A História e a Geografia na Música de Toninho Horta – Entrevista

Batemos um papo com o grande Toninho Horta sobre sua trajetória e sobre a singularidade do som das Minas Gerais, confira:

A música vive um momento extremamente peculiar. Com a suspensão dos shows em função da necessidade do isolamento social, o mundo assistiu uma pausa brusca no universo do entretenimento, enquanto caminha – lentamente – rumo a tão sonhada reabertura da economia.

Mas como o show não pode parar, grandes festivais do calendário nacional, como o BB Seguros, Festival de Jazz e Blues, tiveram que atualizar o software de transmissão e trocar o show presencial pela transmissão online. É diferente, eu sei, mas é o que pode ser feito no momento e mesmo à distância, certos músicos tem o poder de estar perto, mesmo quando à léguas submarinas de distância.

Um dos maiores exemplos disso é Toninho Horta, guitar hero brasileiro que estava encabeçando o line up da edição 2020, sempre ao lado de outros mestres, tão renomados quanto o próprio, como o guitarrista americano Al Di Meola, por exemplo.

O show de Toninho foi muito bonito. O guitarrista mostrou ao público, não só o quanto sua lírica segue atual, mas também nos dá uma aula de história enquanto conta a história da música brasileira. Tocando e criando com uma vitalidade e um vigor notável, Toninho também mostra como é importante se manter ativo e produtivo, mesmo nesse momento de lenta retomada.

Melhor do que seu set cirúrgico, apenas a conversa que tivemos com o próprio, alguns dias antes da gig do maestro.  Mais do que falar sobre o futuro ou o passado, Toninho fala sobre a vida e mostra como a paixão pela arte talvez seja o motivo que justifique uma produção tão prolífica ao longo de 50 anos de carreira. É sobre estar aqui agora, no presente e é esse bate papo que vocês conferem na íntegra, aqui no Oganpazan.

Oganpazan – Toninho, você é um músico referência em diversos pilares da gramática musical, principalmente quando o assunto é harmonia. Como você pensa nela quando promove uma música tão brasileira, ao mesmo tempo que emprega linguagens como o Jazz, por exemplo?

Toninho Horta – Eu acho que na verdade eu já venho acompanhando o jazz desde menino. Eu nasci ouvindo o clássico, as músicas mineiras, modinhas, enfim. Logo quando eu tinha 5 anos, meu irmão tinha 20, era musico profissional. Nessa época, lá em casa eu ouvia artistas como Count basie, Frank Sinatra, Duke Ellington.

Basicamente, foi assim que eu fiquei familiarizado com harmonia, principalmente quando você pensa nessa questão da liberdade, né?! Isso é muito presente no Jazz, então foi um caminho natural pra mim, em termos de criar melodias ou conversões harmônicas, por exemplo.

Foi tudo muito natural e eu sempre fui muito caseiro, então a gente tem aquele cuidado com essa parte do estudo e da abordagem. Eu era mais metódico, gostava das cores das músicas, dos arranjos, variedade de timbres, harmonias e etc, tanto que eu me desenvolvi nessa parte.

Eu não fui pra escala ou violão clássico. Na verdade até tentei, mas o professor disse que seria difícil corrigir o jeito que eu já estava tocando, então segui assim. Claro que quando eu penso nos caras do Jazz, Bossa Nova, enfim, conviver com eles foi importante, mas tudo isso foi um processo.

Oganpazan – Interessante ouvir você falando isso, Toninho, sempre pensei muito em como seria sua visão sobre a harmonia, principalmente com base nos arranjos que sempre trazem tantas referências visuais.

Toninho Horta – Legal isso que você falou sobre a questão visual. Isso tem relação com o cinema. A coisa da música é uma dádiva, não é verdade? É uma experiência transcendental, espiritual mesmo e a harmonia tem relação com esse amor que a gente sente.

Tá tudo interligado, a natureza, as pessoas… As pessoas gostam muito da harmonia, o Hermeto, Tom Jobim, enfim, os grandes compositores utilizam muito desse recurso. O lance da mensagem, enfim, tá tudo ali.
Minha mãe sempre falava que eu era o rei da harmonia e eu sempre retrucava, dizendo que ela é que era a rainha.

A música tem muito disso, essa amplitude… São 50 anos de carreira, né?! Cada vez mais a gente vai além da música, seja pela cor ou pela proposta. Fico feliz de ouvir isso.

Oganpazan – O Hélio Delmiro falou numa entrevista um lance que eu acho muito interessante. Ele diz que ouvia poucos guitarristas, gostava de ouvir muito piano. Como você vê essa importância de pensar com a cabeça de quem toca outros instrumentos?

Toninho Horta – A vida toda eu ouvi guitarristas. Além disso, ouvi muitos violonistas também, principalmente o Chiquito Braga, que eu conheci com 15 anos, quando ele tocava com meu irmão. Era um barato por que eles iam em casa e ficavam tocando a noite toda e de alguma maneira eu pude vivenciar isso um pouco.

Conforme eu fui crescendo, também comecei a ouvir outros caras, como o Baden, Paulinho Nogueira, a galera do Bebop, Wes Montgomery… Era isso que eu ouvia com 20 uns anos, mas eu gostava de consumir coisas diferentes, como música árabe, por exemplo.

Ouvia muita coisa dos musicais da Broadway também. Isso com certeza acabou sendo uma grande influência, então tudo isso acabou moldando meu estilo, uma vez que eu firmei a minha abordagem.

Oganpazan – Acho legal você exaltar esse caminho até acha “o som do Toninho Horta”, ainda mais num momento onde basta comprar um pedal pra chegar no timbre de alguém...

Toninho Horta – Hoje em dia o pessoal está se esquecendo da importância de assimilar. Você não precisa imitar o cara, o legal da música é justamente isso, a possibilidade que você tem de estudar diferentes abordagens e conhecer ideias novas, entender o que determinado guitarrista fez, entender como ele pensou.

Eu vejo uma geração de músicos muito bons, mas é preciso tempo pra descobrir o seu próprio som. Nesse processo é importante sair da esfera do estudo também, ser meio autodidata, sabe?!

Muitos guitarristas deviam pesquisar sozinhos, justamente pra achar o som. Foi assim que eu caminhei. Sempre ouvi muito piano, orquestra e claro que isso ajudou a me fazer pensar sobre os arranjos, mas aí é tudo questão de aprender a técnica pra colocar no papel e fazer funcionar.

O mais importante é achar o seu som, depois você faz o resto.

Oganpazan – De toda essa amplitude dentro da sua linguagem, Toninho, com foco nas suas influências de música brasileira, o que chamou sua atenção em termos de ritmos regionais? Penso que o seu trabalho enaltece as principais características da música popular e queria entender como você moldou seu repertório, pensando enquanto se formava como músico.

Toninho Horta – Não tinha como não amar a MPB, mesmo conhecendo o jazz muito cedo. Meu primeiro som foi “Samba Canção” do Ary barroso… Eu já tinha paixão desde o samba canção quando eu era adolescente, além da Bossa Nova, claro.

Eu ouvia muita coisa do meu avô, minha mãe tocava bandolim, então eu misturei a sofisticação do jazz, o pop dos anos 70, Emerson, Lake & Palmer, orquestras e foi muito bacana essa vivência.

Ouvi muito Zappa também, sempre gostei e admirei as misturas. Nunca tive preconceito com nada, música nordestina, enfim, nenhum estilo. Eu tocava músicas do Luiz Gonzaga e nem sabia quem ele era.

Tudo isso veio como informação e claro que a música tradicional vem junto. Outra coisa muito importante era assistir shows também. Isso contribui pra sua formação e o meu som, o som de minas, teve influência do círculo do ouro, da musica espanhola, dos cantos gregorianos com música barroca, além de referências europeias.

Todo mundo toca essa valsa mineira, diferente da valsa choro, da chamama do Rio Grande do Sul. Diferente também da varana com baixo contínuo…. Essa valsa nossa tem o backbeat, um contratempo que é uma interpretação mais pop com levada Jazz.

É uma valsa mineira. Muitas pessoas tem isso como influencia e é interessante por que é uma grande mistura, vai desde a cultura africana, indígena e popular, até as raízes do Brasil.

Oganpazan – Quando você foi gravar pela Verve americana, como foi essa transição pra um repertório mais instrumental, com menos presença de vocal? Como esse caminho influenciou seu trabalho com o Jazz, pensando até nas colaborações que você teve com músicos expressivos, como o Pat Metheny, Keith Jarrett, Herbie Hancock e Wayne Shorter? Esse último você até acabou gravando disco, o “Diamond Land” (1988).

Toninho Horta – No Brasil, até então, eu tinha gravado um disco em 1973 (Beto Guedes). Depois eu fiz outro que comecei em 76 e foi até 79 (“Terra dos Pássaros”). A ideia era lançar, claro mas, a fábrica inundou, a bendita fábrica da Odeon. Ai eu gravei outro disco por que eles estavam atrás de compositores e me contrataram.

Só que como a fábrica inundou, o LP só saiu em março, mas eu já estava gravando os 2 ( “Terra dos Pássaros” e “Toninho Horta”), por isso que eles são parecidos. Ambos tem orquestra, banda, repertório mais cantado e menos instrumental. Eu diria que é um repertório 70% cantado e 30% instrumental.

Sobre essa questão do Jazz, eu gostava de tocar, principalmente nos festivais de jazz, onde essa veia instrumental era importante. Em 88 quando assinei com a Polygram, o objetivo era entregar 3 trabalhos para a Verve americana. O primeiro eu gravaria no Brasil e os outros 2 já seriam feitos no EUA. Eles me consideravam um artista, um performer do jazz de fato, mas eles queriam que eu mesclasse standards e tal e eu fui pro instrumental por causa da língua também.

“Moonstone” (1989) foi homenagem ao Jobim, gravado com o baterista Billy Higgins, que infelizmente nos deixou recentemente. O disco de 92 (“Once I Loved”), a última faixa é bem mineira. “Minas Trem”, essa eu fiz voz e violão com amigos batendo palma, justamente pra não perder o vínculo, por que eu estava me desligando da música brasileira e eu não queria isso pra minha vida.

Por isso gravei essa faixa, pra mostrar isso né, que eu sou brasileiro. Naquele época eles ofereceram mais 7 discos pra eu ficar conhecido mundialmente, mas acabou que o trato não foi adiante e eu não queria ser apenas mais um jazzman no mundo.

Oganpazan – Toninho, você é um músico que está sempre perto da nova geração da cena instrumental/jazzística. Como você vê essa galera mais nova, como o Pipoquinha e o Pedro Martins chegando, o que chama atenção nesse novo momento da nossa música?

Toninho Horta – Pela internet a gente vê muita gente nova, que toca muito bem, mas que anda muito ligado ao modelo e sistema digital. Existe muita preocupação acadêmica com escala, módulo e quando eu vejo o Pedro e o Michael eu vejo esse lado virtuoso, com essa questão do estudo muito forte, mas além disso, eles possuem um conhecimento de música brasileira e uma abordagem muito respeitosa.

Eles conseguem ser atuais com toda essa linguagem e preocupação de domínio do instrumento, mas também fazem isso com um bom gosto que o cara só consegue tirando seu próprio som.

Tem muita gente talentosa por aí, todos buscando seu caminho e eu acho interessante que a galera vem falar comigo, pedindo dicas e etc. Sinto que eles querem seguir essa linha do Clube da Esquina, mas estão inseguros e querem saber se vale a pena.

Estou sempre incentivando, pois quero ser referência pra eles e vejo com bons olhos esse futuro musical no Brasil. Nunca acreditei que a MPB enfraqueceu, mas a mídia mudou, apareceu o jabá e agora é o que é né?! Só entra Pop, Sertanejo, Pagode e a gente ficou sem espaço.

O espaço existe, mas não é democrático. A internet está massificada e a juventude mais esperta que consegue puxar essa tendência musical vai conseguir se criar no mercado. Isso dá medo na nova geração e eu vejo essa preocupação, mas precisa ter coragem sempre, não pode ter hoje e amanhã não.

Oganpazan – Toninho, você fez um grupo com o Jaques Morelenbaum (cello), Marcos Suzano (percussão) e Liminha (baixo). O projeto chamava “Shinkansen” e era um grupo instrumental – arquitetado uma década atrás – para fazer alguns shows no Japão.

Sem agenda, o projeto foi pausado, mas foi retomado em 2020  com o lançamento do disco de estreia do  quarteto. Vale lembrar que o registro ainda conta com participações especiais de Branford Marsalis (saxofone), Ryuichi Sakamoto (piano) e Jessé Sadoc (trompete). Como surgiu o grupo e como foi lançar esse material depois de tanto tempo?

Toninho Horta – Eu queria homenagear o Japão pelas catástrofes de 2011. O disco ficou pronto 2 anos atrás, o Liminha que masterizou, mas como ele é muito ocupado, só teve tempo de finalizar isso agora e pegou pra lançar. Como resultado, a gente tirou o projeto do chão e liberamos.

O Brandford, Ryuichi e o Sadoc tiveram essa viagens próprias depois da conclusão do projeto. O principal era o som do quarteto, mas como já estava pronto, incluímos essas colaborações e depois de uma década ele foi lançado.

Produção a gente faz, mas às vezes falta espaço e dinheiro. Eu tentei agradar e enaltecer o trabalho dos outros artistas, sempre pensando em ajudar os outros. A quarentena me fez ter maior concentração nos meus projetos…. É importante não parar e seguir olhando para o futuro.

Oganpazan – Toninho, queria que você falasse dessa mística do som de Minas Gerais, Como foi gravar o “Minas” (1975) e, mais do que isso: cunhar uma identidade musical tão lírica e que principalmente harmonicamente possui vida própria. Sei que muita gente deve perguntar isso pra você, mas queria saber a sua percepção como um cara que ajudou a criar essa sonoridade.

Toninho Horta – A gente já vem cultivando isso desde antes. Eu conheci o Miltinho ele tinha 22 e eu tinha 15 anos. Meu irmão que levou ele em casa. A gente teve as influencias, o Jazz veio pra cá e a coisa foi rolando, sabe?! A mistura da música regional com Pop e Jazz.

O clube da esquina de 72 reúne tudo aquilo, desde o Pop, música gregoriana, enfim é por isso que teve o destaque. No “Minas” – 3 anos depois – foi a mesma coisa. Cada um dos colaboradores tinha identidade própria e as melodias são como montanhas, com altos e baixos, diferente da música do litoral que é mais diatônica e como a riqueza era grande, manter isso foi muito natural.

Tudo acabou contribuindo né? A inspiração divina, a natureza, enfim, eu faço minha parte e trago para o mundo. É uma música menos comercial, mas com toda uma atmosfera que é diferente se tocada por músicos de outras partes do pais.

O som muda né?!

Com certeza e é muito bonito observar essas particularidades.

Oganpazan –  Toninho, pra fechar: sobre violão e guitarra, eu acho que tem um lance do som. É o seu dedo ali, sem efeito, o que dessa pureza você leva pra guitarra e vice versa?

Os acordes são da mesma forma quase, a interpretação que é o que muda de fato, mas eu trabalho muito com dedilhado.

Eu toco guitarra com o dedo também, mas toco mais blocos de acorde, no lugar da palheta. Eu uso mais cordas na mão esquerda. O conhecimento vale para os 2, mas a maneira de interpretar é diferente, até pra ampliar ou valorizar cordas soltas.

Tem coisas que na guitarra são mais fáceis e ao mesmo tempo o violão tem mais dinâmica. O groove no violão é mais forte por que como é elétrico, fica mais padronizado, mas o conhecimento é o mesmo.

-A História e a Geografia na Música de Toninho Horta – Entrevista

Por Guilherme Espir 

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