Com certeza o Rap Nacional não está chato, mas talvez você é quem esteja olhando para xs artistxs errados, e o Oganpazan pode provar!
Quando alguém se refere ao rap nacional nas redes sociais, em 90% dos casos está se referindo a uma imensa abstração. E isso pode ser provado pelos poucos artistas que estão no mainstream e no midstream do rap nacional, pode ser facilmente observado se pensarmos em quão poucos artistas fazem turnês nacionais. Basta verificarmos que, como recentemente disse muito bem o nosso comunista favorito do rap nacional (Don L): “No Brasil não existe uma indústria do rap, há um comercio”.
No entanto, desde de sempre o rap nacional possui uma gama muito plural de perspectivas, musicais, sonoras, estéticas que vão do mais comercial ao mais underground e experimental. Logo, a desinformação, a falta de uma curadoria que observe as produções de norte a sul e de leste a oeste no nosso país, produz essa aparência de que tudo se parece. O Brasil hoje possui uma gama de artistas no rap nacional que navegam em waves das mais diversas e atuais com imensa qualidade.
Todos os subgêneros do rap mundial possuem exemplares de muita qualidade no cenário nacional. Dos boombaps mais atuais aos traps mais experimentais, passando pelo plug, pelo grime, pelo drill e mesmo por sonoridades totalmente singulares e que não possuem similares no estrangeiro, a exemplo do Pagotrap ou do Pagodrill, criações baianas. Ao mesmo tempo, apesar do que pode parecer, as pautas políticas seguem em alta, seja nas questões de gênero, sexualidade, raça ou classe.
Porém, as redes sociais barram expressões minoritárias e de novos artistas que lançam trabalhos inovadores. A ausência de uma indústria musical voltada ao rap, enfraquece os demais braços da industria cultural que visa lucrar com um determinado estilo musical; consequentemente não temos uma mídia especializada capaz de dar conta do imenso volume de lançamentos.
Ora, o mero artíficio de ter uma industria não insejaria uma mídia, mas o fomento industrial em cima de um gênero poderia gerar um jornalismo minimamente lucrativo diante dessa perspectiva. Nos tempos em que vivemos onde o viés de confirmação quer obliterar a crítica e onde a vivência em bolhas turva a perspectiva informada do que é produzido, a geração dessa falsa impressão de que o rap está chato, está tudo igual, é fruto da ausência de uma mídia presente!
A indústria cultural brasileira, alçou o rap ao público da classe média que se compraz em “consumir” os artistas do hype. No entanto, mesmo o dito público do rap, na maioria dos casos são preguiçosos e recaem nas armadilhas algorítmicas que os prendem aos artistas que já conhecem, geralmente são conhecidos como os tiozões do rap nacional. A preguiça por pesquisar o que sido feito, para ler textos e buscar em sites que ainda se esforçam para apresentar o novo são parte da criação deste fenômeno.
Pensando nisto, selecionamos aqui 10 videoclipes de excelentes artistas do rap nacional que navegam por caminhos diferentes, para você conhecer. Pega a visão:
Bala Rosa – RJ
A MC carioca Bala Rosa vem diretamente da zona norte do Rio de Janeiro, soltando singles desde 2021. Sexto single de sua carreira, “Pique de Pista” traz um drill produzido pelo Jeffro e um clipe muito bonito dirigido por Lincoln Moura, com um trabalho de de stylling muito bonito assinado por Drip de Preta nos acessórios e Brendha Santana no figurino.
Pelas ruas do Rio, pelos arcos da Lapa local sagrada da cultura Hip-Hop carioca, Bala Rosa evoca sua ancestralidade com muita força. Com o roteiro assinado por Paulo Santuspê, há uma mistura de vivência de rua e culto ancestral, no “Pique de Pista” onde a artista desfila com as cores fortes de Oya, mostrando muita desenvoltura no beat.
Sodomita – SP
Alguns meses atrás, meu mano Carlos Alberto Pires da BlackPipe me falou da Sodomita, segundo ele “um fenômeno”, uma das figuras mais brabas que estavam rolando em SP. E como o leitor poderá atestar, ele não mentiu. Por acaso, me chegou via twitter esse clipe lançado no começo de novembro. A música “Destino Zona Leste” é uma pedrada para dizer o mínimo.
Com produção do mano Cauê Gas, sobre o qual já escrevemos aqui no Oganpazan, a faixa é alucinante tanto musical quanto líricamente. Assim como o videoclipe assinado pela dupla Thaís Regina e Victor Cazuza na direção, que conseguiram junto a direção de arte da própria Thaís, imprimir no espectador a potência de movimento que a música transmite.
A faixa eletrizante, traz a Sodomita cuspindo uma letra sobre uma noite perigosa em alta velocidade e voltagem, desafiando as normas da heteronormatividade ao mesmo tempo em que atravessa os sinais vermelhos políticos e sociais que buscam exterminar corpos divergentes, uma noite de velocidade e gozo, contra a caretice do rap nacional.
Alienação Afrofuturista & Dr. Drumah – PR & BA
A parceria entre o curitibano Alienação Afrofuturista e o baiano Dr.Drumah entrega aqui o single do disco que só será lançado no ano que vem. E se você está lendo até aqui, já deve ter percebido quantas nuances pouco conhecidas o rap nacional guarda em sua riqueza intrínseca. A junção entre um MC e também Toaster como Alienação Afrofuturista e um produtor e baterista como Dr. Drumah aka Jorge Dubman, nos entrega um mix boombap/reggae inaudito.
As pesquisas recentes do Dr. Drumah tem caminhado para essa direção em busca de juntar a origem e o filho, reggae e rap, desde o disco “Sinergia” lançado em 2022 em parceria com o MC Galf AC. Aqui nesse single, assim como no disco ele vai mais longe nessa junção. Alienação Afrofuturista por sua vez, consegue em “The Black Bwoy (Inna Babylon City)”, primeiro single do disco “Barril Dobrado” que só será lançado em 2023, encontrar o caminho do meio entre o Toaster Jamaicano e o MC do rap, com uma qualidade muito acima da média.
O clipe de Diego Max procede também por uma espécie de samples, capturando quadro fechados do MC e intercalando esses com fragmentos de imagens que dialogam com a letra. Tá lindo, vejam!
Ravi Lobo – BA
A estreia solo do MC baiano Ravi Lobo imprimiu uma força ao drill nacional que segue sendo frutífera, apesar da falta de reconhecimento em sua própria cidade por parte do estado e dos produtores locais. Com “Shakespeare do Gueto” lançado em 2022 após 10 anos com o seu grupo Nova Era, Ravi lançou diversos clipes com excelente produção, inclusive ganhando o prêmio MVF (Music Video Festival) no ano passado.
Ao imprimir em sua música uma verdade impossível de ser contida, pois fruto de sua vivência e qualidade poética, seu EP de estreia com produção do JLZ, alcançou um público que canta suas músicas em coro, todas as 8 que compõem o disco, nos shows em que estivemos presentes. Destas oito músicas, cinco ganharam videoclipes, e este último lançado “Quem Bate Esquece, Quem Apanha Lembra” é mais uma produção em nível de cinema.
Com direção e roteiro de Larissa Zaidan e Ênio Cesar, com participações de Galo de Luta e Vandal, além do DJ Kbça, o clipe tem uma qualidade tão grande que pela primeira vez teremos um baiano disputando as finais do mesmo festival MVF. É um trabalho do que de melhor foi feito no Brasil em termos de drill. Escute, assista…
Nic Dias – PA
Vivência de mina preta e periférica Nic Dias tem de sobra e além, tem talento para transformar isso em arte. Já há algum tempo chamando atenção pelo nível das produções, hoje dia 24/11 a MC de Belém do Pará, lançou seu primeiro álbum após o EP 1999 (2021) e diversos singles e clipes. Dona de um estilo próprio e agressivo, mesclando uma lírica combativa e a capacidade de produzir boas melodias, ela nos mostra em “Relikia de Icoaracity” que falar grosso não é o mais importante.
Em um beat do Brunoso que mescla o funk e o trap, ela desfila uma lírica rueira e gangsta para nos mostrar que bate de frente com os machohop (Rúbia RPW) que dentro da cultura ainda embasam com sua formação machista fruto do patriarcado. Com direção de May Coelho e Saturação que fabulam como se deve tratar essas figuras no rap, Nic Dias explana sobre o racismo e o machismo presente no cenário. Ao mesmo tempo, que ela mostra o quanto é preciso ter postura para que mulheres consigam galgar qualquer coisa minimamente relevante no rap nacional.
Killa Bi feat Janvi – SP feat RJ
As brabas do rap nacional também amam e se decepcionam, a faixa Apego trata exatamente da dificuldade de desapegar de um relacionamento e a dupla Killa Bi e Janvi à pinta com as cores adequadas e com muita qualidade. Em uma pegada R&B, os vocais das duas MC’s e cantoras produzem um duo muito bacana, na contraposição dos tons vocais que remetem a duas formas de amar e sofrer distintas e iguais. A produção de Gad, segue uma linha bem simples e cadenciada abrindo espaço para que o ouvinte se concentre no canto e na letra.
A direção artística do videoclipe assinada pela própria Gabi Killabi abre mão de uma mise en cene mais realista e foca em imagens do cotidiano, colocando o espectador na posição de quem está sofrendo, ao invés de relega-lo a condição de voyer. As imagens do beck para desanuviar, da casa vazia, das ruas, dialogam com essa afecção de buscar desapegar que a letra da música no entrega. Assistam.
Bonsai & Ciano – SP and ?
As rimas do Bonsai e o beat do CIANO são bons representantes de um movimento imparável. O Boombap undergorund independente de qualquer coisa segue se reinventando e produzindo em alta seja no soundcloud, seja nas plataformas de streamings consagradas. É talvez o movimento mais insurgente no cenário do rap nacional, onde aquilo que foi dado como morto – o boombap – segue vivão e vivendo com uma qualidade muito grande e sem depender do mercado para sobreviver.
Dito isso, o projeto Exercícios de Manutenção do Fluxo Criativo alcançou o seu terceiro volume agora em 2023. Essa colaboração entre os dois artistas começada em 2019 no Vol.1, esse ano se intensificou e nos mostra como as collabs fruto das afinidades artísticas e de vivências ainda vive, nem tudo é dinheiro. Na faixa que abre o Vol.3 do projeto e que ganhou um videoclipe, “Ofício” tem a direção do Jovemlu (CIANO) e opta por uma estética que remete a televisão, aos VHS e as suas gravações.
No Brasil, certos espíritos rendidos por uma visão neoliberal da vida, atribuem a arte feita pelo underground a uma apologia da precariedade. Esquecem eles que a invenção não depende necessariamente dos meios, mas de como manipula-los. Só digo isso, o resto vocês veem no clipe e nos streamings dos caras!
Bruno Kroz – BA
Finalizando exatamente ao mostrar como a precariedade se transforma em algo fantástico nesse clipe do meu vizinho Bruno Kroz. Cria da Padre Eloy, em 2021 tivemos a honra de resenhar o seu bombástico EP de estreia Ameaça Detectada. De lá pra cá, Bruno Kroz deixou de ser uma ameaça e se tornou a realidade do grime nacional, se colocando com muito talento como um dos 5 melhores MC’s do gênero.
Aqui, o cara equipado com um Iphone, com a direção do BROCTAH Films e muita cara de pau, meteu as linhas e o clipe dentro de um supermercado, que desconfiamos ser nas imediações da avenida Bônoco. Mas isso não importa, o que nos faz perceber o quanto o rap nacional é frutífero são iniciativas como essas, que não dormem em berço esplêndido e fazem acontecer com uma qualidade que talvez o acesso a melhores equipamentos não pudessem capturar, porque existe uma vibe própria desse tipo de produção, que não teriam a mesma autenticidade. realrocky
Em termos de linha, de flow, acredito que a música por si só já responda mais se não, deixo aqui uma boa amostra:
“Tá de falação, não é só no beat que eu vou bater, cai no pau, DJ, produtor e você!”
Uma excelente finalização para um texto que começa falando sobre o quanto o público do rap é ignorante, então receba essas porradas e tome prumo, aprenda a pesquisar e a dar audiência a quem produz com qualidade!
-O Rap Nacional está chato? Selecionamos 10 videoclipes que provam o contrário!
Por Danilo Cruz
Consultoria e Edição Jair Cortecertu