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O que será que seus Ojos Rojos podem nos revelar?

Ojos Rojos, novo single das Cigarras, explora os sinais inscritos na vermelhidão de olhos ao longo da noite que parece não ter fim. 

Arte de Gabriela Salmazo para o single Ojos Rojos das Cigarras.

Olhos vermelhos (Ojos Rojos) podem indicar muitas coisas. Caso você seja um aficionado por animes e mangas, Naruto em particular, olhos vermelhos irão te remeter ao clã Uchiha, um dos clãs mais importantes da vila de Konoha. Isso porque alguns membros do clã Uchiha detém o dojutsu chamado Sharingan (Olho Copiador Giratório). Ao invocar o sharingan o ninja Uchiha tem seus olhos avermelhados o que lhe permite copiar os jutsus feitos por adversários durante o combate.

Caso você curta fumar um e encontre um amigo ou amiga com seus olhos vermelhos cintilando em seu rosto, você vai lá pedir uma ponta pra fazer sua cabeça também. Se a pessoa passar por você de olhos vermelhos e a pessoa tiver fama de encrenqueira, você será levado a inferir que houve uma briga e um soco bem dado no olho da pessoa gerou uma hemorragia no globo ocular, explicando a vermelhidão.

Porém, os ‘olhos vermelhos’ dos quais nos falam as Cigarras em seu novo single, Ojos Rojos, são olhos boêmios. A vermelhidão é oriunda de uma noite hedonista fomentada por muita música e bons encontros. Esse é um tema recorrente na obra das Cigarras. Músicas como Fritando na Trajano, Sexy Cola, Xurumen, Alma de Nóia, Paranoia de Fumo abordam temáticas ligadas ao modo de vida boêmio. Vocês podem saber mais detalhes sobre a obra das Cigarras neste artigo.

A letra de Ojos Rojos fala de uma relação amorosa agitada, na qual uma das partes quer manter o controle da situação, e como um Big Brother, saber a respeito de cada passo dado pela outra pessoa. O pano de fundo dessa história é uma noitada alucinante na qual uma das pessoas vai na cola da outra pelos bares da cidade.

A letra se divide em 3 estrofes, cada qual cantada em um idioma. Além disso cada uma das estrofes aborda uma perspectiva de uma relação intensa, paranoica e alucinante. A primeira estrofe é formada por versos em espanhol e trata dos estímulos iniciais de uma pessoa que começa a sentir a necessidade de saber onde a pessoa amada se encontra. 

São versos que revelam o momento de elucubrações, de levantamento a respeito de onde a pessoa pode estar. Aparecem as primeiras suspeitas baseadas nos seus hábitos boêmios. Destaco o interessante  verso que coloca a garrafa como a bússola de quem está rastreando os passos do outro, revelando que trata-se de uma pessoa partícipe da boêmia. O que fica mais evidente no verso:

Te miro y me veo

En el fondo de tu ojos rojos 

Os olhos vermelhos da pessoa perseguida são o espelho onde a pessoa que persegue se vê e no qual se identifica. Aí se percebe a ligação íntima entre ambos, a revelação de um amor, um desejo profundo realizado pelos prazeres das noitadas. Um amor ao modo Sid & Nancy.

Cigarras em momento de descontração aproveitando para fazer pose praquela foto promocional. Foto por Murilo Ribeiro.

A segunda estrofe explora a fase de declaração, de exteriorização do sentimento, e da necessidade quase insuportável de querer estar com a pessoa. A coisa ganha dimensões ainda mais excessivas ao revelar a disposição da pessoa em fazer qualquer coisa para estar com a pessoa amada, disposta a enfrentar qualquer situação. Há o aviso de que não há como escapar deste desejo :

You cannot hide from me

I´m not fool, crossroads I got the blues 

Tal qual a primeira estrofe, os versos finais aqui também enfatizam a visão de si nas profundezas vermelhas dos olhos da pessoa amada.

A estrofe final, cantada em português, chega ao momento de auto revelação, no qual a pessoa se dá conta da dinâmica na qual está envolvida. Consegue enxergar suas ações, seus pensamentos e seus desejos, percebendo os excessos que aquela necessidade insana pelo outro a levou a cometer. Enxerga ali uma compulsão, além de comportamentos masoquistas.

Vê-se o entendimento a respeito do modo como a pessoa é afetada por aquele sentimento, que a leva a perseguir e cair numa armadilha na qual ela mesma é a vítima. Num dos versos, fala-se a respeito do madrugueiro das três. Este seria a última esperança, ao que tudo indica de salvar a pessoa daquela paranoia amorosa. Pra quem curte séries e filmes de terror, ou convive com praticantes do catolicismo, sabe que as 3 da manhã é a hora do diabo. Nesse horário o tinhoso alcança o auge de sua força demoníaca. 

E é aí que  os olhos vermelhos ganham uma outra conotação, que nos leva a acrescentar mais uma possibilidade de interpretação dos olhos vermelhos à nossa lista no início deste texto . Estes olhos vermelhos poderiam ser compreendidos como os olhos do diabo!

E aí fica a questão acerca da representação dos olhos vermelhos nos dois versos repetidos em todas as estrofes 

Te olho e me vejo em teus olhos vermelhos

isso porque no contexto da última estrofe, os olhos vermelhos encarados são do próprio diabo. O que ainda me leva a mais uma brisa interpretativa: os olhos vermelhos, sendo os olhos do diabo, não seria uma metáfora para essa relação amorosa alucinada? Isso porque as duas primeiras estrofes mostram um descontrole da pessoa quanto à busca da pessoa amada. Foge do controle a decisão de procurá-la, de sentir a necessidade aguda de ter a pessoa consigo.

Sigam-me na leitura dos quatro últimos versos da música: 

Te olho e me vejo em teus olhos vermelhos

Febril armadilha mais um beco sem saída

Te miro y me veo em teus olhos vermelhos

Álcool na ferida, devil in disguise

O primeiro verso, que se repete nas outras estrofes para dar o tom final do que é abordado na estrofe específica, aqui dá início ao relato. Os olhos vermelhos (ojos rojos) que refletem a imagem de quem olha não causa mais uma identificação desejada, mas a revelação de um desfecho trágico. A armadilha febril que revela o beco sem saída.

Ao final, os três idiomas nos quais a música é cantada se entrelaçam, causando um descompasso. Uma possível indicação de confusão do eu lírico ao se deparar com a revelação constada ao encarar os olhos do diabo. Levanto a hipótese da confusão por esta mistura final das línguas remeter ao mito da Torre de Babel.

Para nos colocar em contato com essa experiência alucinante, boêmia, paranoica e diabólica, as Cigarras recorrem a um ritmo cadenciado e perpassado por alternâncias de tensões. Estas vão se seguindo e desembocam num solo intempestivo de guitarra que evidencia o estado de confusão experimentado pelo eu lírico ao final da letra. Momento no qual o feitiço dos olhos vermelhos passa e o coloca diante de uma situação irreversível.

Vejo as Cigarras como uma banda intensa, que em termos de sonoridade, mantém-se numa zona de conforto, cujo efeito não é tonar a banda desinteressante, mas ao contrário, permite que expanda sua característica mais sedutora: sua verve selvagem. As Cigarras formam uma banda que não se interessa por criar novas formas, mas gerar zonas de tensão cada vez mais intensas. Estão interessadas em criar atmosferas sonoras dentro das quais o ouvinte pode se perder em sensações e experiências perceptivas disruptivas.

A isso soma-se a riqueza imagética presente nas letras que nos abrem um mundo a ser explorado, no qual o som constitui como um pano de fundo sob o qual se desdobra a experiência de ouvir a música. A letra funciona muito bem sem a música, contudo, ganha mais corpo e poder de sedução ao ser revestida por ela.

 

Ficha técnica:

*Captação de forma isolada, cada uma na sua casa.
*Musica: Maria Paraguaya/ Taís D’Alburqueque
*Letra: Maria Paraguaya/ Yan Lemos/ Renato Ximú
*Arranjos: Banda Cigarras
*Produção e edição:
Mixagem: Yan Lemos – Loki Records
Masterizado por Renato Ximú /Old Black Records
*Captação da bateria, Leonardo Magno Sampaio
*Arte de Gabriela Salmazo
Em parceria da pela selo Maxilar e distribuição Ditto Music
Foto: Mariana Schwab e Murilo Ribeiro

 

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