Queen & Slim, trilha sonora em uma fuga para o amor. Reunindo grandes nomes do Rap, R&B e da música contemporânea negra, confira!
O filme Queen & Slim (EUA, 2019) é um manifesto de amor. Eu preciso iniciar o texto com essa afirmativa para romper com o enclausuramento da película na questão do racismo e do genocídio negro. As duas temáticas são instrumentos para alicerçar a questão do amor negro. Durante a resenha irei explicar o motivo pelo qual entendo o filme como um manifesto de amor.
A diretora, Melina Matsoukas, teve a responsabilidade de assumir a direção do longa metragem, assim também estreando seu trabalho nas telonas. A cineasta iniciou sua carreira dirigindo videoclipes musicais, entre eles o Formation(EUA, 2016) de Beyoncé. O roteiro é assinado por Lena Waithe. O elenco do filme é composto por Jodi Turner-Smith, Daniel Kaluuya, Bokeem Woodbine, Flea e Chloe Sevigny.
O ator Daniel Kaluuya aclamado por sua atuação em “Corra!” (Get Out, EUA, 2017) interpreta o personagem Ernest Hines (Slim) e a atriz Jodie Turner-Smith interpreta a personagem Angela Jhonson (Queen).
A história de Queen e Slim inicia-se durante um encontro numa lanchonete em Cleveland (Ohio). O casal se conhece por um aplicativo de relacionamento, o Tinder. No retorno para casa, enquanto dirigem numa rua deserta, eles são interceptados por uma viatura policial. Depois de uma abordagem violenta e abusiva de um policial branco, Slim acaba matando o policial branco depois dele atirar e acertar de raspão a perna de Queen. O que seria uma abordagem de rotina acaba numa ação de legítima defesa de Slim que resulta num processo de fuga de seis dias até a Flórida onde um avião irá transportá-los para Cuba.
Com esse enredo, Matsoukas e Waithe nos introduzem num gênero cinematográfico conhecido como road movie (filme de estrada). O discurso desenvolvido por esse gênero ocorre com alteração de perspectiva de vida dos personagens. Existem alguns filmes que exemplificam essa proposta como “Thelma & Louise” (Ridley Scott, 1991); “Diários de motocicleta” (Walter Salles, 2004); “Encurralado” (Steven Spielberg, 1971); “A morte pede carona” (Robert Harmon, 1986).
A narrativa do filme constrói os impactos que o racismo sistêmico configura na vida de Queen e Slim, mas principalmente nas estruturas psicológicas dos personagens. Para exemplificar, a estruturação do racismo na psique, basta observar o comportamento de Queen. Posteriormente, notamos como o racismo encarnado na brutalidade policial (em 2017, a organização Mapping Police Violence, revelou que 26% das mortes ocasionadas por policiais foram de negros, sendo que a população negra representa apenas 13% da população estadunidense), reconfigura a vida de outros negros, sendo esses negros civis ou policiais.
O filme poderia ser simplificado apenas em mais uma narrativa cinematográfica sobre racismo e genocídio negro desencadeado por violência político-racial da polícia. Porém, a roteirista e a diretora querem nos apresentar um manifesto de amor. O manifesto é escrito na jornada do casal que descobrem o amor numa situação crítica de sobrevivência. O amor negro é a linha que conecta emocionalmente ambos os personagens que fazem dos estranhos de um aplicativo de relacionamento viverem experiências sinceras e libertadoras de confiança, respeito, cumplicidade e aceitação.
O amor surge como mecanismo discursivo de libertação tanto de Queen, quanto de Slim, e com isso, encoraja a comunidade a romper com a opressão de violência sobre seus corpos. A ética do amor construída na jornada de fuga, modifica a visão individual e coletiva dos personagens, assim incendiando uma chama de mudança estrutural que formule uma justiça racial.
A trilha sonora do filme é sensacional. Na verdade ela é um recurso e ao mesmo tempo um personagem oculto que trança a construção de elo entre Ernest e Angela. Diversos artistas negros preenchem a história com suas canções, podemos destacar a canção “Guarding The Gates” de Lauryn Hill. O seguinte trecho da canção “all the life you live/watch them try to hate/all the love you give/all the love you give/everybody, everybody wants to know/where you going to/’cause they wanna come/or so they think, until they find the cost of it/’till they found out, found out what you lost for it/and i’ll do it all again/’cause i found love/’cause i found love/don’t you wish you had real love?” (toda a vida que você vive/veja-os tentando odiar/todo o amor que você dá/todo o amor que você dá/todo mundo, todo mundo quer saber/para onde você vai/porque eles querem vir/ou assim eles pensam, até encontrar o custo disso/até que eles descobriram, descobriram o que você perdeu por isso/e eu vou fazer tudo de novo/porque eu encontrei amor/porque eu encontrei amor/você não gostaria de ter um amor verdadeiro?), imprime essa formulação da ética do amor.
Faixas de “Catch The Sun”, de Lil Baby; “Ride Or Die”, de Megan Thee Stallion e VickeeLo; “YouLove”, de Vince Staple, 6LACK e Mereba; “Collide” de Tiana Major9 e EarthGang, outros artistas criam uma trilha sonora evolutiva que traça uma linha histórica da música negra que vai do blues ao soul, e depois do rap ao R&B, dinamizando o ritmo do filme e tecendo o manifesto de amor.
“Queen & Slim” é um manifesto de amor que enaltece o poder do amor negro na elaboração de uma ética do cuidado que promove a cura de nossas cicatrizes individuais, mas que também reflete na construção coletiva por uma política de libertação e justiça racial. Mas para isso acontecer, precisamos romper o niilismo negro que atravessa nossa comunidade, possibilitando que haja uma chance para beijar todas as cicatrizes.
De maneira perfeita, Matsoukas e Waithe, capta essa fotografia político-racial dos EUA de Donald Trump, e nos permite viver um sentimento de fé durante uma situação dramática que expressa que o estado emocional de seus protagonistas, dentro de uma estética fotográfica escura e acinzentada que conduz uma atmosfera narrativa de amor tão potente, envolvente e emotiva. O filme Queen & Slim (EUA, 2019) é um manifesto de amor, eu encerro com essa afirmativa.
Asante Sana!
-Queen & Slim, trilha sonora em uma fuga para o amor!
Por Alan Felix
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