevantes, passa longe de ser didático, podendo sim ser usado como objeto de pesquisa, mas nunca mostrando-se preso a isso. O mais importante é compreender o fenômeno como um manifesto popular onde o artista e o povo reconfiguraram a maneira de fazer arte, dando espaço para que artistas dos mais diversos segmentos pudessem ter suas histórias contadas, evitando a visão preconceituosa tão comum nos dias atuais.

Na obra não faltam casos divertidos em que você se pegará rindo de situações que vão envolver, por exemplo, Pepeu Gomes, Tim Maia e alguns possíveis óvnis, ou mesmo quando o Raul Seixas decidiu, junto com Leiloca (uma das Frenéticas) consumir raspa da casca de guaraná para ver se dava onda. Enfim só por esses casos já vale a leitura.

O passeio dos pavões misteriosos pela guinada do pop no Brasil encerra-se com o meteórico sucesso do inglês Ritchie, que consegue estourar no cenário nacional com o sucesso Menina Veneno, repetindo assim o feito dos Secos e Molhados que deixou o rei Roberto Carlos comendo poeira. Este fato teria levado a um boicote dos seus discos, encabeçado pelo “rei” que via seu reinado ameaçado.

Em determinada passagem do livro somos surpreendidos pelo seguinte relato: “Um dia, Ritchie foi cumprimentar Tim Maia depois de um show no Canecão. O camarim estava lotado. Assim que viu Ritchie, Tim gritou: Agora todo mundo pra fora, que vou receber meu amigo Ritchie, o homem que foi derrubado da CBS pelo Roberto Carlos”. Verdade ou não, sabemos que depois de seu primeiro disco, Ritchie não conseguiria mais emplacar um grande hit, indo parar no repleto rol de cantores de um único sucesso.

No final do livro somos indagados pelo autor a refletir sobre o que teria ocorrido na virada para a década de 80, quando o cenário artístico mudou novamente, levando os pavões misteriosos a perderem parte do seu brilho perante o público.

Como se configurou essa mudança que novamente transformaria anônimos em ídolos e levou muitos artistas que estavam no topo a não terem mais um público significativo para o qual eles pudessem exibir as suas penas? Foram os artistas que mudaram ou as pessoas que passaram a buscar novos referencias de cultura? Como escreve o próprio autor: “É justo dizer que o trabalho desses artistas “piorou” nos anos 80? Será que eles acordaram, na primeira manhã da nova década, menos talentosos do que na década anterior? Ou simplesmente se viram inseridos em uma indústria musical diferente, na qual a liberdade artística dera lugar a um controle mais rígido por parte das gravadoras e onde o risco do novo havia sido substituído pela segurança das fórmulas já testadas?”.

Uma coisa é certa, apesar dos estereótipos e do olhar julgador que voltamos a esse passado recente, Pavões Misteriosos de Barcinski é um importante registro histórico sobre um efervescente período de nossa cultura, até aqui quase intocado pela grande maioria dos livros que se propõe a falar sobre música. Seja por desconsiderar a valiosa contribuição que os primeiros artistas assumidamente pop deram à musicalidade como um todo, ou simplesmente por passar despercebido aos olhos daqueles que só conseguem encontrar valor no que é considerado pela camada intelectual como cultura verdadeira.

Sorte nossa que tivemos nossos pavões misteriosos para provar o contrário, nos levando em seus sonhos mais loucos, livres, leves e soltos.

– Pavões Misteriosos a Odisseia da Música Pop no Brasil

Por Jarbas Oliveira Santos

Leia mais sobre Pavões Misteriosos aqui.

Ficha Técnica

Autor: André Barcinski
Título: Pavões Misteriosos
Subtítulo: 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil
Páginas: 238
Edição 1ª
Editora Três Estrelas
Ano: 2014

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