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O Boom Bap está morto, mas nós ainda estamos vivos – Artigo e Playlist

O Boom Bap está morto, mas nós ainda estamos vivos e necessitamos pensar e agir em nosso favor, da forma que acreditamos, para os nossos.

Para além da necrofilia

O Boom Bap morreu, alguns anos atrás não sei precisar bem a data e o ano, mas coincidentemente com a emergência do trap no Brasil, muitos decretaram a morte do Boom Bap. Fruto de um provincianismo que o acesso à informação através da internet deveria já ter extirpado nas pessoas, mas que descobrimos depois como fruto dela própria através da força dos algoritmos, esse decreto assumiu ares de verdade absoluta. A bobagem e as fakenews são os métodos da pós-verdade e da fabricação da ignorância em larga escala.

Um público adolescente preso em suas casas, sem nenhum contato com a cultura hip-hop eram e são ainda o público que engaja e impulsiona esse nível de cognição sobre o que seja a música rap completamente desvinculada da cultura hip-hop. A morte do Boom Bap vinha naquele momento junto a uma apologia da música apenas como singles, videoclipes e muito falatório nas redes sociais, geralmente em torno de debates sobre falsos problemas e ou tretinhas feitas para estar no holofote. 

A mixtape coletiva O Boom Bap Está Morto lançada em 2020, pela rapaziada do Universo 75, um coletivo de produtores e MC’s do Recôncavo baiano, abria o disco com uma faixa homônima onde à sequência do reconhecimento da morte deste gênero musical do rap, complementa-se com a frase: “mas eu ainda estou vivo”. Ora, apesar da frase estar no singular, trazia ali uma outra constatação – essa sim importante – de que muitos seguiam às margens da indústria musical, não apenas a continuar no Boom Bap, mas sobretudo expandindo através de experimentações o estilo morto. 

Pelo próprio contexto atual do Trap nacional onde o mesmo caminha para se tornar uma espécie de sertanejo universitário, tendo assumido a posição de música mais ouvida nos streamings, o Boombap não precisa de retorno, pois sob a perspectiva da indústria cultural e de seus adoradores, seguirá morto. O que neste sentido e no atual momento que vivemos em termos de produção é uma boa notícia, pois a indústria cultural não pode vender o que está estragado pela “decomposição do tempo”, para o bem ou para o mal. Nos parece atualmente, uma ingenuidade pensar que com a hegemonia do trap e do funk, teríamos como efeito um engrandecimento da cultura hip-hop como um todo, não, isso não irá ocorrer. 

O que já podemos observar, são artistas produzindo nessas intersessões, misturas de trap com funk, drill, boom bap numa busca por se inserir nesse mercado sem perder suas características. E ainda outros artistas a abrirem com força orgânica, caminho dentro do mercado seja em nichos específicos ou com misturas que conseguem alguma capilaridade que lhes coloca no midstream.  Porém, em termos coletivos, o que é mais próprio da indústria musical é a substituição e a exploração a exaustão de gêneros que são cozinhados para o consumo rápido e para a consequente alienação de quem se alimenta disso. O que nos deixa com a certeza de que sim, alguns artistas e produtores conseguiram sobreviver relativamente bem nessa selva, no game, porém em termos coletivos não isso não vai ocorrer, pela própria essência da indústria cultural e consequentemente do seu pai, o Capitalismo. 

Nunca houve um exemplo histórico onde uma forma recortada de um estilo musical ganhasse amplitude dentro da indústria cultural. Houve o rock’n roll que através da já conhecida noção de apropriação cultural gerou diversos sub gêneros mas mesmo aí, a divisão de mercado nunca obedeceu normas horizontais, por motivos óbvios. Dentro da música preta no Brasil, o sucesso do sertanejo caminhou para a gourmetização e para o apagamento total de pretos dentro dessa cultura. No samba, sabemos, a Bossa Nova foi o símbolo máximo de mercado, e nem mesmo a emergência do pagode romântico nos anos 90 durou muito tempo. Assim caminha a indústria cultural, porque no rap seria diferente?

A meritocracia não atinge xs grandes criadores!

Por outro lado, nunca houve na história do rap nacional um cenário tão rico de diversidade musical como atualmente. E é esse o nó que os próximos anos deverão enfrentar em termos culturais e de mercado. Artistas como Vandal, Brisa Flow, Victor Xamã, Don L, Zudizilla e nILL representam ilhas estéticas dentro do atual cenário do rap nacional, incluindo o boom bap. Ilhas estéticas pois, não se vinculam a nenhum dos continentes de criação e por serem muito singulares em suas obras, até aqui com discografias que fariam corar qualquer curador desses festivais se confrontados por questões qualitativas mas que selecionam apenas produtores de números. 

De norte a sul do país, possuímos “novos e velhos” artistas que seguem caminhos inventivos, que se renovam e ao mesmo tempo são as bases da cultura, mas que não são e pelo visto não serão convidados para “essas festas pobres”. Nomes como OQuadro, Matéria Prima, Rodrigo Ogi, Kamau, Marcão Baixada, Lurdez da Luz, curiosamente são tidos como “velhos” demais para os festivais de rap, ou quem sabe pouco relevantes. Note-se que aqui estou falando de MC’s que possuem uma obra discográfica muito influente e de qualidade amplamente reconhecida pela crítica. Pois, se formos falar de artistas importantes para a cultura Hip-Hop que seguem desvalorizados, precisaríamos de uma enciclopédia. 

Novos nomes como Kurt Sutil, nabru, Underismo, Cristal, Monna Brutal, Trevo, Teagacê, Rodrigo Zin, Rap Plus Size, Warlock, que passeiam com desenvoltura por diversos estilos do rap e que também já possuem boas discografias, também não são incluídos. Note-se que estou aqui proporcionando um recorte muito específico de artistas que não se enquadram necessariamente em um determinado estilo. São nomes que produzem plug, trap, boombap, drill, house, experimental, eletrônico, enfim são MC ‘s mulheres e homens que de fato são mestres de cerimônia, que são artistas realmente criadores dentro do cenário nacional do rap.

Óbvio que dos nomes citados nos parágrafos acima possuímos níveis de produção e formas de sobrevivência distintos, alguns que já vivem da sua própria arte e outros e outras que ainda ralam para alcançar esse patamar mínimo de dignidade. Mas, é necessário entender esse rolê de modo integral, pois as prateleiras e as visibilidades, genêros e as pautas incorporadas por cada um, podem confundir alguns em um cenário onde a história e a construção estética dos artistas nunca são lembrados, onde novos nomes explodem como gênios do nada do nadão. Com a força do investimento, com a compra de seguidores e de views, com a busca por tretas fakes para estarem sempre brilhando no céu virtual dos algoritmos.

Sim, e o que o boombap tem haver com tudo isso?

A morte do boombap coincide com a morte da criatividade no cenário do rap nacional que tem alcançado o mainstream. É possível perceber um mais do mesmo em nomes que alcançam milhões e que estão presentes nos diversos festivais, sejam de rap ou de música alternativa. E certamente isso não tem haver com a força do Trap como expressão e sub-gênero musical, o fato é que a ascensão de um tipo de música em detrimento de toda uma cultura proporciona um modo de fazer que se tornou repetido à exaustão. Sem contar para o fato de que os versos entoados se tornam uma triste ladainha, com flows que parecem produzidos pela mesma pessoa, assim como as batidas.

Mas ainda assim, vivemos o período mais criativo, de trabalhos extremamente instigantes ao longo de todo o cenário e mesmo dentro do trap atual, vide nomes como Yung Buda e o recém chegado Ryu The Runner, pra ficar apenas em dois exemplos. O drill e o grime nacional trazem também nomes muito interessantes, como Bruno Kroz, Anti Constantino, KBrum, SD9, LEALL, etc. O problema é que entre a qualidade e inventividade, a singularidade de artistas diversos, uma e apenas uma régua se tornou hegemônica.

A morte do boombap é também a morte da história do rap nacional, aliás essa uma obra plenamente inacabada e atualmente cada vez mais difícil de ser ressuscitada. A imediatez propiciada pela novas tecnologias de produção musical, a facilidade em se lançar, tem soterrado nomes que estão fora dos streamings, ou apagados lá mesmo. Novos MC’s surgem copiando os nomes que estão em evidência e não como conhecedores da tradição que buscam renovar as bases daquilo onde se inserem, que é o único modo de se trazer algo realmente novo.

Se faz fundamental perceber, que a morte do boombap também coincide com a morte da mídia especializada em rap, basicamente não existem mais sites de crítica musical do rap que abordem a diversidade da cena, salvo raras exceções. Em um cenário onde o que importa são os views porque escrever sobre artistas que não possuem nem 300 ouvintes mensais no spotify? Entre perder meia hora do tempo de descanso – a mídia independente do rap é feita por trabalhadores CLT e estudantes – para fazer um carrossel de cards sobre um lançamento de artistas que não tem milhões de seguidores e fazer um recorte polêmico de um grande nome da indústria falando alguma bobagem em algum podcast, o que traz mais retorno? 

Como dar conta da imensa quantidade de bons trabalhos lançados, e se propor a escrever ou meramente noticiar sem copiar release, se não possuímos braços suficientes para tal? Os nomes que fazem algum dinheiro com sua música e que têm ou tiveram apoio da mídia independente já fizeram um pix para o Bocada Forte, para o Oganpazan? Mas não precisaria ser uma doação não, apesar de serem bem vindas, qual MC’s rico propôs uma parceria com um site ou com um canal de youtube que trabalha para a cultura? Quem ainda lembra que o Noticiário Periférico parou de escrever? A morte do boombap é um evento em cascata em prol da morte da cultura hip-hop, do esvaziamento das pautas. É a busca desenfreada por marcas de grife, de uma busca por se identificar com Bancos, pela exigência do Estado mínimo para não ter que pagar imposto. 

 

Não que artistas não possam falar besteira, não que artistas não possam escolher serem conservadores na economia e liberais nos costumes, as contradições estão por toda parte da própria existência humana: “Eu sou comunista e curto carros, eu quero vencer mais faço amizade com fracassados.” Mas, seria de melhor tom se nossas contradições fossem melhor elaboradas como as do verso acima. O que se tem visto são MC’s propagadores de proposições estúpidas e do gosto da extrema direita desde Maomé e Shawlin, pioneiros nessa area, até os mais novos completamente perdidos dentro do game entre o que é fazer dinheiro e quais pautas e ideias defenderem. 

Esquizofrenicamente, a morte do boom bap ocorre depois que grandes nomes como Emicida, Rashid, Projota, e depois Baco Exu do Blues, BK e Djonga, alcançaram um patamar gigantesco dentro do cenário. Ora, basta pegarmos essa amostragem para ver o quanto esses artistas são diversos entre si, porém há algo mais aí. Pois, o fato é que a morte do Boom bap na verdade é o processo através do qual o rap nacional foi e segue sendo absorvido pela indústria cultural e certamente não como nos EUA, onde uma boa parte dos meios de produção estão em mãos pretas. Enquanto aqui em nosso país os meios de produção estão nas mãos da branquitude. 

Em contrapartida e dentro desta lógica comparativa entre os EUA e o nosso país, os MC’s que estão milionários não apoiam a cultura, dada raras exceções não ajudam as Batalhas de onde muitos saíram ou participaram, não apoiam as mídias e muito menos abrem espaço para novos artistas pela qualidade musical, agindo como meros agenciadores/empresários de nomes que já possuem alguma capilaridade entre o público adolescente e fazendo o tipo de música que terá retorno garantido. Nesse ponto eles se mostram muito talentosos e plenamente capturados pela indústria cultural do nosso país.

Os próximos anos dirão se essa avaliação é falsa ou não, porém fora desse circuito acima descrito, possuímos um amplo cenário de criação muito instigante. Falando especificamente do Boom Bap, o ano de 2023 assim como o anterior, nos trouxe trabalhos muito bonitos e que vem bebendo da fonte do que alguns têm chamado de pós-rap ou mesmo de Nova Golden Era. Velhos nomes do boom bap mais gangsta continuam produzindo e possuem seu público conquistado por décadas de carreira. Como falamos acima, novos artistas tem experimentado outras vertentes como o house, os afrobeats, por exemplo. 

O que nos parece fundamental é a criação de um mercado que abra espaço para o underground, como no país que muitos amam acontece. Nos EUA não existe até onde podemos ver, essas separações estúpidas de o que é rap e o que trap, e os subgêneros da cultura musical no hip-hop dividem palco em festivais. A turma do Griselda tem alcançado um patamar mundial no mesmo nível dos seus conterrâneos do trap, porém o nosso provincianismo, a ignorância fabricada pela internet em um público adolescente que se alimenta de bobagens adolescentes de MC’s adultos que se portam como adolescentes, não abre espaço para a diversidade de produções em termos de mercado. 

Aja vista, que a branquitude que coloca Gabriel Monteiro em cima do palco de um festival de rap, clama subrepticiamente, por uma neoliberalização cada vez maior dos artistas que estão enriquecendo e que possuem números milionários. O fato de termos hoje um público de direita no rap é algo que de certo modo é uma continuidade histórica, pois nos anos 90 enquanto lutar contra o sistema era a palavra de ordem, o machismo e a homofobia eram o substrato de muitos dos nossos grandes artistas. Hoje, o lance é fazer dinheiro querendo ou não, isso propicia os coachs de lírica e flow, propicia os personagens de instagram e twitter, assim como propicia o empobrecimento da música que alcança o mainstream. 

A morte do boombap é a morte não apenas de uma forma de fazer música dentro do rap, uma forma onde o espaço sonoro pede construções líricas e de flow mais amplas e portadoras de trabalhos poéticos que empolgam e levam o ouvinte à reflexão. De uma construção musical que é fruto de pesquisa de samples, de recortes de looping, de scratchs que nos lembram que tecnologia e ancestralidade andam juntas numa cultura preta. Logo, de uma forma de fazer que se baseia na tradição e no respeito aos nossos mais velhos e mais velhas. 

A emergência do Trap em nosso país tem visado apagar, desvalorizar e desmerecer a nossa tradição, os nossos pilares, e é só lembrar dos meninos da Recayd e do mano da Hungria desfazendo do Gog e dos Mc’s pobres para notar que esse é um dos seus traços valorativos do Trap aqui em nosso país. Enquanto o Snoop Dog pode nos EUA fazer piada com o flow do Trap, aqui os meninos que apareceram – com talento diga-se de passagem – querem se achar superiores por que usam lacoste, ou tem uma mansão e carros caros. Perceba-se que aqui a crítica não diz respeito a bobagem de rap de mensagem, mas às relações coletivas dentro da cultura hip-hop e com a indústria cultural.  

Como disse o poeta Gog: 

“Nós vivemos de maneiras diferentes, mas tem que observar que dentro de uma cultura comum, se é uma cultura ela é coletiva mesmo cada um levando da sua maneira, mesmo cada um fazendo do seu jeito mas temos coisas em comum e que tem que ser preservadas”

Neste sentido, fizemos uma playlist para divulgar o rap underground feito aqui em nosso país, não temos nada contra o Trap, mas é preciso refletir um pouco sobre o mercado e sobre esse imenso sucesso nos streamings, sobre a forma como a internet e a indústria cultural e seus atores, tem se relacionado com a história. Então por enquanto é isso, se chegou até aqui, é só dar o play!

-O Boombap está morto, mas nós ainda estamos vivos – Artigo e Playlist!

Por Danilo Cruz

 

 

 

 

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