Nego Max e Djonga rimam sob uma base pesada, fortemente inspirada nos anos 90, em Heavy Mental, novo Videoclipe-single nascido dessa parceria.
Quem adentrou no universo hip hop durante os anos 90 se deparou com uma geração de rapers mais agressiva, movida pelo pessimismo quanto à possibilidade de mudanças que retirassem a comunidade negra da condição humilhante imposta pelo racismo cultural, moral e institucional.
Nos guethos das grandes cidades a polícia continuava matando jovens negros, violentando-os cotidianamente, usando das desculpas mais banais para abordagens humilhantes e uso de violência. Isso ficou evidenciado no vídeo em que policiais do Departamento de Polícia de Los Angeles são flagrados espancando o motorista negro Rodney King em 1991.
Essa geração de rapers foi marcada pelos Distúrbios Raciais de Los Ageles causados pela absolvição, em 1992, dos policiais que espancaram Rodney King. Junte-se a isso o surgimento do Gangsta na virada dos 80 para os 90 e temos o fogo e a pólvora para fazer explodir o mundo numa atmosfera sombria e agressiva das crew de rappers que marcou a década de 90.
Nada de denunciar a violência contra os negros, nem só falar da necessidade do seu empoderamento, essa etapa fora cumprida pela geração da segunda metade dos 80, cujo principal nome é o Public Enemy, agora era estimular a ação, descrever o que os oprimidos desejavam fazer com seus opressores se tivessem a oportunidade. A paciência chegara ao fim, os Distúrbios de 92 haviam apontado o caminho, o rap seguiu por ele.
Rimas agressivas e sombrias exigiam bases e samples que criassem o clima apropriado para alcançar o impacto necessário às temáticas abordadas pelas músicas. Nuvens densas fizeram explodir tempestades sonoras devastadoras, propagando toda obscuridade que pairava sobre a comunidade negra nos EUA, influenciando os rapers brasileiros, impulsionando os grupos nacionais, os quais podemos elencar como fortes exemplos os Racionais, Câmbio Negro e Facção Central.
Nego Max e Djonga unem-se em Heavy Mental, música inspirada por essa estética característica do rap dos anos 90, para dar ideia sob qual é a pegada das rimas e beats da rapa com quem tão fechados. “Cada verso é um explosivo”, “É só rima à queima roupa e eu miro no meio do pote” são versos construídos por Nego Max ao longo de sua entrada que dá início ao single, que disposta no seu flow maleável e incisivo, ganha densidade, fazendo a galera se dobrar sobre o peso que segue botando por cada rima proferida. A pressão sobe, causa estrondo sob a batida convulsiva que faz dos seus versos investidas mortais.
Nego Max defende a necessidade de agir para fazer acontecer aquilo que se apresenta no sonho. “Sonhar é lindo/ Mas é impossível realizá-lo dormindo” rima o raper. Na sequencia convoca à ação “Invoco o astral e o ancestral/ Pelos Preto, pela Preta/ Pelo Rap Nacional” terminando num verso da música “Take the Power Back” (Pegue o poder de volta) da Rage Against The Machine. O verso diz “‘We got take the power back, now!'” (Nós temos que pegar o poder de volta agora!).
Djonga despeja ainda mais agressividade e peso sob a música. Ao longo de sua participação rasga a pele expondo as entranhas de uma revolta motivada pelo esgotamento de quem já se cansou de lutar sob regras que mantem o explorado sempre em desvantagem. O sucesso traz a falsa impressão de ter sido aceito entre os que comandam, atentando, seduzindo para se abrir mão da luta em prol de satisfazer desejos pessoais motivados pela vaidade. É preciso não se descuidar, não baixar a guarda.
“Muitos MC’s pra ficar rico/ Poucos trocam pra morrer tentando/ É o diabo me atentando/ E eu pensando porque eu não explodo/ Essa porra toda. O Djonga é foda/ E eu quero que tudo se foda/ E eu quero que tudo se foda!”
Djonga unta seus versos com gasolina, postos em chamas pelo seu flow agressivo e incisivo, tornando-se ainda mais fatais no timbre selvagem de sua voz. Lírica forte, sempre construindo jogos fonéticos que deem fluidez ao seu flow, usando recursos de linguagem com criatividade dando efeito ao mesmo tempo crítico e estético.
Heavy Mental foi lançado em formato de videoclipe cuja fotografia escolhida simula os vídeos VHS, maca registrada dos anos 90, resultando em imagens “sujas” com interferências características daquele tipo de mídia. Faixas de diferentes espessuras sobem e dessem enquanto o vídeo é reproduzido. Na parte superior esquerda PLAY, na inferior da esquerda pra direita o horário e data da gravação, registram o momento em que o vídeo foi feito. Muitos de vocês certamente lembraram daquelas fitas VHS repletas de clipes gravados da MTV, recursos que todo adolescente daquela época lançava mão, quando o youtoube ainda era uma ideia a ser formulada.
Outra referência clara à década de 90 no vídeo é a reunião da rapa, que ao fundo acompanha os movimentos dos MC´S, lembrando a presença dos membros das crew bem características dos videoclipes daquele período. A quebrada como cenário torna o vídeo mais forte e realça a ligação do rap com seu berço, mostrando que são inseparáveis, que o rap pode sair de lá e adentrar novos territórios, porém sem esquecer sua origem.
Nego Max e Djonga usam referências estéticas de uma década gloriosa para o hip hop evitando a armadilha de realizar um simples revival. Conseguem re-significar a produção sonora criada pelos rappers dos 90, gerando novas possibilidades para o rap dessa segunda década do século XXI. Lançamento surpreendente, que sem dúvidas irá repercutir nos quatro cantos do cenário musical brasileiro.
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